5 de setembro de 2025
Politica

Não haverá consenso sobre o resultado do julgamento de Bolsonaro

Quem está com certa idade, vai se lembrar de que o impeachment do ex-presidente Fernando Collor, em 1992, foi uma espécie de consenso nacional. O processo que vai da acusação, feita pelo irmão de Collor, de tráfico de influência do empresário PC Farias no governo, em maio daquele ano, até a votação do impedimento do presidente na Câmara, em setembro, foi uma espécie de entendimento nacional. No sentido de que tínhamos um incapaz perigoso no poder, que precisava ser apeado do Planalto. Na mídia, apenas um grupo de parlamentares folclóricos, como o ex-deputado Roberto Jefferson, apoiava o “caçador de marajás”, que sucumbiu em escândalos envolvendo denúncias de corrupção, desavenças familiares e luta inglória contra a inflação.

O ex-presidente da República Jair Bolsonaro deixa o hospital DF Star em Brasília após  realizar exames em 16 de agosto
O ex-presidente da República Jair Bolsonaro deixa o hospital DF Star em Brasília após realizar exames em 16 de agosto

Pouco mais de duas décadas depois, tivemos a queda de Dilma Rousseff. Houve mais resistência contra seu impedimento. Mas é preciso lembrar que Dilma não tinha mais sustentação popular (sua aprovação não chegava a 10%), nem política. O Brasil vivia uma mistura tóxica de revelações da operação Lava Jato, inflação, desemprego e recessão causada, em boa parte, por medidas que a presidente impôs ao país. Houve até mesmo certo alívio por sua queda entre seus supostos aliados – eles admitem isso em conversas reservadas.

De certa maneira, Bolsonaro pode ter cometido crimes mais graves do que Collor e Dilma. Não foi uma questão de corrupção pessoal (não que a família Bolsonaro não tenha sofrido acusações nesse sentido), nem de trapalhadas econômicas. O ex-capitão é acusado de atentar contra o Estado de Direito ao buscar um golpe de Estado. Ele teria conspirado contra as próprias instituições brasileiras e, se tivesse sucesso, o Brasil poderia voltar a ser uma ditadura. São não deu certo porque a cúpula das Forças Armadas não aceitou o convite para a insurreição – de acordo com depoimentos que contam nos autos.

Hoje, às vésperas do julgamento de Jair Bolsonaro, não vemos nada próximo do consenso de Collor e nem mesmo da força massiva da população que se voltou contra Dilma. O apoio ao ex-presidente da República segue com cerca de 40%. Em algumas sondagens de opinião, está em empate técnico com o presidente Lula na disputa pelo Palácio do Planalto. É notável que o ex-presidente conserve sua força após tantos reveses.

Os que defendem o ex-presidente, inclusive, contam uma história invertida da dos documentos oficiais: para eles houve fraude nas eleições de 2022, e o ex-presidente, esse sim defensor da democracia, sofre uma perseguição do sistema liderado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), com a face exposta do ministro Alexandre de Moraes. Delírio? Se for, inclui muita gente. Conforme a pesquisa AtlasIntel divulgada em agosto, chega a 45% o percentual de brasileiros que considera que o Brasil vive uma ditadura de toga.

Não há uma resposta definitiva e cabal de por que a condenação de Bolsonaro está longe de consenso, ao contrário dos demais julgamentos de ex-presidentes. Uma delas é que o antipetismo talvez seja a maior força política brasileira, próxima a 50% da população. Bolsonaro soube liderá-la sem nuances. Após Fernando Henrique Cardoso, Bolsonaro – com seu estilo grosseiro, populista e ríspido – foi o único político brasileiro que conseguiu derrotar o petismo numa eleição para presidente. Foi também, como uma barata de holocausto, um político de longa trajetória que sobreviveu à Lava Jato. Isso conta no imaginário popular. Bolsonaro foi a última esperança de dar um jeito no Brasil para multidões.

Outra questão é o advento das redes sociais. Na época de Collor, qualquer consenso que envolvesse os principais veículos de mídia era praticamente garantidor da tendência geral da opinião pública. No caso de Dilma, as redes já tinham um papel forte para mostrar divergências ao acordo nacional, não suficiente para salvar a mandatária. Hoje tudo mudou. Cada brasileiro tem seu megafone para protestar, para divergir. E agora encontra outros brasileiros na mesma condição. Eles acabam por se unir contra os veículos de mídia, contra o STF e mesmo contra as instituições, para questionar o julgamento do ex-presidente. Estão atentos a qualquer descuido, a qualquer heterodoxia. Sem dúvida, o futuro condenado Jair Bolsonaro mantém sua força por causa dessa nova configuração da sociedade.

 

 

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