2 de setembro de 2025
Politica

Ministro prorroga afastamento de desembargador por elo com ‘assustador mercado de ações judiciais’

O ministro Mauro Campbell, corregedor nacional de Justiça, prorrogou o afastamento do desembargador Helvécio de Brito Maia Neto, do Tribunal de Justiça do Tocantins. Alvo da Operação Máximus, deflagrada em 2024 pela Polícia Federal, o desembargador é suspeito de fazer parte do que a Polícia Federal classificou de ‘assustador mercado de ações judiciais’ na Corte estadual – da qual Helvécio foi presidente.

Na ocasião, ele foi afastado do cargo por um ano – prazo que se esgotou no dia 23 de agosto passado. O Estadão busca contato com o magistrado e sua defesa.

A Operação Maximus identificou ‘pacotes de corrupção’ no tribunal, como informou o Estadão em novembro do ano passado. A rotina de propinas teria alcançado decisões diversas no fórum.

Em sua decisão, de nove páginas, Campbell transcreve trechos de despacho subscrito pelo ministro João Otávio de Noronha, do Superior Tribunal de Justiça – relator da Máximus -, sobre ‘indícios da existência de um possível esquema na compra de decisões judiciais, inclusive com comprovantes de transações financeiras suspeitas, a indicar, em tese, a prática dos crimes de organização criminosa, corrupção (ativa e passiva), prevaricação, advocacia administrativa e lavagem de dinheiro’.

A Máximus suspeita de outros desembargadores, juízes de primeira instância e advogados.

O corregedor nacional anota que Helvécio, então exercendo a presidência do Tribunal de Justiça, seria ‘figura central e principal vínculo entre os operadores do esquema criminoso e os membros do Poder Judiciário e outras autoridades do Estado do Tocantins’.

“Com auxílio de seu filho, o advogado Thales André Pereira Maia, Helvécio Maia, possivelmente, atuava como principal operador do esquema, direcionando decisões judiciais no Tribunal de Justiça”, pontua Mauro Campbell nos autos de uma Reclamação Disciplinar que pode culminar na abertura de processo administrativo contra o desembargador Helvécio.

Desembargador Helvécio de Brito Maia Neto está afastado do cargo desde agosto de 2024.
Desembargador Helvécio de Brito Maia Neto está afastado do cargo desde agosto de 2024.

Em novembro do ano passado, com a revelação de detalhes da investigação, a defesa de Thales Maia negou que ele tivesse ligação com esquema de corrupção no TJ e que diálogos a ele atribuídos estavam fora de contexto.

Os autos da Operação Máximus migraram para o Supremo Tribunal Federal, sob condução do ministro Cristiano Zanin Martins, que abarcou a competência de investigações que miram desembargadores de pelo menos três tribunais estaduais (Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Tocantins). Também estão sob escrutínio servidores de gabinetes de ministros do STJ.

“Após o declínio de competência do Superior Tribunal de Justiça para o Supremo Tribunal Federal, a presente reclamação disciplinar aguardava do eminente relator, ministro Cristiano Zanin Martins, o compartilhamento de novas informações referentes à tramitação do apuratório criminal ou do resultado das diligências levadas a efeito, sendo que até o presente momento nada foi encaminhado”, destaca o corregedor.

‘Gravidade dos fatos’

Ao prorrogar o afastamento do desembargador, Campbell considerou ‘a gravidade dos fatos apontados em desfavor do magistrado’. E argumentou. “À míngua da notícia de comando judicial expresso no sentido de aplicar ao caso a medida cautelar diversa da prisão do artigo 319, inciso VI, do Código de Processo Penal, reputo necessário determinar, na esfera administrativa, o seu (de Helvécio) afastamento cautelar enquanto se aguarda a finalização das apurações, seja em âmbito judicial, seja na presente reclamação disciplinar.”

Dever geral de cautela

Campbell recorreu ao dever geral de cautela que também pauta os procedimentos de natureza administrativa em geral e confere ao Conselho Nacional de Justiça poderes e legitimidade para tal decisão – o afastamento do magistrado.

Pesou na decisão do ministro o risco de Helvécio reiterar eventuais práticas criminosas. “Sob tal prisma, deve-se considerar como condutas de marcante gravidade, a autorizar o afastamento cautelar, não apenas aquelas que ainda podem ser praticadas, em situação de continuidade infracional ou de comprometimento das atividades jurisdicionais, como também aquelas que, uma vez realizadas, efetivamente, assumiram o potencial de macular a imagem do Poder Judiciário e a confiança nele depositada por parte do jurisdicionado.”

Mauro Campbell ressaltou, ainda, ‘a constatação da necessidade de assegurar o resultado útil das apurações, impedindo que o magistrado interfira na análise dos eventos correicionais ou elimine provas de sua atuação, caso permaneça no exercício de suas funções’.

O ministro anotou que o entendimento do STF ‘indica convergência com esta linha de atuação, confirmando hipóteses de afastamentos cautelares de magistrado, ainda que em fase indiciária, como a que antecede a abertura do Processo Administrativo Disciplinar ou a sua finalização’.

“A continuidade do afastamento cautelar de Helvécio de Brito Maia Neto é medida que se impõe”, finalizou o corregedor. “Fatos indicados no Inquérito nº. 1.668/DF. assim como nas medidas cautelares a ele vinculadas, em um juízo de cognição sumária, de caráter cautelar, indicaram a existência de indícios de autoria e de materialidade dos crimes de corrupção passiva, corrupção ativa, organização criminosa e lavagem de capitais.”

Mauro Campbell invocou, uma vez mais, trechos da decisão do ministro José Otávio de Noronha. “Conforme demonstrado à exaustão, estão presentes indícios de autoria e materialidade e evidenciado que os crimes investigados são dolosos e punidos com penas privativas de liberdade superiores a 4 anos, ensejando a conclusão do preenchimento dos requisitos legais até mesmo para a medida extrema de prisão preventiva.”

“Em consequência”, ponderou Noronha ao autorizar a Operação Máximus e ordenar no ano passado o afastamento do desembargador Helvécio Maia, “justificada está, portanto, a imposição de medidas cautelares substitutivas da prisão para proteção da ordem pública, visando evitar o risco de que voltem a utilizar a estrutura do Poder Judiciário para desviar recursos públicos.”

“A investigação indica a existência de suposto esquema de venda de decisões judiciais por desembargadores e juízes do Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins, com prejuízo para diversas partes litigantes, bem como para a credibilidade e higidez do sistema de justiça”, destacou Noronha.

Segundo ele, ‘os elementos dos autos são, pois, suficientes para fundamentar as medidas cautelares pessoais para garantia da ordem pública, porquanto a corrupção aqui tratada corrói a própria estrutura do Poder Judiciário e alcança outras instituições’.

“Além disso, há indícios de que a organização criminosa prossegue com a atividade criminosa, agindo com o mesmo modus operandi”, segue o desembargador. “Os elementos evidenciam a atuação dos indicados desembargadores, juízes de direito e servidores na execução direta dos crimes, inclusive em conluio com os advogados e demais investigados.”

Noronha acentuou, à época. “Evidenciado está o completo desvirtuamento da função pública pelos magistrados e servidores e outros, bem como a liderança dos dois cujas medidas ora são decretadas, de forma a demonstrar que a permanência deles nos cargos ocupados certamente violará os princípios norteadores da administração pública e da própria Justiça.”

‘Interesses patrocinados’

Para o corregedor, ‘da mera leitura da decisão (de Noronha) observa-se, portanto, a existência de indícios de que Helvécio de Brito Maia Neto, na condição de desembargador do Tribunal de Justiça de Tocantins, muito possivelmente, atuou em processos nos quais as partes tiveram seus interesses patrocinados por advogados que dispunham de grande proximidade com o magistrado, assim como, supostamente, recebeu vantagem indevida para a prolação de decisões judiciais’.

“No caso em apreço, em uma análise preliminar, própria desta decisão cautelar, justifica, a meu sentir, a manutenção de seu (Helvécio) afastamento das atividades jurisdicionais e de qualquer contato com os servidores do Tribunal de Justiça do Estado de Tocantins, enquanto é finalizada a apuração no âmbito criminal ou o juízo de instauração de processo administrativo disciplinar, ocasião em que os argumentos defensivos serão oportunamente apreciados, em cotejo com os autos do Inquérito n.º1668/DF e as cautelares, compartilhados integralmente com este CNJ”, escreveu o ministro.

“Por ora, em um juízo de mera cautelaridade, considero necessário determinar o afastamento cautelar de Helvécio de Brito Maia Neto, enquanto se aguarda a finalização das apurações em seu desfavor”, concluiu Mauro Campbell.

 

 

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