Moraes endurece, Gonet adota tom técnico e defesas reiteram teses; como foi o 1º dia de julgamento
O primeiro dia do julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e outros sete réus por tentativa de golpe de Estado no Supremo Tribunal Federal (STF) nesta terça-feira, 2, foi marcado pela leitura dura do relatório do ministro Alexandre de Moraes, que resumiu o caso e deixou uma série de recados, e pela manifestação técnica, mas contundente, do procurador-geral da República, Paulo Gonet. Na sequência, as defesas também fizeram sustentações orais em que repetiram teses já conhecidas, sem trazer novidades.
A sessão extraordinária, realizada pela manhã, foi a primeira de oito reservadas para que os ministros analisem o caso, convertido em ação penal em março, após o colegiado aceitar a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR). Além de Gonet e Moraes, também falaram os advogados de Mauro Cid, do deputado Alexandre Ramagem, do ex-comandante da Marinha Almir Garnier e do ex-ministro da Justiça Anderson Torres, na segunda sessão do dia, à tarde.

Veja os principais trechos das manifestações do primeiro dia de julgamento.
Alexandre de Moraes, ministro do STF
Relator do caso, cabia a Moraes resumir o processo, apresentando os principais pontos da acusação e das defesas. O ministro, porém, aproveitou para dar uma série de recados.
Antes de iniciar a leitura do relatório, Moraes defendeu a soberania nacional e disse que a Corte “jamais faltou ou faltará” com a coragem para repudiar agressões ao Estado Democrático de Direito diante da “covarde e traiçoeira” tentativa de interferir no julgamento.
O recado mirou Jair Bolsonaro e o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), apontados como articuladores da pressão internacional para tentar paralisar a ação penal do golpe – processo no qual ambos são indiciados e que levou o ex-presidente à prisão domiciliar.
Em discurso duro, Moraes também ressaltou que a pacificação só virá com o cumprimento da Constituição, em referência ao projeto de anistia articulado no Congresso para perdoar os envolvidos nos atos antidemocráticos de 8 de Janeiro, incluindo Bolsonaro. “Impunidade, a omissão e a covardia não são opções para a pacificação”, afirmou, completando: “A soberania jamais será negociada, extorquida”.
Paulo Gonet, procurador-geral da República
Responsável pela acusação e segundo a falar na sessão, o procurador-geral Paulo Gonet apresentou um parecer técnico, mas contundente. Ressaltou que os fatos narrados pela PGR não são episódios isolados, mas se conectam em um mesmo objetivo: subverter a ordem democrática para manter Bolsonaro no poder. Para ele, deixar de reprimir tentativas golpistas significa favorecer modelos autoritários, dentro e fora do Brasil.
Segundo o procurador-geral, a simples convocação de militares para discutir um plano já configura execução do crime. “Não é preciso pensamento intelectual extraordinário para entender que, quando o presidente da República e o ministro da Defesa convocam a cúpula militar para apresentar documento de formalização de golpe de Estado, o processo criminoso já está em curso”, disse.
Defesa de Mauro Cid
A defesa do tenente-coronel Mauro Cid abriu as sustentações orais. Considerada peça-chave da acusação de Gonet, a delação do ex-ajudante de ordens é alvo de críticas de outras defesas.
O advogado Jair Alves Pereira buscou afastar esses questionamentos, elogiou a atuação da Polícia Federal, afirmou que houve contraditório e disse que “não houve coação” ao cliente. O defensor ressaltou que foi a colaboração de Cid que revelou a reunião com os comandantes das Forças Armadas, na qual Bolsonaro teria apresentado a minuta golpista.
Defesa de Alexandre Ramagem
Na sequência, se manifestou Paulo Renato Garcia Cintra, advogado do deputado federal Alexandre Ramagem. Ele tentou afastar o cliente do “núcleo crucial” da organização criminosa acusada de articular a tentativa de golpe. Ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) no governo Bolsonaro, Ramagem é acusado de aparelhar o órgão para viabilizar a trama – episódio que ficou conhecido como Abin Paralela.
A defesa também contestou a interpretação da Polícia Federal sobre supostas atividades de inteligência atribuídas ao parlamentar em relatório da corporação, alegando que não houve tempo hábil para a análise dos documentos.
Defesa de Almir Garnier
A defesa do almirante Almir Garnier Santos, ex-comandante da Marinha, conduzida pelo ex-senador Demóstenes Torres, iniciou a sustentação oral alegando que a PGR violou o princípio da congruência ao incluir, nas alegações finais, fatos que não constavam da denúncia contra o militar. O advogado pediu a anulação da delação de Mauro Cid, que classificou como marcada por “vícios processuais”, e ainda afirmou “gostar ao mesmo tempo” de Moraes e de Bolsonaro.
“Um dia eu já estava fora da política e estava no aeroporto de Brasília. Meus ex-colegas passavam por mim. De repente, passou o Bolsonaro com uma mochilinha parecendo um soldadinho de chumbo. Falei pra minha mulher: até o Bolsonaro está me evitando. Ele parou no raio-x, olhou, me viu, voltou correndo e me deu um abraço e disse: senador, para mim não aconteceu nada”, disse Demóstenes Torres.
Defesa de Anderson Torres
Já Eumar Novacki, advogado do ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança do DF Anderson Torres, afirmou que seu cliente sempre se colocou à disposição “em busca da verdade” e criticou a Polícia Federal e o Ministério Público por não estarem “interessados” em apurar os fatos no caso da trama golpista.
“Toda a tese acusatória é um ponto fora da curva. A defesa de Anderson Torres sempre agiu com lealdade e transparência. Desde o princípio, se colocou à disposição dos órgãos de persecução penal em busca da verdade. Infelizmente, nem a Polícia Federal nem o Ministério Público estavam interessados, naquele momento, na verdade”, afirmou.