Advogado de Torres usa erro técnico para sustentar tese da ‘minuta do Google’; veja
O advogado Eumar Novacki, que representa o ex-ministro da Justiça Anderson Torres no julgamento da ação penal da trama golpista, sustentou ao Supremo Tribunal Federal (STF) nesta terça-feira, 2, que a “minuta do golpe” já estava na internet em dezembro de 2022. Por essa razão, o defensor apelidou o documento de “minuta do Google”. Durante sua sustentação oral, o advogado expôs uma captura de tela que mostra uma busca pelo documento relacionada ao dia 12 de dezembro de 2022. O arquivo exposto por Novacki está hospedado no portal ConJur.
A “minuta do golpe” é o esboço de um decreto que imporia um estado de exceção no País. Uma das versões do documento foi localizada em uma operação de busca e apreensão na casa do ex-ministro da Justiça em 12 de janeiro de 2023. Embora a defesa de Torres use a data exposta pelo Google para alegar que o esboço já estava na internet antes da apreensão, os metadados do arquivo relevam que o documento foi modificado em janeiro de 2023. O portal ConJur contesta a informação do defensor, e o próprio Google afirma que a data relacionada a um resultado de busca pode ser imprecisa, pois é analisada a partir de vários fatores.

“O Google não depende de um único fator de data, porque todos eles estão sujeitos a problemas. Por isso, nossos sistemas analisam vários elementos para determinar a melhor estimativa possível da data em que a página foi publicada ou teve atualizações significativas”, afirma o mecanismo de busca em um material destinado a desenvolvedores.
Os metadados da “minuta do golpe” hospedada no ConJur mostram que o arquivo foi modificado pela última vez em 13 de janeiro de 2023. A informação pode ser verificada por qualquer usuário por meio da plataforma de metadados EXIF.tools. A data é a mesma que expôs o ConJur em auditoria encaminhada à Polícia Federal.

Em nota, o portal contestou a informação de Eumar Novacki. “O Google indexou a prova do crime contra seu cliente, pela data que consta no documento – e não pela data de postagem – o que só aconteceu em janeiro de 2023”, afirmou o portal. “Tivesse dado o furo, este site seria o primeiro a se gabar — e não a negar”, diz.
“Quando o assunto veio à tona pela primeira vez, a ConJur fez uma auditoria a pedido da PF e constatou que o documento só foi publicado em 13 de janeiro de 2023, nesta reportagem, portanto depois da descoberta da PF e depois de os fatos terem sido revelados por outros veículos de comunicação”, completou o portal. “O esclarecimento de que o dia 12 de dezembro de 2022, que aparece no buscador, é a data que consta na minuta, e não a data da publicação da ConJur já foi repetido diversas vezes.”
Eumar Novacki foi procurado pelo Estadão, mas não respondeu aos contatos. Ao STF, o advogado alegou que a perícia do ConJur não esclareceu a origem do arquivo. “Não falseou a verdade, mas não respondeu o que eu queria saber”, disse.
“O usuário precisa entender que essa data não é ‘data de indexação’, mas sim ‘provável data de publicação’. O Google acerta em alguns casos, mas erra em muitos outros. Buscar por data auxilia a levantar resultados relevantes, mas sempre requer que o resultado seja estudado para ter certeza”, afirmou Natanael Antonioli, apresentador do canal do YouTube Fábrica de Noobs, dedicado a temas de computação.

Antonioli explica que o Google faz uma estimativa de quando o documento foi publicado, mas a exibição nem sempre é correta. “Não é uma indicação precisa de quando o documento foi feito”, afirmou. “Caso eu, hoje, produza um decreto datado de 2014 e envie ao Google, é provável que ele deduza que o meu decreto foi feito em 2014.”
Ao Estadão, Natanael exemplificou como uma data incorreta pode ser induzida pelo uso de ferramentas de pesquisa do Google. “A Taylor Swift publicou o álbum ’1989′ em 2014, mas uma pesquisa por ‘Taylor Swift’ no Google que restrinja a data para antes de 1990 irá produzir resultados do ano 1989 porque o Google encontra o nome ’1989’ na página e deduz que é a data de produção”, mostrou Antonioli.

Essa não é a primeira vez que a defesa de Anderson Torres refere-se ao documento que imporia um estado de exceção no País como “minuta do Google”. O termo foi usado pelo próprio réu durante seu depoimento ao STF, em junho.
“Na verdade, ministro, não é a minuta do golpe, eu brinco que é a minuta do Google, porque está no Google até hoje. Esse documento foi entregue no meu gabinete no Ministério da Justiça e eu levava diariamente duas pastas para a minha residência, uma delas contendo a agenda do dia e outra com documentos gerais que vinham no ministério“, disse Torres. “Isso foi uma fatalidade. Eu nunca trabalhei isso. O documento era muito mal escrito. Não sei quem fez, não sei quem mandou fazer e nunca discuti esse tipo de assunto.”
A defesa de Torres nega a participação do ex-ministro de Jair Bolsonaro (PL) em reuniões em que a “minuta do golpe” teria sido discutida e editada, segundo a acusação da Procuradoria-Geral da República (PGR). Torres é um dos oito réus do núcleo crucial da tentativa de golpe de Estado, que teve o julgamento no Supremo iniciado nesta terça-feira, 12. Há sessões previstas até o dia 12.