5 de setembro de 2025
Politica

Cronologia do golpe: como Bolsonaro planejou ações para se manter no poder, segundo a PGR

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BRASÍLIA – O dia 2 de setembro de 2025 dará início a um julgamento inédito: a Primeira Turma da mais alta instância do Poder Judiciário decidirá se um ex-presidente, cinco militares de alta patente, um deputado federal e um ex-ministro da Justiça são culpados ou não de uma tentativa de golpe de Estado para interromper o ciclo democrático iniciado 37 anos atrás com a aprovação da Constituição Federal de 1988.

Invasão, saque e depredação do Congresso Nacional em 8 de janeiro de 2023
Invasão, saque e depredação do Congresso Nacional em 8 de janeiro de 2023

O Estadão reconstituiu o dia-a-dia do golpismo arquitetado dentro dos Palácios do Planalto e da Alvorada, entre julho de 2021 e janeiro de 2023, segundo narrado na denúncia do Ministério Público Federal. Esse é o período em que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) colocou em prática o seu plano de descrédito e, posteriormente, assalto às instituições democráticas, conforme identificado pela Polícia Federal (PF) e enfatizado pela Procuradoria-Geral da República (PGR)na ação penal do golpe.

Rompantes antidemocráticos assistidos cotidianamente pelos brasileiros durante o governo Bolsonaro, como as celebrações de 7 de Setembro em tom de ruptura ou os ataques às urnas eletrônicas, se entrelaçam no que ficou conhecido como a “trama golpista”.

Apontado pela PGR como líder da organização criminosa que tentou por fim à democracia brasileira, Bolsonaro disseminou a ideia de que o sistema eletrônico de votação não é confiável, mobilizou o aparato do Estado para manipular as eleições de 2022 e, quando nada surtiu efeito, conspirou com militares para executar um plano de ruptura que o manteria no poder por meio de assassinatos e prisões de adversários.

Essas são as conclusões da PF e da PGR, que agora serão julgadas pelos cinco ministros que compõem a Primeira Turma do STF.

O relatório apresentado pela Polícia Federal ao ministro Alexandre de Moraes aponta que, desde o início do governo Bolsonaro, em 2019, a organização criminosa por ele liderada construiu e propagou a narrativa de vulnerabilidades e fraudes no sistema eletrônico de votação.

A avaliação da corporação é de que a disseminação de notícias falsas foi um dos pilares da tentativa de concretização do golpe. Um dos pontos altos dessa investida contra as urnas eletrônicas e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) foi em julho de 2021, quando Bolsonaro e o então ministro da Justiça, Anderson Torres, realizam uma transmissão ao vivo para apresentar o que seriam indícios de fraudes e manipulação de votos em eleições.

As alegadas evidências se tratam de notícias falsas reembaladas sob o argumento de uma suposta “análise de inteligência” que teria comprovado as vulnerabilidades do sistema eletrônico de votação. Para os investigadores, o episódio mostra, dentre outros fatos, a cooptação e adesão de servidores da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) na elaboração e difusão de informações falsas sobre o processo eletrônico de votação.

O ex-presidente Jair Bolsonaro durante live em que atacou urnas eletrônicas
O ex-presidente Jair Bolsonaro durante live em que atacou urnas eletrônicas

“Os pronunciamentos do denunciado, que, até então, aparentavam ser pontuais e insuficientes para afetar significativamente a opinião pública, ganharam contornos massivos e contundentes a partir do dia 29 de julho de 2021, quando o então Presidente da República realizou transmissão ao vivo (“live”), nas dependências do Palácio do Planalto, para tratar especificamente do sistema eletrônico de votação”.

O feriado de 7 de setembro de 2021 foi o de maior radicalismo durante o governo Bolsonaro. Em Brasília, o então presidente prometeu convocar o conselho da República, um órgão de consulta que delibera sobre intervenção federal, estado de defesa, estado de sítio e questões relevantes para a estabilidade das instituições democráticas. Depois seguiu para São Paulo, onde elevou o tom do discurso.

Apoiadores do ex-presidente nutriam a expectativa de que ele “desse a ordem” para as Forças Armadas e os CACs que o apoiavam tomassem o STF naquela ocasião. A PF avaliou que houve riscos reais de ruptura e chegou a identificar um plano, adaptado da doutrina militar, para extrair Bolsonaro do País, caso seu ataque ao poder Judiciário sofresse algum revés que colocasse sua liberdade em risco.

“Ou o chefe desse Poder (STF) enquadra os seus ou esse Poder pode sofrer aquilo que não queremos, porque nós valorizamos, reconhecemos e sabemos o valor de cada Poder da República”, disse Bolsonaro em discurso na ocasião.

Há três meses das eleições de 2022, Bolsonaro conduziu uma reunião ministerial para orientar os seus subordinados sobre a necessidade de adesão à narrativa de que havia indícios de fraudes e manipulações de votos por meio das urnas eletrônicas. No mesmo encontro, Bolsonaro imputou crimes ao adversário Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e aos ministros do STF Luís Roberto Barroso, Edson Fachin e Alexandre de Moraes, alegando que o objetivo dos magistrados seria impedir a sua reeleição.

A PF e a PGR apontaram diversas vezes em seus relatórios que os réus tinham conhecimento de inexistência de fraudes nas urnas eletrônicas, mas mantinham essa retórica com o objetivo de inflamar a militância bolsonarista, mobilizar as Forças Armadas e criar condições para um golpe de Estado.

Os investigadores da PF e a equipe da PGR avaliaram que a convocação dos mais altos representantes diplomáticos estrangeiros ao Palácio da Alvorada para expor a suposta falta de confiabilidade do sistema eletrônico de votação e do TSE foi central no plano de Bolsonaro para contestar futuramente o resultado das eleições naquele ano.

O ex-presidente afirmou que, caso as urnas eletrônicas fossem utilizadas, havia risco de as eleições serem viciadas e ilegítimas, além de ser maliciosamente dirigidas para beneficiar o seu principal adversário.

“O discurso promovido na ocasião, examinado em conjunto com as demais ações narradas nesta peça acusatória, encaixa-se na estratégia maior de enfraquecimento do Estado Democrático de Direito, no âmbito nacional e internacional”, avaliou a PGR.

A denúncia apresentada pela PGR afirma que, após o resultado negativo no primeiro turno das eleições de 2022, a organização criminosa “precisou ampliar a sua frente de ação, mediante o uso ainda mais ostensivo da máquina pública, a fim de interferir diretamente no processo de eleição e assegurar a sua permanência no poder”.

O documento que municia a ação penal em curso contra Bolsonaro e outros 33 réus detalha o passo a passo da instrumentalização da Polícia Rodoviária Federal (PRF) contra eleitores do PT. A PGR expõe, por exemplo, que, entre o primeiro e o segundo turno, a então diretora de inteligência do Ministério da Justiça, Marília Alencar solicitou a elaboração de um projeto de Business Intelligence (BI) voltado aos resultados eleitorais.

Agentes da PRF em operação
Agentes da PRF em operação

Segundo a PGR, “o objetivo era coletar informações sobre os locais onde Lula da Silva havia obtido uma votação expressiva e onde Bolsonaro havia sido derrotado, com foco especial nos Municípios da Região Nordeste”.

Em depoimento coletado durante a fase de investigação, o analista de inteligência Clebson Ferreira de Paula Vieira, que ficou encarregado da coleta de dados, confirmou que suas análises foram utilizadas para direcionar as ações de fiscalização da PRF no segundo turno, que se concentraram em locais onde Lula havia recebido mais de 75% dos votos.

A denúncia descreve uma série de reuniões com a presença de funcionários da PRF e do MJ em que teriam sido definidas ações conjuntas apoiadas pela força policial para garantir a vitória de Bolsonaro. Essas discussões, ao fim do processo, passavam pelo crivo de Silvinei Vasques, então diretor-geral da PRF.

O diretor-geral da PRF, Silvinei Vasques, durante entrevista coletiva sobre as operações no segundo turno das eleições 2022
O diretor-geral da PRF, Silvinei Vasques, durante entrevista coletiva sobre as operações no segundo turno das eleições 2022

Ao longo da investigação, foram colhidos depoimentos de 47 policiais rodoviários federais, dentre os quais Anderson da Silva Costa, Antônio Vital de Moraes Júnior e Diego Joaquim de Moura Patriota afirmaram que, em uma das reuniões de discussão da operação, Vasques disse aos presentes que “era hora de escolherem um lado”.

“As diretrizes manifestamente ilícitas construídas pelos denunciados foram acolhidas por Silvinei Vasques, que direcionou os recursos da Polícia Rodoviária Federal para o objetivo de inviabilizar ilicitamente que Jair Bolsonaro perdesse o Poder”, concluiu a PF.

A denúncia da PGR constata que a proclamação do resultado das urnas foi o estopim para a fase mais aguda do movimento antidemocrático. Na leitura dos investigadores, a mobilização “insurrecionista” de civis, militares e autoridades foi construída pela organização criminosa com amparo nas redes sociais.

São notórias as convocações em redes sociais de um levante contra o Estado de Direito e o governo eleito, dando lugar a ações de fechamento de rodovias em pontos diversos do país e de instalação de acampamentos de pessoas clamando por intervenção militar às portas de unidades militares, a mais notória delas, à frente do Quartel General do Exército em Brasília

Procuradoria-Geral da República

 Apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), inconformados com o resultado das eleições permanecem acampados em frente ao  Quartel General (QG) em Brasilia-DF
Apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), inconformados com o resultado das eleições permanecem acampados em frente ao Quartel General (QG) em Brasilia-DF

A cúpula do Ministério Público chegou à conclusão de que “os procedimentos se mostravam coordenados e articulados, nos moldes do almejado pela organização criminosa”. O diagnóstico dos procuradores exposto na denúncia apresentada à Primeira Turma do STF é de que esse cenário de crise pública foi armado para que a organização pudesse executar a próxima etapa do “projeto de sedição” em que seriam “intensificadas as demandas por ações militares, elaborados os documentos necessários para a formalização do Golpe de Estado e praticadas outras mais medidas de força orientadas a viabilizar o seu êxito”.

Cinco dias após as eleições, o consultor político argentino Fernando Cerimedo realizou transmissão ao vivo alegando ter encontrado fraudes nas urnas durante a eleição presidencial daquele ano.

Segundo Cerimedo, as urnas fabricadas antes de 2020 “geraram uma anomalia a favor do candidato de número 13”. A informação falsa divulgada por ele utilizou os mesmos argumentos dos hackers acionados dias antes pelo tenente-coronel Sérgio Ricardo Cavaliere de Medeiros para encontrar vulnerabilidades nas urnas.

O empresário Fernando Cerimedo em transmissão pelas redes sociais, em 2022, após derrota de Jair Bolsonaro no Brasil. Live tinha informações falsas sobre urnas eletrônicas para tentar apontar fraude em derrota do aliado
O empresário Fernando Cerimedo em transmissão pelas redes sociais, em 2022, após derrota de Jair Bolsonaro no Brasil. Live tinha informações falsas sobre urnas eletrônicas para tentar apontar fraude em derrota do aliado

O acionamento de hackers foi discutido com o então chefe da Ajudância de Ordens de Bolsonaro, o tenente-coronel Mauro Cid, que se referia aos criminosos como “nosso pessoal”. A live de Cerimedo chegou a atingir 415 mil visualizações simultâneas.

“O dia 9.11.2022 foi marcado por uma série de ações coordenadas da organização criminosa que, mais uma vez, ampliou as suas frentes de ação”, descreveu a PGR.

A data coincide com dois fatos centrais na trama golpista: a publicação do Relatório de Fiscalização do Sistema Eletrônico de Votação pelo Ministério da Defesa e a criação do plano “Punhal Verde Amarelo” para apresentação a Bolsonaro, a quem caberia validar a medida.

Armamentos que seriam usados na Operação Punhal Verde Amarelo
Armamentos que seriam usados na Operação Punhal Verde Amarelo

Na avaliação da PGR, os dois eventos estão diretamente conectados. A afirmação ambígua e ardilosa” por parte da Defesa, como definiram os procuradores, de que o relatório de fiscalização das urnas eletrônica não excluiu a possibilidade da existência de fraude estimulou a continuidade da execução dos planos da organização criminosa, mantendo em descrédito as instituições democráticas.

No mesmo dia, o grupo criminoso finalizou o plano para “neutralizar” autoridades públicas adversárias e que colocassem em risco a continuidade do projeto de poder. “A estratégia de enfraquecer as instituições pelo discurso seguia-se a de, confiada no aval conquistado da opinião pública, agir materialmente, com sequestros, prisões e mortes, com interferências físicas sobre os Poderes enfim”.

O plano Punhal Verde Amarelo foi feito pelo general Mário Fernandes, à época secretário-executivo da Secretaria-Geral da Presidência, conforme identificado pela PF em seu aparelho celular.

Bolsonaro teria lido e endossado a execução do plano. “Durante a conversa que eu tive com o presidente, ele citou que o dia 12, pela diplomação do vagabundo, não seria uma restrição, que isso pode, que qualquer ação nossa pode acontecer até 31 de dezembro e tudo. Mas (…) ai na hora eu disse, pô presidente, mas o quanto antes, a gente já perdeu tantas oportunidades”, relatou Mário Fernandes por mensagem após se encontrar com o ex-presidente.

Um dia após a apresentação do relatório de fiscalização das urnas eletrônicas, o então ministro da Defesa, Paulo Sérgio, publicou uma nota no site oficial da pasta na qual mantinha viva as suspeitas de fraude.

O ex-ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira
O ex-ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira

Os investigadores concluem que a afirmação “ambígua e ardilosa” deu ensejo à continuidade da execução dos planos da organização criminosa, mantendo em descrédito as instituições democráticas.

Embora a nota técnica emitida pelo Ministério da Defesa, no dia anterior, atenue as conclusões do Relatório de Fiscalização das Forças Armadas, que não apontam fraudes nas urnas, o cenário ainda inspira insegurança aos apoiadores de Bolsonaro sobre um eventual apoio armado para o movimento.

O ex-presidente  Jair Bolsonaro reunido  com os Comandantes das Forças Armadas e ministros
O ex-presidente Jair Bolsonaro reunido com os Comandantes das Forças Armadas e ministros

Bolsonaro ordena que seja emitida uma nota oficial a favor da “liberdade de expressão”. Ele sabe, segundo a PGR, que a mensagem será recebida por seus apoiadores como sinal de aquiescência das Forças Armadas aos acampamentos espalhados pelo país. A nota à imprensa é publicada na página oficial da Força Aérea Brasileira.

A pauta a ser discutida: promover uma ação de forte impacto social para justificar a assinatura de um decreto golpista por Bolsonaro. Participam Rafael Martins de Oliveira, Hélio Ferreira Lima e Mauro César Barbosa Cid, onde os denominados “kids pretos” debatem as ações clandestinas enfeixadas sob o nome “Copa 2022”, destinadas a neutralizar Moraes, nos moldes previstos pelo plano “Punhal Verde Amarelo”. Os diálogos mantidos após a reunião indicam a aprovação, inclusive financeira, do plano por Braga Netto.

Bolsonaro mostra o estudo do Instituto Voto Livre a Baptista Júnior, segundo quem o documento está “mal redigido, com vários erros técnicos e se tratava de um sofisma”. Bolsonaro media um telefonema entre o comandante e Carlos Rocha, a quem é relatado as inconsistências e ouve o comandante, sem questionar.

O tenente-brigadeiro do ar, Carlos de Almeida Baptista Junior, durante audiência pública na Câmara
O tenente-brigadeiro do ar, Carlos de Almeida Baptista Junior, durante audiência pública na Câmara

Bolsonaro reúne aliados no Palácio da Alvorada para discutir o decreto golpista. Estão presentes Filipe Martins, o advogado Amauri Feres Saad e o padre José Eduardo de Oliveira.

Poucos dias após a obtenção dos recursos necessários, Rafael Martins de Oliveira e Hélio Ferreira Lima, militares Forças Especiais (“kids pretos”), iniciam os atos de monitoramento de Moraes.

Militares alvo da Operação Contragolpe - Hélio Ferreira Lima, Mário Fernandes, Rafael Martins de Oliveira e Rodrigo Bezerra de Azevedo
Militares alvo da Operação Contragolpe – Hélio Ferreira Lima, Mário Fernandes, Rafael Martins de Oliveira e Rodrigo Bezerra de Azevedo

Na manhã do dia 21, Lima pega um avião de Porto Alegre para Goiânia, passando por São Paulo, em viagem não oficial. Oliveira, que já estava em Goiânia, aluga um VW T Cross no aeroporto no momento do pouso de Lima. Eles chegam juntos a Brasília na mesma noite.

O Partido Liberal (PL), Bolsonaro e Braga Netto pedem a invalidação dos votos decorrentes das urnas dos modelos UE2009, UE2010, UE2011, UE2013 e UE2015. A ação está ancorada em relatório técnico que havia sido objeto de manipulação maliciosa pelo Instituto Voto Legal (IVL), de Carlos Rocha.

O presidente do PL, Valdemar Costa Neto, durante visita ao TSE em 2022
O presidente do PL, Valdemar Costa Neto, durante visita ao TSE em 2022

Hélio Ferreira Lima vai até a região do STF, data em que ocorre a 34ª Sessão Ordinária de Julgamento, com a presença de Moraes. No mesmo dia, Rafael Martins de Oliveira está na região da residência funcional do ministro. Após o reconhecimento dos locais sensíveis, os denunciados retornam às suas origens, mas mantêm ativas as ações de monitoramento até o mês de dezembro, quando seria concluída a Operação “Copa 2022”.

Kids pretos organizam uma reunião no salão de festas do edifício do coronel Márcio Nunes de Resende Júnior, na Asa Norte de Brasília, para desenvolver estratégias de pressão sobre os comandantes reticentes. Nessa reunião, Moraes é definido como o “centro de gravidade” a ser atingido.

Outro tema do encontro é a minuta de uma “Carta ao Comandante do Exército de Oficiais Superiores da Ativa do Exército Brasileiro”, mais um instrumento de pressão sobre o Alto Comando do Exército. Sérgio Cavaliere e Ronald Ferreira de Araújo Júnior conversam sobre antecipar seu conteúdo para o comentarista Paulo Figueiredo.

Mário Fernandes, Rafael Martins de Oliveira, Hélio Ferreira Lima,  Rodrigo Bezerra de Azevedo e Wladimir Matos Soares
Mário Fernandes, Rafael Martins de Oliveira, Hélio Ferreira Lima, Rodrigo Bezerra de Azevedo e Wladimir Matos Soares

O objetivo é inserir os Comandantes resistentes ao golpe em uma máquina de amplificação de ataques pessoais e aumentar a adesão ao documento produzido. Os alvos eleitos passarão a ser objeto de disseminação de notícias falsas para a destruição de suas reputações, principalmente no meio militar, a fim de que cedam à pressão pela ruptura institucional.

Durante transmissão à noite, Figueiredo expõe os nomes do comandante militar do Nordeste, General Richard Fernandes Nunes; do comandante militar do Sudeste, Tomás Miguel Miné Ribeiro Paiva; e do comandante militar do Sul, General Valério Stumpf Trindade.

A carta elaborada na reunião dos kids pretos começa a circular nos meios militares, impulsionada por Figueiredo nas redes sociais e nos programas de notícias. O comandante militar do Sul faz advertência aos seus subordinados: Srs. bom dia. Alertem aos seus subordinados que adesão a esse tipo de iniciativa é inconcebível. Eventuais adesões de militares da ativa serão tratadas, no âmbito do CMS, na forma da lei, sem contemporizações”.

Parlamentares, ex-desembargadores, comunicadores e militantes bolsonaristas participam de audiência em comissão do Senado Federal para “discutir a fiscalização das inserções de propagandas políticas eleitorais”. Sessão é repleta de ataques às urnas e pedidos de golpe de Estado.

Um exemplar da urna eletrônica
Um exemplar da urna eletrônica

Intensificam-se atos de monitoramento de Moraes, visando neutralizá-lo dias depois. Bolsonaro recebe de Filipe Martins o decreto golpista, determinando a realização de novas eleições e a prisão de Moraes, Rodrigo Pacheco e Gilmar Mendes. Bolsonaro faz correções: mantém só a prisão de Moraes e a realização de novas eleições.

O ex-assessor especial da Presidência da República para Assuntos Internacionais, Filipe G. Martins
O ex-assessor especial da Presidência da República para Assuntos Internacionais, Filipe G. Martins

Mário Fernandes imprime três cópias do plano “Punhal Verde e Amarelo” no Palácio do Planalto. Cid e Bolsonaro estão no prédio neste momento.

Bolsonaro apresenta o decreto golpista ao alto escalão de seu governo. Mais cedo, o ex-presidente reúne e os comandantes das Forças Armadas para apresentar o documento: Freire Gomes, Almir Garnier e Baptista Júnior, na presença do ministro da Defesa, Paulo Sérgio. Filipe Martins também participa, mas sai da sala após a leitura do texto.

Freire Gomes diz ao então presidente que “o Exército não participaria na implementação desses institutos jurídicos visando reverter o processo eleitoral”. Após a primeira apresentação, Bolsonaro dedica-se a fazer ajustes no texto, a fim de obter maior apoio por parte das Forças Armadas.

Os ex-comandantes Almir Garnier Santos, Marco Antônio Freire Gomes e Carlos de Almeida Baptista Junior
Os ex-comandantes Almir Garnier Santos, Marco Antônio Freire Gomes e Carlos de Almeida Baptista Junior

Rafael Martins de Oliveira compra um dos aparelhos celulares que seriam usados na operação “Copa 2022” (que conta com ao menos seis militares). Cid e Marcelo Câmara conversam sobre o paradeiro de Moraes e confirmam o uso desviado de ferramentas da Abin Paralela.

A ciência do plano pelo Presidente da República e a sua anuência a ele são evidenciadas por diálogos posteriores, comprobatórios de que Jair Bolsonaro acompanhou a evolução do esquema e a possível data de sua execução integral.

O ex-presidente  Jair Messias Bolsonaro
O ex-presidente Jair Messias Bolsonaro

Em áudio via WhatsApp, Mário Fernandes relata a Cid que havia estado pessoalmente com Bolsonaro e debatido o momento ideal de serem concretizadas as ações tramadas.

“Durante a conversa que eu tive com o presidente, ele citou que o dia 12, pela diplomação do vagabundo, não seria uma restrição, que isso pode, que qualquer ação nossa pode acontecer até 31 de dezembro e tudo. Mas (…) aí na hora eu disse, pô presidente, mas o quanto antes, a gente já perdeu tantas oportunidades”.

Mário Fernandes

O documento apresentado a Bolsonaro indica a existência de ações de monitoramento já em curso, o que igualmente reforça a ciência prévia da alta cúpula da organização criminosa sobre a ideia que passou a ser operacionalizada segundo o plano “Punhal Verde Amarelo”.

Militares cadastram telefones correspondentes a cinco dos codinomes utilizados na operação “Copa 2022” (Alemanha, Argentina, Áustria, Japão, Brasil e Gana) e começam a se comunicar via Signal. Posteriormente, a PF consegue identificar apenas Rafael Martins de Oliveira (Japão) e Rodrigo Bezerra de Azevedo (Áustria).

Bolsonaro reúne Marcelo Câmara, Filipe Martins e Braga Netto no Palácio da Alvorada para dar seguimento ao plano golpista. Uma das estratégias é contornar a oposição de Freire Gomes e procurar apoio junto a outros integrantes do Alto Comando do Exército. Cid envia um áudio a Freire Gomes dizendo que Bolsonaro havia enxugado o decreto e convocado uma reunião com Estevam Teophilo, então comandante do Comando de Operações Terrestres (Coter).

 O ajudante de ordem, Tenente Coronel, Cid  (c), conversa ao pé do ouvido com o  ex-presidente Jair Bolsonaro, ao lado do ex-ministro  Braga Netto
O ajudante de ordem, Tenente Coronel, Cid (c), conversa ao pé do ouvido com o ex-presidente Jair Bolsonaro, ao lado do ex-ministro Braga Netto

Antes da reunião com Teophilo, Bolsonaro faz sua primeira aparição pública após a derrota eleitoral e diz a manifestantes que foram até o Palácio da Alvorada: “Nós temos assistido, dia após dia, absurdos acontecerem aqui em nossa pátria (…). E hoje estão vivendo um momento crucial. Uma encruzilhada. Um destino que o povo tem que tomar. Quem decide o meu futuro, pra onde eu vou são vocês! Quem decide para onde vai as Forças Armadas são vocês!”.

O pronunciamento tem assessoramento de Mário Fernandes. Na reunião, Estevam Teophilo se compromete a executar as medidas necessárias para a consumação da ruptura institucional, desde que o decreto seja assinado por Bolsonaro.

Bolsonaristas realizam incêndios, queima de veículos e tentativa de invasão e destruição da sede da Polícia Federal em Brasília (PF).

Os ataques sitiam o centro da capital federal e se aproximam do hotel em que Lula, o então presidente diplomado, se encontra.

Nova versão do decreto golpista é apresentada pelo ministro Paulo Sérgio aos comandantes das Forças Armadas. O documento é mais abrangente do que aquele apresentado em 7 de dezembro: prevê a decretação de Estado de Defesa e a criação da “Comissão de Regularidade Eleitoral”, com a finalidade de apurar a “conformidade e legalidade do processo eleitoral”.

Paulo Sérgio Nogueira entre o Almirante Almir Garnier (Marinha) e o Brigadeiro Carlos de Almeida Batista (Aeronáutica)
Paulo Sérgio Nogueira entre o Almirante Almir Garnier (Marinha) e o Brigadeiro Carlos de Almeida Batista (Aeronáutica)

A reunião tem o intuito de pressionar novamente os militares a aderirem à insurreição. Baptista Júnior afirma ao ministro que não receberia o documento e que a Aeronáutica não admitiria um golpe de Estado, e se retira da sala, segundo a versão do comandante. Freire Gomes também se recusa a analisar o conteúdo da minuta.

Braga Netto envia mensagem a Ailton Gonçalves Moraes Barros, orientando-o a atacar Baptista Junior e elogiar Garnier: “Senta o pau no Batista Junior. Povo Sofrendo, arbitrariedades sendo feita e ele fechado nas mordomias. Negociando favores. Traidor da patria. Dai pra frente. Inferniza a vida dele e da família (…) Elogia o Garnier e fode o BJ”.

Os seis militares envolvidos na operação “Copa 2022”, usando codinomes de países (Brasil, Japão, Alemanha, Ganha, Áustria e Argentina), comunicam-se via Signal e seguem os passos de Moraes por Brasília.

O Ministro do STF Alexandre de Moraes , durante evento LIDE, em Copacabana, zona sul  do Rio de Janeiro
O Ministro do STF Alexandre de Moraes , durante evento LIDE, em Copacabana, zona sul do Rio de Janeiro

Às 20h57, “Áustria” afirma “To perto da posição, vai cancelar o jogo?”, ao que é respondido, às 20h59, por “teixeiralafaiete230” com: “Abortar… Áustria… volta para local de desembarque… estamos aqui ainda…” e “Gana… prossegue para resgate com Japão. Brasil já foi para ponto resgate. Moto fica onde parou. Tira bateria… e coloca capa”.

Após a operação ser abortada, Rafael Martins de Oliveira envia mensagem, às 21h05, via aplicativo WhatsApp, para Cid, afirmando “Opa”. CID responde, às 21h16, com “vou mudar de posição”, sendo respondido por Oliveira inconformado: “tá foda”. A investigação policial aponta que Cid se encontra na cidade de São Paulo na data da operação e a conversa mostra que o então ajudante de ordens de Bolsonaro recebe informações atualizadas sobre o andamento das ações. O cancelamento da operação coincide com o momento da confirmação de que o Comando do Exército não havia aderido ao Golpe de Estado.

Bolsonaro recebe Freire Gomes e Luiz Eduardo Ramos no Palácio da Alvorada. Num momento diferente, também recebe Anderson Torres, Braga Netto, Mário Fernandes e Filipe Martins. O grupo mantém a operação e aguarda até os últimos instantes a eventual confirmação da adesão do Comandante da Força Terrestre, o que não ocorre, inviabilizando a ação violenta. Sem o suporte necessário, o atentado não surtiria o efeito esperado e ensejaria punição interna aos responsáveis.

Após a frustração do plano de assassinato de Moraes, o grupo mantém o monitoramento do ministro e de Lula, confirmando ainda cogitar uma ruptura institucional. É o que se observa do documento denominado “HD_2022a.doc”, encontrado dentre os arquivos de Mário Fernandes (e impresso no Palácio do Planalto neste dia).

O general da reserva Augusto Heleno, ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) do governo do ex-presidente da República Jair Messias Bolsonaro (PL)
O general da reserva Augusto Heleno, ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) do governo do ex-presidente da República Jair Messias Bolsonaro (PL)

O material prevê a instituição, pelo Gabinete de Segurança Institucional, de um “Gabinete Institucional de Gestão da Crise”, cujo intuito é o assessoramento do novo governo de Bolsonaro após a ruptura institucional. Seria chefiado por Augusto Heleno, coordenado por Braga Netto e teria Filipe Martins na assessoria de relações institucionais. A ativação do gabinete ocorreria em 16 de dezembro.

Wellington Macedo de Souza, George Washington de Oliveira Sousa e Alan Diego dos Santos Rodrigues colocam uma bomba num caminhão de combustível no Aeroporto de Brasília na véspera do Natal. O plano extremista poderia ter resultado em dezenas de mortes e caos na capital federal às vésperas da posse do novo governo.

Polícia Militar encontrou bomba em região próxima ao Aeroporto de Brasília no dia 24 de dezembro
Polícia Militar encontrou bomba em região próxima ao Aeroporto de Brasília no dia 24 de dezembro

Bolsonaro deixa o Brasil rumo à Flórida.

Rodrigo Bezerra de Azevedo escreve aos demais participantes do grupo de kids pretos de WhatsApp “….Dossssss!!!”, administrado por Cid: Rapaziada esse grupo aqui pra mim perdeu a finalidade… deixo aqui um abraço pra FE de verdade que fizeram o que podiam pra honrar o próprio nome e as Forças Especiais…qq coisa estou no privado!!Força!!”

Presidente Jair Bolsonaro desce do avião presidencial
Presidente Jair Bolsonaro desce do avião presidencial

Milhares de apoiadores de Bolsonaro invadem e depredam os prédios dos Três Poderes, visando criar uma convulsão social para levar à intervenção militar que pudesse reverter o processo eleitoral e derrubar o governo Lula. O prejuízo material causado nos prédios é de R$ 26,6 milhões, segundo as autoridades.

Atos golpistas de 8 de Janeiro
Atos golpistas de 8 de Janeiro

A intentona quase resulta em uma crise entre o governo federal e as Forças Armadas. Durante a noite, a Polícia Militar do Distrito Federal, sob intervenção do governo Lula, tenta acessar a área do Setor Militar Urbano, onde estão abrigados centenas de golpistas que participaram dos ataques à praça dos Poderes. O Comando Militar do Planalto, contudo, posiciona tanques e impede os policiais de cumprirem as ordens de prisão contra os vândalos.

A investigação foi iniciada sob sigilo. Somente após a operação Tempus Veritatis foram conhecidos os primeiros elementos do inquérito.

Por 5 votos a 2, o TSE declara a inelegibilidade de Bolsonaro por oito anos, contados a partir das Eleições de 2022. O colegiado reconhece a prática de abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação durante reunião realizada no Palácio da Alvorada com embaixadores estrangeiros, no dia 18 de julho de 2022. Walter Braga Netto, que compôs a chapa de Bolsonaro à reeleição, é excluído da sanção, uma vez que não fica demonstrada sua responsabilidade na conduta. Nesse ponto, a decisão é unânime.

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) durante o julgamento da  que tornou inelegível  o ex-presidente Jair Bolsonaro
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) durante o julgamento da que tornou inelegível o ex-presidente Jair Bolsonaro

Por 5 votos a 2, o TSE condena Bolsonaro e Braga Netto por abuso de poder político e econômico nas comemorações do Bicentenário da Independência, realizadas no dia 7 de setembro de 2022 em Brasília (DF) e no Rio de Janeiro (RJ). Com a decisão, é declarada a inelegibilidade de ambos por oito anos, contados a partir do pleito de 2022.

Bolsonaro e seus principais aliados são alvo da operação Tempus Veritatis, da PF, para apurar a organização criminosa responsável por atuar em tentativa de golpe de Estado e abolição do Estado Democrático de Direito.

A PF leva um ano e cinco meses para concluir as investigações que culminaram no indiciamento de Bolsonaro e outras 36 pessoas por tentativa de golpe de Estado. Em 884 páginas, a corporação descreve como o ex-presidente liderou uma organização criminosa com o objetivo de impedir a posse de Lula e se manter no poder.

O ex-presidente Jair Bolsonaro chora em visita ao plenário do Senado
O ex-presidente Jair Bolsonaro chora em visita ao plenário do Senado

Os investigadores identificam seis núcleos que fariam parte da trama golpista. A PF conclui que as provas do inquérito “demonstram de forma inequívoca” que o ex-presidente “planejou, atuou e teve o domínio de forma direta e efetiva dos atos executórios realizados pela organização criminosa que objetivava a concretização de um Golpe de Estado e da Abolição do Estado Democrático de Direito, fato que não se consumou em razão de circunstâncias alheias à sua vontade”.

Moraes determina medidas cautelares contra Bolsonaro por coação, obstrução e atentado à soberania nacional. O ex-presidente passa a cumprir recolhimento domiciliar entre 19h e 6h de segunda a sexta-feira e em tempo integral nos fins de semana e feriados; a ser monitorado com tornozeleira eletrônica; e não pode mais contato com embaixadores, autoridades estrangeiras e nem se aproximar de sedes de embaixadas e consulados.

O ex-presidente  da República  Jair Messias Bolsonaro,  mostra a tornozeleira eletrônica na escadaria da chapelaria do Congresso  Nacional
O ex-presidente da República Jair Messias Bolsonaro, mostra a tornozeleira eletrônica na escadaria da chapelaria do Congresso Nacional

A PF aponta que Bolsonaro e o filho, Eduardo Bolsonaro, “vêm atuando, ao longo dos últimos meses, junto a autoridades governamentais dos Estados Unidos da América, com o intuito de obter a imposição de sanções contra agentes públicos do Estado Brasileiro”, em razão de suposta perseguição no âmbito da ação penal que investiga o golpe de Estado.

Faltando menos de um mês para o julgamento do golpe, Moraes determina a prisão domiciliar e o confisco do celular de Bolsonaro. O ministro justifica que o ex-presidente descumpriu as medidas cautelares impostas a ele, por ter veiculado conteúdo nas redes sociais dos filhos.

A Primeira Turma do STF inicia o julgamento da ação penal 2668, que tem como réus Bolsonaro e sete ex-integrantes de seu governo. Eles compõem o chamado “núcleo 1” ou “núcleo crucial” dos acusados pela Procuradoria-Geral da República (PGR) por tentativa de golpe de Estado ocorrida entre 2022 e 2023. O julgamento será presencial e estão reservadas cinco datas: 2, 3, 9, 10 e 12 de setembro.

Bolsonaro acompanho o julgamento na Primeira Turma de recebimento da denúncia da trama golpista.



Foto: Antonio Augusto/STF
Bolsonaro acompanho o julgamento na Primeira Turma de recebimento da denúncia da trama golpista.

Foto: Antonio Augusto/STF

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