4 de setembro de 2025
Politica

Banda de Música: A bancada de oposição que abalou o Congresso e marcou uma geração

Entre os dias 5 e 6 de agosto, um grupo de parlamentares reagiu à prisão domiciliar do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) paralisando o Congresso. Na Câmara, o motim durou 30 horas. Ao retomar o comando da Casa, o presidente Hugo Motta (Republicanos-PB), criticou a atitude da oposição e afirmou que há limites para protestos. “O que aconteceu não foi bom, não foi condizente com nossa história, e só reforça que temos de voltar ao obedecimento do nosso Regimento, da Constituição e do bom funcionamento desta Casa”, disse Motta. “Até quando ultrapassamos o nosso limite, tem limite.”

Citada por Motta ao repreender o motim, a história da Câmara registra duas décadas de atuação de uma bancada de oposição ferrenha, marcada por discursos inflamados, obstrução de projetos e sucessivas denúncias de casos de corrupção. A Banda de Música, como apelidara a crônica política, foi uma ala da União Democrática Nacional (UDN), o principal partido de oposição ao varguismo e ao trabalhismo entre os anos 1950 e 1960. O grupo ganhou o apelido ao fazer barulho contra governos em sintonia parecida com a de uma orquestra.

Os deputados federais Afonso Arinos e Carlos Lacerda, expoentes da 'Banda de Música' da UDN, reúnem-se em abril de 1955
Os deputados federais Afonso Arinos e Carlos Lacerda, expoentes da ‘Banda de Música’ da UDN, reúnem-se em abril de 1955

Por um lado, o grupo consagrou-se pela atuação aguerrida com o que dispunha no Regimento da Câmara; por outro, membros da Banda estimularam medidas de exceção nas principais crises políticas do período, inclusive na que descambou no golpe de 1964. O recrudescimento que seguiu a tomada do poder pelos militares acabou por extinguir não só a própria Banda, a UDN e os demais partidos políticos constituídos, como toda a ordem legal vigente após a queda do Estado Novo, em 1945.

“A Banda de Música se caracterizava por uma atuação coesa e sistemática contra o governo, com um uso bastante hábil do Regimento e uma divisão interna de funções”, explicou a historiadora Martina Spohr, professora adjunta da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e autora do livro Banda de Música e seu Maestro: Aliomar Baleeiro e o Golpe de 1964.

O jornalista Lucas Berlanza, autor de Lacerda: A Virtude da Polêmica, relembra que a Banda não era um grupo formal da UDN, mas um apelido para um modo de atuação no Congresso. “Essas designações eram algo fluídas e você tinha parlamentares que transitavam. Uma hora parecia que o parlamentar era mais estridente, em outro momento ele já não era mais tão estridente assim, porque, por razões políticas dele, não lhe convinha mais”, disse Berlanza.

Entre os nomes mais associados à Banda, destacam-se, entre outros, Carlos Lacerda, Aliomar Baleeiro, Afonso Arinos, Adauto Lúcio Cardoso, Bilac Pinto e José Bonifácio.

A UDN surgiu ao arregimentar diferentes grupos de oposição ao Estado Novo, a ditadura de Getúlio Vargas (1937-45). O brigadeiro Eduardo Gomes, candidato do partido, foi derrotado por Eurico Gaspar Dutra, do PSD, na primeira eleição presidencial após a queda do regime. Durante o governo do general, a UDN dividiu-se entre os adeptos de uma defesa intransigente do programa da legenda e os dispostos a fazer concessões, grupo conhecido como “realista” ou, de forma pejorativa, como “chapa branca”. O retorno de Vargas ao poder, em 1950, acirrou os ânimos da oposição da UDN. “Isso leva os udenistas a um senso de urgência”, apontou Lucas Berlanza. “A Banda de Música entra em sinergia e começa a fazer a sua orquestra.”

Durante o governo Vargas, a Banda destacou-se por uma atuação estridente contra o presidente. Entre obstruções a projetos e denúncias de casos de corrupção que miravam o Catete, houve até uma tentativa de impeachment do mandatário, na primeira vez que o dispositivo seria acionado na história do País. A orquestra registraria seu auge no dramático mês de agosto de 1954, com a crise deflagrada pelo atentado contra Carlos Lacerda que vitimou o major Rubens Vaz.

Multidão querendo ver o corpo de Getúlio Vargas, em agosto de 1954
Multidão querendo ver o corpo de Getúlio Vargas, em agosto de 1954

Sob o governo de Café Filho, marcado pela questão da sucessão presidencial, a Banda seguiu ruidosa. Após o pleito de 1955, vencido por Juscelino Kubitschek, do PSD, udenistas tentaram emplacar a tese da maioria absoluta, um expediente ao qual já haviam recorrido cinco anos antes, após a vitória de Vargas nas eleições. Segundo a tese, o candidato à Presidência deveria obter mais de 50% dos votos válidos para se eleger, uma previsão que não constava na legislação da época. O casuísmo precipitou os eventos que levaram à deflagração do golpe militar do general Henrique Teixeira Lott, que garantiu a posse do presidente eleito.

O governo JK é marcado pela relativa estabilidade em relação aos antecessores. Ainda assim, durante o mandato do mineiro, a Banda seguiu atuante na obstrução de projetos e nas denúncias de casos de corrupção, suas principais linhas de ação. Para a obstrução, havia o uso incessante de discursos e apartes, além de outras manobras regimentais para atrasar ou inviabilizar votações, como controle de quórum e requerimentos para retirada de pauta.

Mesmo ruidosos, os udenistas eram minoritários na Câmara. Por essa razão, a Banda não conteve a aprovação de todos os projetos de interesse dos governos a que se opôs, embora tenha registrado vitórias pontuais. Sob JK, aprovou-se a transferência da capital para Brasília. A Banda, inicialmente, foi contrária à medida, destoando até de correligionários, como a UDN de Goiás. A resistência ao projeto foi mitigada à medida que udenistas foram nomeados para a diretoria da empresa responsável pela construção da nova capital. Por outro lado, a UDN contribuiu com a rejeição da “emenda dos conselheiros”, uma proposta que conferiria aos ex-presidentes o status de conselheiros de Estado, com certos privilégios.

A Banda registrou sua maior envergadura nas denúncias de casos de corrupção, que levavam à instauração de Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI). Mesmo quando a investigação era concluída sem apresentar resultados concretos, buscava-se o desgaste de autoridades do governo. Entre os inquéritos deflagrados por denúncias da UDN, destacam-se a que mirou o jornal Última Hora e sobre irregularidades nas licenças de importação do Banco do Brasil, ambas sob o governo Vargas.

Sob JK, uma denúncia de corrupção mirando o vice-presidente João Goulart, do PTB, virou-se contra a própria UDN. Em 1957, o deputado federal Carlos Lacerda denunciou supostas irregularidades nas exportações de pinho para a Argentina. Ao fazê-lo, foi acusado de vazar informações sigilosas do Ministério das Relações Exteriores, violando a Lei de Segurança Nacional. A licença para processar o deputado dependia de um aval da Câmara. Após aprovação na Comissão de Constituição e Justiça, a permissão para processar Lacerda foi rejeitada pelo plenário da Casa.

No início dos anos 1960, a Banda de Música passou a antagonizar com outra ala da UDN, conhecida como Bossa Nova, que se posicionava à esquerda dos correligionários e cujo maior expoente foi o então deputado federal José Sarney.

Em agosto de 1961, após a renúncia de Jânio Quadros, a Banda dividiu-se durante o impasse que permeou a posse do vice, João Goulart. O grupo voltou aos seus dias mais estridentes em 1963, quando o parlamentarismo foi destituído por plebiscito e o presidente, ao retomar as prerrogativas da Constituição, passou a encampar projetos de reformas sociais. Da escalada de tensões durante o governo Goulart, encorpada, entre outros, por parlamentares da Banda, eclodiu o golpe de 1964.

Carlos Lacerda, no microfone, participa de comício de Jânio Quadros, em abril de 1960; Quadros renunciou em agosto de 1961
Carlos Lacerda, no microfone, participa de comício de Jânio Quadros, em abril de 1960; Quadros renunciou em agosto de 1961

O jornalista Lucas Berlanza relembra que, entre diferentes perfis de parlamentares, a Banda não agiu em uníssono durante toda a sua existência. Os auges da “orquestra” coincidem com a ascensão ao poder de inimigos históricos da UDN, como o retorno de Vargas em 1950 e o governo de plenos poderes de João Goulart em 1963. “A Banda não era tão bem concertada e, na prática, não tinha tanta harmonia quanto a imagem bonita do termo sugere”, afirmou.

É exemplo da distensão da Banda o impasse pela prorrogação do mandato de Castello Branco, presidente empossado após o golpe. Ao apoiarem a medida, Bilac Pinto e Afonso Arinos foram de encontro aos interesses de Carlos Lacerda, pré-candidato à Presidência pelo partido na eleição marcada para 1965. A UDN foi extinta pelo Ato Institucional nº 2, que dissolveu os partidos políticos do País.

Em janeiro de 1967, o colunista Carlos Castello Branco relembrou que, dali a poucos dias, instalaria-se no Congresso uma legislatura sem um único representante da Banda de Música, a qual, segundo o cronista, “produziu acontecimentos dramáticos” e “atingiu gravemente a reputação de líderes e organizações partidárias”.

“A Banda de Música dispersa-se definitivamente. Dela não restará ninguém, mas absolutamente ninguém, no Congresso que vai se instalar no próximo dia 1º de fevereiro”, registrou o jornalista em coluna do Jornal do Brasil.

Para Castello, ao apregoar durante décadas um caos político supostamente iminente, a Banda criou o “espantalho” que “está na base do regime instalado no País pelo movimento vitorioso em março de 1964. Essa a sua obra final, esse o seu canto de cisne. Atingida a meta, o grupo dissolveu-se”.

 

 

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