19 de agosto de 2025
Politica

Proteção de crianças e adolescentes no ambiente digital não pode mais esperar

O ambiente digital é hoje um grande espaço público, onde crianças e adolescentes circulam todos os dias, conversam, jogam, aprendem e criam. Porém, ao contrário das ruas e cruzamentos, onde a sociedade estabeleceu regras claras de segurança, monitoramento e convivência, o mundo on-line ainda opera com brechas perigosas, permitindo que esses mesmos meninos e meninas caminhem sozinhos em meio a riscos previsíveis e evitáveis.

O Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, por meio da Secretaria Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, tem colocado como prioridade a construção de políticas para que a prioridade absoluta e a proteção integral previstas na Constituição e no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) sejam efetivamente aplicadas também no ambiente digital. É nesse cenário que o Projeto de Lei nº 2628/2022, aprovado pelo Senado, ganha relevância como instrumento concreto de fortalecimento dessa agenda.

O acesso de crianças e adolescentes a conteúdos impróprios é um dos exemplos mais claros dessa vulnerabilidade. Hoje, basta pouco mais que um clique para serem expostos a jogos de azar, conteúdos pornográficos e violentos ou interações com desconhecidos. Essa facilidade de acesso, somada ao alcance e à velocidade das interações on-line, garante que o perigo se concretize na falta de barreiras adequadas. E é justamente nesse momento, quando precisariam agir de forma decisiva para proteger o público que consome seu conteúdo e impulsiona seus lucros, que as plataformas digitais se mostram resistentes a colaborar na implementação de mecanismos capazes de reduzir riscos e prevenir danos.

Os números ajudam a dimensionar o problema, ainda que não o esgotem: a TIC Kids Online Brasil 2024 apontou que 93% das crianças de 9 a 17 anos usam celular; enquanto a SaferNet identificou mais de 1,25 milhão de usuários brasileiros no Telegram participando de grupos que comercializam e compartilham imagens de abuso sexual infantil. Esses dados deixam claro que apenas o controle parental não basta, isso porque é impossível exigir das famílias a vigilância constante em um ambiente que opera 24 horas por dia, com múltiplos canais de acesso e mecanismos que facilmente contornam restrições simples. A responsabilidade precisa ser compartilhada com quem detém as ferramentas técnicas e a capacidade real de adotar medidas concretas de proteção.

Nesse cenário, a aprovação do PL 2628 vai ao encontro de um combate à violência digital contra crianças e adolescentes que começa antes do crime acontecer. Não basta agir quando a imagem já foi compartilhada, quando o assédio já aconteceu ou quando o desafio perigoso já fez uma vítima. Isso significa estabelecer a prevenção a partir de padrões mínimos de segurança e cuidado que garantam que crianças e adolescentes estejam protegidos desde o momento em que acessam o ambiente digital pela primeira vez, assegurando, assim, barreiras efetivas contra contatos e conteúdos nocivos, sendo os riscos monitorados e as interações e recomendações estruturadas de forma a evitar exposição indevida, e que existam mecanismos claros, rápidos e acessíveis para denunciar e responder a situações de perigo.

O aumento da atenção pública ao tema ensejado pela corajosa atuação do youtuber Felipe Bressanim Pereira, conhecido como Felca, pode viabilizar uma concertação nacional em torno da constituição de um pacto social mínimo de convivência nos ambientes digitais que possa, ao mesmo tempo, assegurar o efetivo exercício da liberdade de expressão e garantir um espaço seguro, saudável e acolhedor para as crianças e adolescentes.

Há quem tente reduzir a proposta a um debate sobre censura, mas regular como as plataformas digitais projetam, recomendam e moderam conteúdo para crianças e adolescentes não é dizer o que pode ser dito, mas, sim, exigir padrões mínimos de segurança e responsabilidade. O argumento da defesa da liberdade de expressão não pode significar um salvo-conduto à reprodução das violências e violações de outros direitos fundamentais de crianças e adolescentes que, conforme consagrado no Artigo 227 da Constituição Federal, devem ser assegurados, com absoluta prioridade, enquanto um dever compartilhado das famílias, da sociedade e do Estado.

Deixar de aprovar e regulamentar o PL 2628 é aceitar a permanência de um cenário em que crimes como exploração sexual, assédio, cyberbullying e desafios perigosos continuam sendo praticados em larga escala, muitas vezes com incentivo de algoritmos que maximizam o engajamento a qualquer custo.

Desse modo, proteger a infância no mundo conectado é um pacto que não pode mais ser adiado, viabilizando, no ambiente digital, o cumprimento dos direitos já assegurados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, como o superior interesse da criança, a proteção integral, a autonomia progressiva e a proteção de dados. É, acima de tudo, um compromisso democrático, no qual as plataformas digitais devem deixar de adotar uma postura de neutralidade passiva para assumir, de forma inequívoca, a condição de agentes ativos, incidindo não apenas na origem dos riscos, mas sobretudo na implementação de soluções. O momento exige coragem para enfrentar interesses difusos e firmeza para implementar mudanças e compromissos inegociáveis para a proteção de crianças e adolescentes no ambiente digital.

 

 

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