‘Panorama espantoso e tenebroso’, diz Gonet sobre plano de golpe atribuído a Bolsonaro
O procurador-geral da República Paulo Gonet é o primeiro a apresentar seus argumentos aos ministros da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) nesta terça-feira, 2, no julgamento que vai definir se o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e outros sete réus serão condenados por liderar um plano de golpe.
“Os atos que compõem o panorama espantoso e tenebroso da denúncia são fenômenos de atentado, com relevância criminal contra as instituições democráticas. Não podem ser tratados como atos de importância menor”, defendeu Gonet.
As defesas têm a prerrogativa de falar por último. Por isso, foi o procurador-geral quem iniciou as considerações sobre o caso, após a leitura do relatório pelo ministro Alexandre de Moraes.
Gonet defendeu a condenação de todos os réus pelos cinco crimes listados na denúncia – organização criminosa armada, golpe de estado, tentativa de abolição violenta do estado democrático, deterioração de patrimônio tombado e dano qualificado contra o patrimônio da União. As penas em caso de condenação podem chegar a 43 anos de prisão.
O procurador-geral argumentou que, embora nem todos os réus não tenham atuado ativamente em todas as fases do plano golpista, “todos colaboraram, na parte em que lhes coube, para que o conjunto dos acontecimentos criminosos ganhasse realidade”.
“Por isso todos os personagens são responsáveis pelos eventos que se concatenam entre si. O grau de atuação de cada qual no conjunto dos episódios da trama é questão de mensuração da culpa e da pena, mas não da responsabilidade em si”, defendeu.
O PGR reafirmou na manifestação que Bolsonaro não apenas tinha conhecimento do plano golpista como liderou as articulações para um golpe de Estado após a derrota nas eleições de 2022.
Além do ex-presidente, respondem ao processo Walter Braga Netto (ex-ministro da Defesa e Casa Civil), Augusto Heleno (ex-ministro do GSI), Alexandre Ramagem (deputado federal e ex-diretor da Abin), Anderson Torres (ex-ministro da Justiça), Paulo Sérgio Nogueira (ex-ministro da Defesa), Almir Garnier (ex-comandante da Marinha) e Mauro Cid (ex-ajudante de ordens de Bolsonaro).
O procurador-geral procurou dimensionar a gravidade da trama golpista e chamar atenção para o risco que ela representou à democracia do País, mesmo sem tanques nas ruas. O maior desafio do PGR é ligar diferentes iniciativas de Bolsonaro e seus aliados e juntá-las como um único plano coordenado de golpe.
Gonet argumentou que a denúncia não pode ser analisada como uma narrativa de fatos isolados, mas como o “relato de uma sequência significativa de ações para, na soma em que se integram”, provocar o golpe.
“A tentativa de insurreição depende de inteligência de eventos que, desligados entre si, nem sempre impressionam sob o ângulo dos crimes contra as instituições democráticas, mas que vistos em seu conjunto destapam uma unidade na articulação de ações ordenadas ao propósito do arbítrio e do desbaratamento das instituições democráticas”, disse o PGR.

O procurador-geral defendeu que o golpe só não se concretizou porque os comandantes do Exército, Marco Antônio Freire Gomes, e da Aeronáutica, não aderiram ao plano, ou seja, por circunstâncias alheias à vontade dos envolvidos. Segundo o PGR, se dependesse de Bolsonaro e dos seus aliados, o golpe teria sido levado a cabo.
Assim como na organização da denúncia, o procurador-geral conectou diferentes episódios que, na avaliação dele, culminaram no plano golpista. A cronologia tem origem em 2021, depois que Lula recuperou os direitos políticos. Ali teve o início o discurso de “ruptura institucional” capitaneado por Bolsonaro, segundo o procurador-geral. Os fatos são encadeados até o 8 de Janeiro, o “momento culminante da balbúrdia”, conforme a linha do tempo traçada por Gonet.
O procurador-geral lembrou também o quebra-quebra em Brasília na diplomação de Lula, com a queima de veículos e tentativa de invasão e destruição da sede da Polícia Federal, e a tentativa de atentado próximo ao aeroporto da capital na véspera do Natal de 2022.
“A instauração do caos era explicitamente considerada, etapa necessária do desenrolar do golpe para que se atraísse adesão dos comandantes do Exército e da Aeronáutica”, detalhou o PGR. “O grupo buscou a instabilidade social. A revolta popular serviria como fator de legitimação para que fossem decretadas as medidas de exceção.”
As provas consideradas mais contundentes foram citadas em diferentes passagens da manifestação, como a reunião de Bolsonaro com a cúpula das Forças Armadas para discutir a possibilidade de uma intervenção militar para anular o resultado da eleição de 2022. Segundo a denúncia, Bolsonaro chamou os comandantes das Forças Armadas – Marco Antônio Freire Gomes (Exército), Carlos de Almeida Baptista Junior (Aeronáutica) e Almir Garnier Santos (Marinha) – para uma reunião. A munição para convencer a alta cúpula das Forças Armadas foi uma versão da “minuta do golpe”, que daria suporte jurídico à trama.
Paulo Gonet rebateu as defesas dos réus, que buscam minimizar as acusações, argumentando, por exemplo, que o golpe não se concretizou. Para o procurador-geral, a reunião é a prova máxima da articulação golpista.
“Quando o presidente da República e depois o ministro da Defesa convocam a cúpula militar para apresentar documento de formalização de golpe de estado o processo criminoso já está em curso. Não se está, nesse caso, num ambiente relativamente inofensivo de conversas entre quem não dispõe de meios para operar input”, afirmou.
Além de rememorar provas, Gonet apontou inconsistências nos depoimentos dos réus e defendeu que a denúncia está baseada em elementos autônomos, independentes da delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid.
“A denúncia não se baseou em conjecturas ou suposições frágeis. Os próprios integrantes da organização criminosa fizeram questão de documentar quase todas as fases da empreitada”, disse o procurador.
No início do julgamento, o ministro Alexandre de Moraes, relator do processo, fez um discurso duro, afirmou que o STF não vai se deixar intimidar por “pressões internas ou externas” e defendeu que a impunidade aos golpistas não é uma opção para a pacificação do Brasil.