Crise hídrica outra vez. Só que bem mais grave
É preocupante a notícia de que o nível dos reservatórios de água da Grande São Paulo é o mais baixo desde a crise hídrica de 2015. Todos se lembram o que foi o período de 2013 a 2015, quando houve ameaça de São Paulo ficar sem água para beber. O que nos salvou foi a chuva providencial.
Só que não se cuidou de impedir se alastrasse a ilícita e crescente ocupação da região dos mananciais, da qual depende o paulistano para se dessedentar, se higienizar e viver. Com isso, a única represa abastecida por nascentes locais, a Guarapiranga, perde profundidade e se contamina. Recebe esgoto in natura, com o qual vêm cocaína e microplásticos. O tratamento não elimina resíduos fármacos. Então, aquilo que se consome lembra água, pois incolor, insípido e inodoro. Mas talvez não se possa mais chamar de H2O.
Na fase da escassez, houve racionamento e a população aprendeu a economizar. Mas se esqueceu. Assim como poucas pessoas ainda lamentam a praga da Covid19, embora mais de oitocentas mil seres humanos tenham nela perdido a vida. Passada a aflição, cada qual se volta aos seus próprios e às vezes mesquinhos interesses.
Hoje, o nível dos sete sistemas que abastecem os municípios da região atingia 41,1% de sua capacidade, o menor desde o auge da crise de 2015, quando chegou a apenas 11,4%. O mais angustiante é que o nível dos mananciais não para de cair, desde 2023. Era razoável nesse ano: 72,5%. Em 2024 passou para 59,6% e em 2025, chegou a 41,1%. Em dois anos, perdeu 31,4%, cerca de um terço de sua capacidade.
Vive-se em agosto um período de seca. O que significa a continuidade do decréscimo, até que voltem as chuvas. E se elas não voltarem com a intensidade necessária?
O clima está descontrolado. Sabemos a causa: nós mesmos. Continuamos a poluir atmosfera, solo e água. O transporte da megalópole bandeirante emite cerca de 67% dos gases causadores do aquecimento global, os chamados gases do efeito estufa. A energia estacionária, cada vez mais requisitada, chega a 31%. O restante provém dos resíduos sólidos. Impressionantes quinze mil toneladas diárias são produzidas na capital. Se for acrescentado o chamado lixo eletrônico e o hospitalar, a cifra será ainda maior. Algo que também evidencia nossa irresponsabilidade coletiva. Pois o percentual destinado à reciclagem é mínimo. Tudo vai se acumular nos aterros sanitários, espaços nobres que poderiam abrigar jardins, bosques, parques, florestas e que oferecem o melancólico espetáculo de camadas e camadas daquilo que desperdiçamos.
As palavras de conforto da Sabesp e dos setores ambientais do Estado não conseguem tranquilizar os mais angustiados. Mais do que isso, é urgente se desperte a consciência da população para a gravidade do cenário. Mais do que projetos estruturais que dependem de outras esferas e de vultosos recursos, é necessário conclamar a sociedade civil a participar de um grande projeto de racionalização no uso da água.
Providências singelas podem ajudar. São Paulo é um município repleto de edifícios. Todos eles têm zelosos zeladores que não se utilizam mais de um objeto simples, chamado vassoura. Em lugar dela, preferem usar a mangueira e dela fazem uma “vassoura hidráulica”. A cada partícula daquilo que consideram lixo, litros e litros de água tratada são desperdiçados na sistemática lavagem das áreas externas dos prédios, inclusive das calçadas fronteiriças ao edifício.
Uma proibição do uso de mangueiras para a lavagem externa coibiria esse desperdício perfeitamente evitável. Bastaria o uso de baldes e o da utilíssima vassoura. Não tem sido suficiente a admoestação dos servidores prediais. Eles costumam argumentar com a necessidade da limpeza e com a circunstância de que pagam com regularidade a conta d’água.
Convém levar a sério aquilo que se perde no abastecimento. Corrigir os vazamentos é importante. Todavia, algo mais efetivo e permanente é devolver à natureza aquilo que dela se extraiu em termos de cobertura vegetal. O plantio de árvores, a melhor tecnologia para sequestrar carbono, aumentar a umidade, regular o regime de chuvas, amenizar a questão da drenagem e dos lençóis freáticos.
Enfim, é um problema de crescente gravidade, que reclama a atenção de todos, sem exceção. Muito acima da capacidade do governo de solucioná-lo e mesmo de amenizá-lo. Prova inconteste de que já não se pode falar em “mudanças climáticas”, nem mesmo em “emergências climáticas”. Entramos na fase do cataclismo climático e é o perigo mais concreto que ameaça a sobrevivência da humanidade neste maltratado planeta.