22 de agosto de 2025
Politica

A reforma do Código Civil e o Direito das Coisas

A proposta de reforma do Código Civil, em especial no que se refere ao Direito das Coisas e, mais pontualmente, ao regime das garantias, representa um avanço necessário e promissor para o ordenamento jurídico brasileiro. As discussões promovidas no âmbito da Subcomissão de Direito das Coisas do Senado Federal indicam uma inflexão importante: trata-se de devolver ao Código Civil o papel de pilar estruturante da regulação das garantias, hoje em larga medida pulverizadas em legislações especiais que, embora inovadoras, afastaram o sistema de um núcleo normativo coeso.

O Projeto de Lei nº 4/2025 se destaca por buscar a consolidação e modernização do regime das garantias reais, com vistas a simplificar procedimentos, uniformizar regras e, sobretudo, promover maior segurança jurídica.

Uma das inovações mais relevantes está na criação de uma regra-matriz que exige o registro como elemento constitutivo das garantias. Ao padronizar esse requisito, eliminam-se distinções artificiais entre modalidades como hipoteca, penhor e alienação fiduciária, aproximando o sistema brasileiro de modelos jurídicos mais eficientes. A medida fortalece a previsibilidade e reduz custos operacionais para credores e devedores.

Outra medida de impacto é a instituição de um critério claro e negociável de prioridade. A preferência será conferida à garantia registrada em primeiro lugar, inclusive em relação a créditos futuros. Tal dispositivo representa um estímulo à formalização de garantias e à circulação ordenada do crédito, ao mesmo tempo em que possibilita acordos entre agentes econômicos quanto à reordenação dessa prioridade.

A possibilidade de reserva de espaço no registro público para financiamentos ainda não concretizados é outro ponto que dialoga diretamente com a realidade dos contratos modernos, sobretudo aqueles de caráter rotativo. Ao antecipar o registro da prioridade, viabiliza-se uma dinâmica mais fluida nas operações de crédito empresarial e agrícola.

A previsão de utilização de bens futuros ou supervenientes como garantias, como safras ainda não colhidas ou máquinas em aquisição, também representa importante avanço. O reconhecimento da eficácia da garantia desde o “nascimento” do bem amplia sobremaneira o leque de ativos mobilizáveis e estimula setores produtivos com forte demanda por capital de giro.

O projeto ainda amplia o escopo do penhor não possessório, agora concebido como universal, permitindo que quaisquer bens móveis sirvam de garantia sem necessidade de transferência de posse. Essa flexibilização é crucial para o comércio e a indústria, permitindo que estoques e maquinários sigam operacionais mesmo durante a vigência da garantia, bastando o registro eletrônico.

De igual relevância é a previsão de sub-rogação automática da garantia em caso de transformação, venda ou sinistro do bem. O crédito permanece lastreado, migrando para os frutos ou valores correspondentes. Tal previsão reforça a efetividade das garantias e mitiga riscos de inadimplemento.

Por fim, a admissibilidade do chamado pacto marciano, pelo qual o credor pode apropriar-se do bem dado em garantia, desde que avaliado a preço justo e com devolução do excedente ao devedor, representa medida sofisticada e alinhada às práticas internacionais, especialmente em contratos entre partes com paridade técnica e informacional.

O impacto setorial dessas mudanças é expressivo. Bancos e fintechs ganham instrumentos mais robustos e seguros, o que tende a reduzir os spreads de crédito. O agronegócio será beneficiado por uma regulação mais aderente às suas peculiaridades. No comércio e nos serviços, a utilização de ativos circulantes como garantias ganha agilidade. E para o consumidor, vislumbra-se um horizonte de taxas mais competitivas em modalidades como home equity e refinanciamento de veículos.

Evidentemente, a concretização desses avanços depende de ações estruturais, como a criação de infraestrutura digital padronizada, capacitação técnica dos cartórios, ajustes tributários e a uniformização de entendimentos pelos órgãos de defesa do consumidor e pelo Poder Judiciário.

O Projeto de Lei nº 4/2025 aponta para uma reforma profunda e bem fundamentada, que pode colocar o Brasil na vanguarda dos sistemas de garantias do século XXI. Ao promover uma transição do papel e da burocracia para um modelo digital, integrado e racional, o país tem a oportunidade de fomentar a circulação de riquezas com maior eficiência, segurança e equidade.

Essa é uma chance rara de reequilibrar o sistema de garantias e devolver ao Código Civil o protagonismo que lhe é devido na regulação das relações patrimoniais privadas. Ao Poder Legislativo cabe, agora, o trabalho de revisão e consolidação do direito das garantias no Brasil.

 

 

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