Crianças não são dados: são cidadãos em desenvolvimento
O vídeo “Adultização”, produzido pelo youtuber Felca, escancarou um problema que, embora silencioso para muitos, vem crescendo no ambiente digital: a exposição de crianças e adolescentes a situações vexatórias ou constrangedoras para geração de conteúdo e lucro. Em grande parte dos casos, essa exposição parte dos próprios responsáveis, fenômeno conhecido como sharenting – (junção das palavras “share” – compartilhar – e “parenting” – em inglês paternidade).
O impacto não é apenas moral; trata-se de uma violação direta a direitos fundamentais previstos na Constituição e em leis já vigentes. O Brasil já possui um arcabouço robusto para proteger a infância. O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990), o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990), o Marco Legal da Primeira Infância (Lei nº 13.257/2016) estabelecem que a proteção da criança e do adolescente é prioridade absoluta e responsabilidade compartilhada entre Estado, famílias, sociedade e setor privado. Essas normas trazem o reconhecimento de que toda criança e adolescente tem direito à dignidade, à imagem, à privacidade e a um desenvolvimento saudável — inclusive no ambiente digital.
A preocupação com o que está acontecendo a crianças e adolescentes online não é de hoje. Em 2024, o CONANDA (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente) publicou a Resolução nº 245/2024 elencando uma série de medidas para tornar o ambiente online mais saudável e transparente. Dentre elas, por exemplo, a proibição da perfilização para envio de conteúdo publicitário direcionado para este público.
Todo este arcabouço que já existe é agora aprofundado no Projeto de Lei 2628/2022, que atualiza as normas de proteção às crianças e adolescentes em dinâmicas online, incorporando medidas específicas para prevenir a exploração comercial e práticas de perfilização comportamental de crianças para fins econômicos. É preciso ressaltar que, sempre que situações de “viralização” como a do ultimo vídeo de Felca acontecem e casos impressionantes de abuso pede-se uma resposta legislativa muito rápida. No entanto, é preciso ter cuidado com a pressa que pode inclusive prejudicar o melhor interesse do público infanto-juvenil.
A abrangência deste novo PL alcança desde grandes plataformas até pequenas e médias empresas, reafirmando que qualquer produto ou serviço digital voltado ou acessível a esse público deve ser concebido com base no melhor interesse da criança. Não se pode desconsiderar o ônus que isso impõe a empresas menores.
De toda forma, mais que uma resposta a casos de repercussão, trata-se de garantir um ambiente digital seguro, livre de assédio e exploração, onde crianças não sejam tratadas como leads ou métricas, mas como cidadãos em formação — e o futuro que queremos proteger começa agora.