Decisão de Dino pode levar Trump a substituir ‘Magnistky à brasileira’ pela versão americana
Um dos grandes problemas do Brasil é o excesso de valentes – de candidatos a heróis. De corajosos que não pisam nas ruas e não experimentam a materialidade-decorrência de suas bravuras. Os tomadores de riscos com o pescoço alheio – temos deles aos montes e com muito poder. Nós os bancamos.
Nada aprendemos com a história, inclusive a recente, a da Lava Jato, ou talvez admitamos utilitariamente que corrupções nos processos – que arreganhos autoritários – sejam usados contra os nossos adversários, por motivo nobre; sendo sempre bom lembrar que os precedentes ficam.
Os motivos serão sempre nobres. O gênio xandônico não voltará à lâmpada, mesmo quando já não houver Xandão.
Não nos faltam salvadores da pátria, os que pretendem nos proteger de nós mesmos, autorizados, sempre em nome de causa virtuosa, a enfrentar situações excepcionais com atos de exceção. Entre esses barrosos, destaca-se Flávio Dino, senador togado, o ministro da Corte Constitucional com maior vocação para concorrer com Alexandre de Moraes à condição de mestre-criador do Direito, ao posto de instrumentalizador-geral da lei.

Veja-se o caso da reação do Supremo – a reação irresponsável de Dino é do Supremo – à Lei Magnitsky. Há uma ADPF específica a respeito, sob relatoria de Cristiano Zanin. Foi ignorada-atropelada. Impossível crer que sem combinação-articulação entre ministros. Tem método.
Ainda que, em momentos de pressão, o STF vire uma escola de samba, com seus integrantes plantando anonimamente na imprensa que alas do tribunal estariam incomodadas com decisões de fulano ou sicrano, Dino – jamais sozinho – escolheu manipular a natureza de uma ação sobre a tragédia de Mariana para mandar recados políticos e, na prática, produzir insegurança jurídica e amedrontar certamente não o governo americano.
De novo: não sem aval dos donos da corte, Dino disparou recados ao sistema financeiro nacional, produziu insegurança jurídica interna e amedrontou – acirrando a nossa já intensa imprevisibilidade – os brasileiros. Parabéns.
Para o objetivo de brecar os efeitos da Magnitsky no Brasil, a decisão do ministro é inócua. Eficaz somente para lançar as instituições financeiras brasileiras numa encruzilhada que, afinal, tende a evidenciar a fraqueza, limitação também sobre a compreensão do tamanho do problema, do STF. Porque a questão crucial permanece: sobre se haveria alternativa a um banco, se se quiser inserido no sistema financeiro global, senão se submeter às consequências da Magnitsky no Brasil.
Esse é o impasse, enfraquecedor do Supremo, que o despacho de Dino arma – e que se pode resumir na forma de pergunta: tendo de escolher, uma instituição brasileira preferirá violar a soberania nacional, contrariar o STF e se defender no Brasil, talvez mesmo contratando banca que conte com parentes de ministros do tribunal, ou enfrentar as sanções econômicas baixadas nos (e a partir dos) EUA? Como responderia a essa inquirição um banco com linhas de crédito sob financiamento internacional?
Essa indagação serve para empresas brasileiras no geral, cujos sistemas – os provedores de infraestrutura, por exemplo – são americanos. Contratos que seriam encerrados – nos EUA – sob ordens da OFAC, a agência do Departamento do Tesouro americano que cuida de sanções econômicas e comerciais. Sobre isso, também e bizarramente no Supremo, parece haver desconhecimento; sendo assustador que decisões voluntariosas sejam tomadas sob ignorância.
A decisão de Dino esclarece o óbvio, pela honra (uhu!) da soberania nacional: que determinação judicial de tribunal de outro país não vigorará no Brasil sem homologação do STF. Lindo. Lindo e em nada responsivo à Lei Magnitsky, que se desenvolve em outro registro e não sobre território brasileiro. Decisão, portanto, que serviu somente para emparedar – em resumo – os banqueiros. Banqueiros dos bancos em que todos nós, os ferrados, temos contas. Nossos dinheiros estão lá. Parabéns.
Nota pétrea; e não exclusivamente destinada a um ex-governador do Maranhão, Estado que deixou na mesma miséria que encontrara: soberania de brasileiro – no mundo real, aquele em que não vivem os ministros do STF – é comida em casa, segurança na rua e condições para trabalhar. No caso de um empresário, previsibilidade para manter funcional o seu negócio.
Esclareça-se: toda empresa que assina contrato com prestadores de serviços americanos – como os de soluções para tecnologia – contrata também o compromisso de obedecer aos efeitos das sanções, sanções aplicadas nos EUA, sob o risco de sanção contra si a partir dos EUA. A Lei Magnitsky pune – nos EUA – com multas bilionárias, para estrangular mesmo, empresas ou instituições financeiras estrangeiras que tenham negócios nos EUA e se relacionem formalmente com sancionados.
Essa lei se estabelece à margem do Direito Internacional porque opera e se espalha, desde os EUA, valendo-se da força econômica global dos EUA, para explorar-pressionar, com esse peso tremendo, os mercados conectados, as cadeias de valor integradas – que não têm fronteiras. Donde, repita-se, o caráter inócuo da decisão de Flávio Dino, posto que a Magnitsky não toma providências diretamente no Brasil, mas com consequências no Brasil, se quiserem as empresas brasileiras continuar existindo nos EUA – estando os EUA, economicamente, em todo lugar.
A decisão de Dino tem por eficiência – aí, sim – provocar. Esse é o potencial; e não é bom. Da mesma maneira que ele presta esclarecimentos sobre a defesa da soberania nacional brasileira, seus despachos podem motivar esclarecimentos também de parte do governo americano. Não seria bacana. Porque, hoje, os efeitos da Magnitsky contra Moraes – assim tocam os bancos brasileiros – são meia-boca, sobretudo intimidatórios, e estão limitados a bloquear operações em dólar e o uso de cartões com bandeiras americanas, liberados os trânsitos em real. Sobrevive-se.
Seria o caso de torcer para que o arranjo continuasse acomodado desse jeito, com Trump fingindo não ver Dino e satisfeito em apenas estacionar o uso pervertido da lei, como ameaça, sobre o Brasil – uma espécie de Magnitsky à brasileira.
Dino quer a Magnitsky à americana. Mui amigo.