19 de agosto de 2025
Politica

Dino usa decisão da Justiça do Reino Unido sobre Mariana para tentar blindar Mores de Lei Magnitsky

BRASÍLIA – O ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), declarou a ineficácia da medida cautelar da Justiça do Reino Unido que determinou ao Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), em março deste ano, a desistência de ação na Corte que pede a suspensão dos contratos firmados entre escritórios ingleses e municípios brasileiros.

Na decisão proferida nesta segunda-feira, 18, Dino afirmou que decisões judiciais estrangeiras só podem ser executadas no Brasil mediante homologação ou por meio de mecanismos de cooperação internacional.

De acordo com o ministro, leis e ordens estrangeiras não produzem efeitos em relação a pessoas brasileiras, relações jurídicas aqui celebradas, bens aqui situados e empresas que atuam no Brasil.

Qualquer violação a essas regras, pontuou o ministro, “constitui ofensa à soberania nacional, à ordem pública e aos bons costumes, portanto presume-se a ineficácia de tais leis, atos e sentenças emanadas de país estrangeira”.

Flávio Dino, ministro do STF, proibiu restrições 'decorrentes de atos unilaterais estrangeiros' por parte de empresas ou outros órgãos que operam no Brasil
Flávio Dino, ministro do STF, proibiu restrições ‘decorrentes de atos unilaterais estrangeiros’ por parte de empresas ou outros órgãos que operam no Brasil

Ao determinar que a Justiça do Reino Unido não pode impor restrições às leis e ao Judiciário do Brasil, Dino afirmou que a decisão tem efeito “vinculante”, ou seja, abrange qualquer ordem estrangeira que pretenda impor “atos unilaterais por sobre a autoridade dos órgãos de soberania do Brasil”.

Dino ainda destacou o contexto atual, em que os EUA têm aplicado sanções ao Brasil e a ministros do STF como forma de pressionar por uma anistia ao ex-presidente Jair Bolsonaro, sem citar diretamente a Lei Magnitsky. No mês passado, o governo de Donald Trump aplicou a norma ao ministro Alexandre de Moraes. A lei, tradicionalmente aplicada contra graves violadores de direitos humanos, prevê bloqueio de contas bancárias e de bens em solo americano.

“Diferentes tipos de protecionismos e de neocolonialismos são utilizados contra os povos mais frágeis, sem diálogos bilaterais adequados ou submissão a instâncias supranacionais”, disse Dino. “Nesse contexto, o Brasil tem sido alvo de diversas sanções e ameaças, que visam impor pensamentos a serem apenas ‘ratificados’ pelos órgãos que exercem a soberania nacional.”

Ele ainda ressaltou que os mesmos fundamentos da decisão proferida agora sobre a medida da Justiça inglesa incidem “em todas as demais em que jurisdição estrangeira – ou outro órgão de Estado estrangeiro – pretenda impor, no território nacional, atos unilaterais por sobre a autoridade dos órgãos de soberania do Brasil”. Tal esclarecimento, complementou, “visa afastar graves e atuais ameaças à segurança jurídica em território pátrio”.

Dino ainda considerou que há “riscos de operações, transações e imposições indevidas envolvendo o Sistema Financeiro Nacional” e determinou ciência da decisão ao Banco Central, à Federação Brasileira de Bancos (Febraban), à Confederação Nacional das Instituições Financeiras (CNF) e à Confederação Nacional das Empresas de Seguros Gerais, Previdência Privada e Vida, Saúde Suplementar e Capitalização (CNseg).

“Transações, operações, cancelamentos de contratos, bloqueios de ativos, transferências para o exterior (ou oriundas do exterior) por determinação de Estado estrangeiro, em desacordo aos postulados dessa decisão, dependem de expressa autorização desta Corte, no âmbito da presente ADPF”, afirmou o ministro.

Na prática, a determinação do ministro significa que qualquer cidadão brasileiro que se sentir prejudicado por imposição de Estado estrangeiro em território nacional pode reclamar ao STF ou a outro órgão do Judiciário do Brasil.

Embora não cite a Lei Magnitsky aplicada pelos EUA contra o ministro Alexandre de Moraes, a conexão é clara. “Ficam vedadas imposições, restrições de direitos ou instrumentos de coerção executados por pessoas jurídicas constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País, bem como aquelas que tenham filial ou qualquer atividade profissional, comercial ou de intermediação no mercado brasileiro, decorrentes de determinações constantes em atos unilaterais estrangeiros”, destacou o ministro.

A ação do Ibram pede que os municípios brasileiros não têm legitimidade para mover ações judiciais no exterior quando relacionadas a fatos ocorridos no Brasil. Na petição de junho do ano passado, o instituto cita processos que correm no Reino Unido, na Holanda e na Alemanha contra mineradoras e outras empresas envolvidas com os rompimentos das barragens em Mariana (MG) e em Brumadinho (MG).

O caso ganhou novos contornos quando a Justiça do Reino Unido determinou, em março deste ano, que o Ibram desista do processo no STF. É nesse ponto que o caso se conecta com a Lei Magnitsky: a ofensa à soberania nacional.

O problema é que, ao chamar para si tal responsabilidade, Dino atravessa uma linha arriscada: a delimitação do processo que relata. Sobretudo em um momento em que ministros do Supremo são acusados de extrapolar seus poderes. E ainda mais quando pode soar como um “atropelo” ao colega Cristiano Zanin, que relata ação movida pelo líder do PT na Câmara, Lindbergh Farias (RJ), para impedir que bancos que operam no Brasil apliquem as sanções impostas pelo governo dos EUA ao ministro Alexandre de Moraes.

Para um interlocutor de Dino, a decisão reforça o “óbvio” que, às vezes, precisa ser dito. A obviedade não foi tão translúcida para Zanin, que, desde o dia 1º de agosto, quando recebeu a ação do líder do PT, tem tratado o caso com cautela. Seu único despacho no processo, até o momento, foi a intimação da Procuradoria-Geral da República (PGR) para que o órgão dê seu parecer.

 

 

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