22 de agosto de 2025
Politica

Disputa inglória

Hoje não se pode falar mais em gordo, gordura, ou usar impunemente qualquer verbete alusivo à dimensão e consistência de um corpo humano. Mas a questão da obesidade sempre esteve na preocupação dos racionais.

Oliveira Lima, escritor e diplomata brasileiro de grande participação na História do Brasil, na verdade Manoel de Oliveira Lima (Recife-1867-Washington-1928), era um atormentado por causa de sua tonelagem. Escreveu, em página de reminiscências, que a gordura era o seu ponto vulnerável. Fazendo pilhéria, afirmou que a pança havia sido o seu “calcanhar de Aquiles”.

Se isso o incomodava, foi bem observado por aqueles que gostam de espicaçar as pessoas, principalmente quando estas têm alguma importância no cenário social. A zombaria alheia o não deixou em paz. Sempre que alguém queria feri-lo, não escolhia outro assunto. Como lembra Josué Montello, no saboroso “Pequeno Anedotário da Academia Brasileira”, “em verso e prosa, as banhas do escritor pagavam por sua conduta polêmica. A caricatura, por sua vez, apoderou-se dessa gordura que a ele parecia excessiva e fez de seu corpanzil alvo de riso e de infinitas piadas.

As coisas tomaram vulto, porque ele acusava os golpes. Tanto que, além da imprensa, a constância do deboche surgiu em outros ambientes. O teatro, antigamente, era um veiculador de publicidade e produzia anúncios de pano de boca. Numa caricatura cruel, ele foi desenhado como enorme corpo nu e com asas de anjo, a propagar os relógios Omega. Isso porque a marca tinha por agente no Brasil, um desafeto do caricaturado.

De quando em vez, o próprio Oliveira Lima – que foi professor convidado em Harvard, assim como a nossa querida caçula da Academia Paulista de Letras, Djamila Ribeiro – conseguia rir dos comentários gerados por sua condição física.

Certa vez, ao ser apresentado, no Instituto Arqueológico de Pernambuco, a um senador estadual – à época em que havia Senado também nos Estados-membros – este quis demonstrar a profunda admiração pelo historiador e, ao comentário de que ele era um homem demasiadamente robusto, comentou:

– “O homem é gordo, muito gordo mesmo, mas é uma gordura fina!”.

O próprio Oliveira Lima passou adiante a observação de seu conterrâneo, considerando-o um verdadeiro achado de adulação.

Já o Barão do Rio Branco, e é o próprio Oliveira Lima quem o afirma em suas memórias, a adiposidade do colega de Academia era motivo de consolação. O Barão era uma bela figura de homem, considerado, ao lado de Joaquim Nabuco, um dos espécimes másculos brasileiros verdadeiramente paradigmáticos em termos estéticos, mas tinha o desgosto da barriga proeminente.

De vez em quando, dizia a Oliveira Lima:

– “Precisamos passear juntos pela Rua do Ouvidor, para que vejam que o senhor é mais gordo do que eu!”.

E Oliveira Lima, a responder:

– “Nem sofremos comparação. E eu não tenho dúvida em servir-lhe de “repoussoir”.

“Repoussoir”, palavra francesa que designa o fenômeno constatado em artes plásticas, notadamente a pintura, que faz realçar uma figura, para deixar em segundo plano uma outra. Oliveira Lima quis dizer que a sua gordura era tão superior à do Barão, que todos – naturalmente – prestariam mais atenção à sua portentosa figura, deixando de observar que Rio Branco também tinha suas gordurinhas.

Até os diálogos antigos eram mais eruditos, plenos de fino humor. Onde foi parar o bom tom, o bom gosto, a elegância no relacionamento pessoal em nossos dias? Não é válido acreditar, muita vez, que o projeto humano é aparentemente um fracasso, de tanto retrocesso registrado?

Uma tarefa restrita a raríssimas pessoas é a de resgatar o bom tom, a fidalguia no trato, a beleza das frases, a escolha de verbetes polidos, para trazer um pouco de harmonia que as redes sociais majoritariamente debilitaram nos últimos tempos.

O mundo precisa cada vez mais de beleza. Essa mesma beleza que o egoísmo, a ambição, a cupidez e a insensibilidade eliminam no fabuloso espetáculo de uma natureza exuberante e de esplêndida biodiversidade.

Comecemos aos poucos. Passo a passo. O passo é o movimento natural dos humanos. Mas, se houver determinação, eles podem nos conduzir longe, numa caminhada interminável rumo ao aprimoramento do convívio e à edificação de uma sociedade coesa, solidária e fraterna.

 

 

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