Divergências podem levar julgamento de Bolsonaro ao Plenário do STF e adiar decisão do caso do golpe
As sinalizações do ministro Luiz Fux nos últimos meses alimentam a aposta das defesas de que ele abra divergência no julgamento de Jair Bolsonaro por tentativa de golpe na Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF). Um voto nessa direção teria, segundo eles, potencial para abrir caminho aos embargos infringentes, recurso que leva o processo ao Plenário, adia os efeitos da sentença e reabre a discussão sobre o mérito.
Mesmo reconhecendo as grandes chances de condenação, as defesas ouvidas pelo Estadão apostam que Fux pode divergir na dosimetria das penas ou na absorção de crimes, como já fez em julgamentos de réus do 8 de janeiro. Juristas, por sua vez, avaliam que o tema dos embargos infringentes terá de ser enfrentado pelo STF diante da falta de precedentes claros, da lacuna no regimento interno e do fato de que as interpretações sobre o caso não estão pacificadas na Corte. Há possibilidade de que sejam exigidos dois votos para o cabimento desse tipo de recurso, como já exigido em outros casos.

Além de Bolsonaro, também serão julgados os generais Walter Braga Netto, Augusto Heleno e Paulo Sérgio Nogueira, o almirante Almir Garnier, o ex-ministro Anderson Torres, o deputado federal Alexandre Ramagem e o tenente-coronel Mauro Cid. Todos respondem por organização criminosa, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado.
É nesse contexto que ganha força a discussão sobre os embargos infringentes, mecanismo que permite reabrir o julgamento quando há decisão não unânime, levando o caso da Turma, formada por cinco ministros, para o Plenário de onze integrantes.
Para o professor do Insper Luiz Gomes Esteves, um dos pontos que será alvo das defesas é quantos votos divergentes seriam necessários para admitir esse recurso. Ele explica que o regimento do STF fala em quatro votos contrários no Plenário, mas não especifica a regra para os julgamentos nas Turmas. “Em 2018, no caso Paulo Maluf, o Supremo interpretou que seriam necessários ao menos dois votos divergentes para abrir caminho aos embargos”, lembra, explicando a decisão qeu considerou que as Turmas exigiram metade dos votos divergentes do plenário.
O professor ressalta, porém, que a questão não deve ser decidida individualmente pelo relator, Alexandre de Moraes, mas sim levada ao Plenário.
“Sai a sentença e, com ela, a defesa apresenta embargos. Se Moraes optar por decidir sozinho, caberá recurso e o assunto acabará no Plenário. Ele deve se antecipar a isso”, avalia Esteves, destacando que, diante da complexidade do tema, dificilmente o ministro decidirá individualmente sobre esse ponto.
A quantidade de votos necessários para os embargos também divide juristas. O criminalista e coordenador da ESPM-SP Marcelo Crespo avalia que um único voto já seria suficiente. Para ele, como o regimento não estabelece regra clara para os julgamentos nas Turmas, há margem para rever o entendimento. “Basta um voto divergente para abrir a discussão novamente”, resume.
A controvérsia, porém, não se limita ao número de votos. Também está em debate que tipo de divergência permite os embargos: apenas aquelas que absolvem o réu em ao menos um crime ou qualquer discordância, como na dosimetria da pena.
A pesquisadora da USP e professora da ESPM-SP Ana Laura Barbosa defende a segunda interpretação. Para ela, votos pela redução da pena ou por ajustes na dosimetria já seriam suficientes para justificar o recurso. “Esse é o caminho que vejo com mais chances de ser explorado pelas defesas, ao lado de teses como a absorção de crimes”, afirma.
Recentemente, Moraes apresentou uma decisão individual em sentido contrário durante o caso de Débora Rodrigues, ré por pichar a estátua “A Justiça” em 8 de janeiro.
Em 18 de agosto, a defesa apresentou embargos infringentes na Primeira Turma após Fux votar pela absolvição parcial e Cristiano Zanin divergir na dosimetria da pena. Na ocasião, Moraes rejeitou o recurso monocraticamente, sem remeter ao Plenário, por entender que seriam necessários dois votos de absolvição integral ou parcial. A defesa recorreu pedindo que o caso seja remetido ao colegiado, mas o ministro ainda não deliberou.
O episódio expôs a divisão interna no Supremo e reforçou o peso das sinalizações de Fux em julgamentos dos réus do 8 de janeiro – processos que tratam dos mesmos crimes atribuídos a Bolsonaro.
Entre os pontos em que ele já divergiu ou sinalizou disposição para divergir estão a aplicação do princípio da consunção, pelo qual um crime mais amplo pode absorver outro de menor alcance quando praticados no mesmo contexto; a dosimetria das penas; a delação de Mauro Cid; e a diferenciação entre atos preparatórios, não puníveis pelo Código Penal, e atos executórios, que caracterizam a tentativa de golpe de Estado.
Neste ano, ao julgar uma ação contra o ex-presidente Fernando Collor, o Plenário do Supremo decidiu, por 6 votos a 4, que os embargos infringentes só cabem em casos de divergência que resultem na absolvição total ou parcial de um crime. Juristas ressaltam, porém, que o tema não está pacificado e o debate segue em aberto, o que indica que a questão irá provocar novas discussões entre os ministros.
“Há sim a possibilidade real de não haver unanimidade e essa discussão ser levada ao Plenário. Com certeza o debate vai retornar e pode dividir o Supremo”, avalia Ana.
Esse é justamente o caminho em que aposta a defesa de Anderson Torres. O advogado Eumar Novacki avalia que divergências na dosimetria ou na absorção de crimes já seriam suficientes para abrir espaço aos embargos. “Eles vão ter que preparar um acórdão muito bem consolidado, muito bem fundamentado nas provas. Vai ser um embate interessante”, afirma.
Para o criminalista e professor da USP Gustavo Badaró, que passou a integrar a defesa de Bolsonaro para emitir pareceres jurídicos, o recurso também deve ser usado pela defesa do ex-presidente e dos demais réus. “Dada a complexidade do caso, é um recurso que inevitavelmente será manejado”, completa.