Mudança de tom e novas decisões: entenda a escalada da tensão entre STF e EUA
As tensões entre o Supremo Tribunal Federal (STF) e o governo dos Estados Unidos, do presidente Donald Trump, acirraram-se após decisão do ministro Flávio Dino nesta segunda-feira, 18, que pode blindar o ministro Alexandre de Moraes das sanções da Lei Magnitsky.
O governo americano realiza uma investida contra a Suprema Corte brasileira desde maio, quando o secretário de Estado, Marco Rubio, disse que a administração federal avaliava sanções contra Moraes. As tensões se intensificaram a partir de julho, quando Trump manifestou apoio ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

Como mostrou o Estadão, os atos do governo americano contra Moraes foram precedidos por uma campanha de bolsonaristas contra o ministro do STF no exterior. Embora tenha se intensificado com a atuação do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) no primeiro semestre deste ano, a campanha já estava em curso desde 2024, quando Moraes entrou em embate com Elon Musk.
A tarifa de 50% imposta pelos EUA a produtos brasileiros impactou a ação penal em que Bolsonaro é réu por tentativa de golpe de Estado. Moraes considerou que as tarifas demonstravam uma tentativa de coação do curso do processo e impôs medidas cautelares a Bolsonaro. Após o descumprimento reiterado da restrição de uso de redes sociais, o ex-presidente teve a prisão domiciliar decretada.
Além de elevar o tom contra o Brasil, o governo americano valeu-se de sanções concretas, como revogação de vistos de autoridades e, no caso de Moraes, da aplicação da Lei Magnitsky. Por outro lado, a investida da gestão Trump não surtiu efeitos no julgamento de Jair Bolsonaro e mais sete aliados próximos por tentativa de golpe de Estado. Desde maio, o processo contra o “núcleo crucial” da trama golpista seguiu o trâmite previsto e irá a julgamento entre os dias 2 e 12 de setembro.
Marco Rubio fala sobre possibilidade de sanções contra Moraes
Em 21 de maio, o secretário de Estado dos Estados Unidos, Marco Rubio, afirmou que havia uma “grande possibilidade” de Alexandre de Moraes ser sancionado pelo governo de Donald Trump.
Rubio foi questionado por um deputado republicano durante uma audiência na Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Representantes, análoga à Câmara dos Deputados brasileira. O Departamento de Estado, por sua vez, equivale ao Ministério das Relações Exteriores do Brasil.
Secretário fala em sanções contra ‘cúmplices de censura’ a americanos
Uma semana depois de admitir a possibilidade de sanções contra Moraes, em 28 de maio, Marco Rubio afirmou que os Estados Unidos restringiria os vistos de “autoridades estrangeiras e pessoas cúmplices na censura de americanos”.
Rubio não citou Alexandre de Moraes, mas mencionou países da América Latina como exemplos dos alvos da aplicação da sanção.
Trump diz que Bolsonaro sofre ‘caça às bruxas’
Em 7 de julho, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, passou a chamar o processo na Justiça contra o ex-presidente Jair Bolsonaro de “perseguição”, ”coisa terrível” e “caça às bruxas”. “Deixem Bolsonaro em paz”, afirmou Trump em sua rede social, a Truth Social, na primeira declaração pública em defesa do aliado brasileiro.
O governo brasileiro reagiu aos comentários de Trump reafirmando a soberania do País. “Não aceitamos interferência ou tutela de quem quer que seja. Possuímos instituições sólidas e independentes. Ninguém está acima da lei. Sobretudo, os que atentam contra a liberdade e o Estado de Direito”, disse o governo Lula, em nota.
Tarifaço
Dois dias depois da primeira declaração de apoio a Jair Bolsonaro, o governo Trump anunciou uma tarifa adicional a produtos brasileiros. Segundo o anúncio, as exportações do Brasil nos Estados Unidos passariam a estar sujeitas a uma tarifa de 50%.
Ao anunciar a medida, o governo americano citou o processo judicial contra Jair Bolsonaro como uma das razões que embasou o decreto.
Carta de Barroso
No domingo, 13 de julho, o presidente do Supremo, Luís Roberto Barroso, reagiu aos anúncios do governo americano durante a semana em uma carta pública. “O STF vai julgar com independência e com base nas evidências. Se houver provas, os culpados serão responsabilizados. Se não houver, serão absolvidos. Assim funciona o Estado democrático de direito”, afirmou Barroso, referindo-se à ação penal contra Bolsonaro e aliados.
“No Brasil de hoje, não se persegue ninguém. Realiza-se a justiça, com base nas provas e respeitado o contraditório”, disse o presidente do STF.

Medidas cautelares a Bolsonaro
Em 18 de julho, Jair Bolsonaro foi alvo de uma operação da Polícia Federal. O ex-presidente foi submetido a um recolhimento domiciliar e passou a ser monitorado com tornozeleira eletrônica, além de estar proibido de se comunicar com diplomatas ou embaixadores. Bolsonaro também foi proibido de usar redes sociais, inclusive por intermédio de terceiros, e de se comunicar com outros réus das ações penais da trama golpista.
Segundo a decisão do relator do processo, Alexandre de Moraes, Bolsonaro tentou coagir o curso do processo em que é réu ao criar “entraves econômicos” entre Brasil e Estados Unidos.

Revogação de vistos
O governo dos Estados Unidos reagiu à imposição de medidas cautelares contra Bolsonaro. Em 18 de julho, horas depois da operação da PF contra o ex-presidente, o secretário Marco Rubio anunciou a revogação de vistos de Moraes e outros sete ministros do STF, além do procurador-geral da República, Paulo Gonet.
Dos integrantes do STF, apenas Luiz Fux, André Mendonça e Kassio Nunes Marques não foram afetados pela sanção.
Moraes é sancionado pela Lei Magnitsky
Em 30 de julho, o governo dos Estados Unidos sancionou Moraes com a Lei Magnitsky. O magistrado tornou-se a primeira autoridade de um país democrático a ser sancionada com a norma, criada para restringir direitos de violadores graves dos direitos humanos, como condenados por tortura, tráfico humano e assassinatos em série.
A Lei Magnitsky prevê proibição de entrada nos Estados Unidos e confisco de bens no território americano, além da proibição “extraterritorial” de prestação de serviços aos sancionados, o que tem o potencial de afetar os serviços bancários do ministro do STF.
No mesmo dia em que sancionou Moraes com a Lei Magnitsky, o governo Trump anunciou quase 700 exceções ao “tarifaço” contra produtos brasileiros.
Desagravo a Moraes
Em 1º de agosto, ao retornar de um período de recesso, o STF dedicou parte da sessão para um desagravo a Alexandre de Moraes. O presidente do tribunal, Luís Roberto Barroso, afirmou que a Corte julgará as ações penais sobre a tentativa de golpe de Estado “sem qualquer tipo de interferência, venha de onde vier”.
Moraes também foi apoiado por Gilmar Mendes. O decano da Corte saudou a “coragem e retidão” do ministro. “É fundamental defendermos aqueles que, com coragem e retidão, enfrentam essas ameaças, mesmo quando isso implica suportar o peso de críticas injustas e ataques pessoais”, disse Gilmar. “Alexandre tem prestado um serviço fundamental ao Estado brasileiro, demonstrando prudência e assertividade na condução dos procedimentos instaurados para a defesa da democracia.”
O próprio Moraes discursou na abertura da sessão e criticou os que agem de forma “covarde e traiçoeira” em busca de punições contra o próprio País. O magistrado afirmou que vai “ignorar” as sanções e “continuar trabalhando”.
Prisão domiciliar de Bolsonaro
Em 4 de agosto, Moraes decretou a prisão domiciliar de Bolsonaro devido ao descumprimento reiterado de medidas cautelares. No entendimento do relator, o ex-presidente descumpriu mais de uma vez a proibição de usar redes sociais, inclusive por intermédio de terceiros. A medida era questionada pela defesa do ex-presidente.
Em 21 de julho, Bolsonaro discursou a apoiadores na Câmara. As declarações foram gravadas e publicadas nas redes sociais. Moraes pediu esclarecimentos à defesa, que alegou desconhecer a proibição de conceder entrevistas. O relator, na ocasião, decidiu que o ex-presidente cometeu uma “irregularidade isolada”.
Em 3 de agosto, Bolsonaro discursou por telefone a apoiadores que estavam no ato no Rio de Janeiro. O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), filho “01″ do ex-presidente, registrou em suas redes um vídeo do pai discursando aos manifestantes em Copacabana. Horas depois, apagou a publicação.
Decisão de Flávio Dino e reação dos EUA
O ministro Flávio Dino, do STF, decidiu nesta segunda-feira, 18, que decisões judiciais estrangeiras só podem ser executadas no Brasil mediante homologação ou por meio de mecanismos de cooperação internacional.

O despacho de Dino integra um processo relacionado aos rompimentos das barragens em Mariana (MG) e em Brumadinho (MG), mas abre brechas para que Moraes recorra ao próprio Supremo contra os efeitos da Lei Magnitsky.
O governo dos Estados Unidos reagiu ao despacho de Dino. “Nenhum tribunal estrangeiro pode anular as sanções impostas pelos EUA ou proteger alguém das severas consequências de descumpri-las”, afirmou a Embaixada dos Estados Unidos no X (antigo Twitter).