3 de setembro de 2025
Politica

Advogados de Mauro Cid tentam salvar delação no julgamento da trama golpista

Os advogados Jair Alves Ferreira e Cezar Bitencourt entraram na sala de sessões da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) na tarde desta terça-feira, 2, com a missão de tentar salvar a delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid.

A sustentação oral – momento em que a defesa expõe seus argumentos – é o momento de convencer os ministros a manter os benefícios oferecidos ao tenente-coronel em troca de informações sensíveis contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), incluindo o plano de golpe.

A estratégia da defesa é negar que tenha havido coação, como alegam os réus implicados no acordo, tentar conferir peso e credibilidade às informações compartilhadas com a Polícia Federal e, ao mesmo tempo, desvencilhar o tenente-coronel dos crimes que ele próprio confessou.

Ferreira e Bitencourt vão se revezar na tribuna. Os advogados defendem que Mauro Cid foi um mero cumpridor de ordens, um funcionário operacional que, embora tivesse acessos privilegiados em razão do cargo, não possuía influência efetiva no governo.

Mauro Cid fechou delação e entregou plano de golpe.
Mauro Cid fechou delação e entregou plano de golpe.

No fim da manhã, o procurador-geral da República Paulo Gonet mandou um recado direto à defesa. Disse que, ao fechar o acordo, Mauro Cid admitiu seu envolvimento na trama golpista e, agora, não pode tentar negar “participação no empreendimento criminoso delatado”.

“Não custa recordar que não existe entre nós a figura da mera testemunha premiada”, afirmou o procurador.

Gonet defendeu a validade da delação premiada. Segundo o procurador-geral, os relatos do tenente-coronel foram úteis para a investigação. Apesar disso, o PGR pediu a condenação dele, nos termos previstos no acordo, ou seja, à pena máxima de dois anos.

“Embora a Polícia Federal tenha descoberto a maior parte dos eventos descritos na denúncia de forma independente, a colaboração de Mauro Cid acrescentou-lhes profundidade”, disse o PGR.

A Primeira Turma do STF vai decidir se condena ou não Bolsonaro e outros sete réus do “núcleo crucial” da trama golpista, as lideranças do plano de golpe, segundo a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR). O julgamento começou nesta terça e vai até a próxima semana.

Mauro Cid também é réu no processo, mas, por ter fechado delação premiada, ficou em uma situação suis generis, em uma espécie de fogo cruzado. Os ataques partem tanto da PGR, que o denunciou, quanto das defesas dos demais réus, que o acusam de inventar e distorcer informações, em uma tentativa de desidratar a denúncia.

Se o STF concluir que ele mentiu ou omitiu o que sabia, o acordo pode ser anulado. Com isso, Mauro Cid pode pegar pena máxima (43 anos), assim como os demais réus. Uma das exigências do tenente-coronel para delatar foi uma sentença de no máximo dois anos.

Em março, quando a Primeira Turma do STF recebeu a denúncia da trama golpista, o ministro Luiz Fux chamou Mauro Cid de “delator recalcitrante” e disse ver com “muita reserva nove delações de um mesmo colaborador, cada hora acrescentando uma novidade”. O tenente-coronel prestou ao todo cinco depoimentos à Polícia Federal, o que foge à praxe nas delações.

Uma eventual anulação do seu acordo de colaboração não afeta as provas obtidas a partir dele, que continuarão válidas. 

Mauro Cid prestou assistência direta ao ex-presidente entre 2018 e 2022. Era ajudante de ordens, uma espécie de secretário particular de Bolsonaro, seu braço-direito. O cargo lhe assegurava acesso a agendas oficiais e reuniões reservadas. Ao assinar a delação, se comprometeu a falar sobre diferentes episódios que pressionam o ex-presidente, como o plano de golpe e o desvio de joias.

De fato, a delação foi o ponto de virada de inquéritos sensíveis contra Bolsonaro. Sozinha, a palavra do delator não pode basear condenações. A lei não permite. No entanto, as declarações servem como meio de prova, ou seja, como pistas para que as autoridades sigam a trilha de um crime. E foi isso que a Polícia Federal buscou fazer nas investigações sobre o plano golpista arquitetado após as eleições de 2022.

Foi Mauro Cid quem associou, por exemplo, o ex-assessor especial da Presidência, Filipe Garcia Martins, ao rascunho de decreto para determinar novas eleições e prender desafetos de Bolsonaro, como os ministros Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, e o senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Filipe Martins chegou a ser preso na Operação Tempus Veritatis.

O tenente-coronel também revelou que o ex-presidente Jair Bolsonaro se reuniu com a cúpula das Forças Armadas para discutir a possibilidade de uma intervenção militar para anular o resultado da eleição de 2022. Segundo Mauro Cid, Bolsonaro chamou os comandantes das Forças Armadas – Marco Antônio Freire Gomes (Exército), Carlos de Almeida Baptista Junior (Aeronáutica) e Almir Garnier Santos (Marinha) – para uma reunião. A munição para convencer a alta cúpula das Forças Armadas foi a “minuta do golpe”, que daria suporte jurídico à trama. Na versão de Mauro Cid, o então presidente “queria entender a reação dos comandantes das forças em relação ao seu conteúdo”. Posteriormente, o general Marco Antônio Freire Gomes e o brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Junior confirmaram a reunião em depoimento à Polícia Federal.

A delação de Mauro Cid esteve sob ameaça real de rescisão em três ocasiões. Em março de 2024, a revista Veja divulgou áudios em que o ex-ajudante de Bolsonaro sugeriu ter sido pressionado pela Polícia Federal a confirmar uma “narrativa pronta”. O tenente-coronel foi chamado ao STF para se explicar e negou ter sido coagido. Mauro Cid afirmou ter feito um “desabafo” privado.

O advogado Jair Alves Ferreira defendeu que Mauro Cid tem o “direito” de reclamar do delegado da PF, mas negou coação.

“O delegado que não tiver uma linha de investigação e não puder questionar a quem ele está investigando não tem nada. O que ele vai perguntar se ele não tiver argumentos para formar uma convicção pelo menos indiciária?” questionou o criminalista.

“Eu posso não concordar com o relatório e com o indiciamento do delegado, e de fato não concordo. Nem por isso eu posso dizer que ele coagiu meu cliente ou cometeu uma ilegalidade”, seguiu o advogado.

Em novembro de 2024, um novo revés: Cid foi convocado para um depoimento cara a cara com o ministro Alexandre de Moraes, após a PF encontrar provas que indicaram que ele omitiu informações dos investigadores. Em um dos momentos de maior tensão para o militar, ele foi advertido por Moraes que poderia sair preso se caísse em novas contradições. Segundo a defesa, o alerta do ministro não foi uma ameaça, até porque o tenente-coronel estava acompanhado dos advogados.

“Vossa Excelência tinha obrigação de falar isso, de fazer a audiência. O Mauro Cid tinha um contrato vigente e não teria como rescindir o contrato se não tivesse o direito de se explicar. Isso não é ameaça. É o devido processo legal”, argumentou Ferreira na tribuna da Primeira Turma.

A reviravolta mais recente envolvendo a colaboração premiada aconteceu em junho, quando o advogado Eduardo Kuntz, que defende o coronel Marcelo Câmara, réu em outro processo da trama golpista, apresentou ao STF mensagens que alega ter trocado com Mauro Cid no Instagram, durante o processo de delação. O acordo estava sob sigilo.

Nos diálogos atribuídos ao tenente-coronel, ele faz críticas – em áudio e por escrito – ao ministro Alexandre de Moraes, ao delegado Fábio Shor, que conduz investigações sensíveis contra Bolsonaro, incluindo o inquérito do golpe, e insinua que as informações prestadas em seu acordo de colaboração premiada estavam sendo distorcidas (ouça todos os diálogos).

A defesa do tenente-coronel nega as conversas. “Nós não podemos validar uma colagem”, criticou o advogado Jair Alves Ferreira.

 

 

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