6 de setembro de 2025
Politica

Corrupção na floresta: quem escuta os guardiões da Amazônia?

No Brasil, grandes projetos de infraestrutura são anunciados como fonte de progresso, de geração de empregos e de renda. Ultimamente, na Amazônia e em outros biomas, são divulgados como meio de transição justa. Mas quem vive nos territórios afetados, muitas vezes, vivencia outra realidade, bem adversa. Primeiro, a falta de informação, o desprezo, o assédio, as migalhas, a cooptação. Depois, prevalecem os danos socioambientais, não evitados nem mitigados. Então, se descortina uma forma perversa e muito lesiva de corrupção contra direitos humanos.

Esse resultado lesivo pode ser evitado hoje por meio do cumprimento do dever jurídico de realizar – antes mesmo da aprovação do projeto e de seu licenciamento – a denominada consulta prévia, livre, informada e de boa-fé, prevista na Convenção 169 da OIT, ratificada pelo Brasil em 2003. Essa consulta prévia é o que distingue projetos sustentáveis de instrumentos levianos de lucratividade espoliativa sobre os territórios ocupados por comunidades tradicionais e povos indígenas.

A falta de consulta prévia não apenas silencia e marginaliza coletividades, pois tendem a favorecer graves danos socioambientais. É emblemático o caso da Usina de Belo Monte, no Pará. Anunciada como solução energética, a obra deslocou mais de 20 mil moradores, causou danos irreversíveis a todo o Xingu. Presididas por contratos superfaturados segundo o TCU, as obras deixaram milhares prejudicados e sem voz. Lideranças indígenas afirmam que nunca foram ouvidas de forma adequada. Não houve reuniões estruturadas, nem acesso claro às informações técnicas sobre os impactos da obra, dizem. O processo seguiu sem que as comunidades tivessem a chance efetiva de opinar ou negociar medidas de mitigação dos impactos sobre seus territórios e seus modos de vida. Hoje, os efeitos da usina sobre os rios, a pesca, o extrativismo das comunidades são visíveis e catastróficos.

Nos anos 1980, o caso Balbina é um monumento à irresponsabilidade, à revelia dos povos indígenas da região. A hidrelétrica alagou 2.360 km² da Floresta Amazônica (porção maior que a cidade de São Paulo) para gerar míseros 250 MW, um fiasco histórico de ineficiência energética. O impacto socioambiental foi devastador e as comunidades não participaram e ainda sofrem seus efeitos negativos na região da bacia do Uatumã, município amazonense de Presidente Figueiredo.

Não obstante, ainda, na atualidade, levantam-se suspeitas de descasos com a consulta prévia. No Amazonas, em 2024, o MPF recomendou a suspensão de todos os projetos de crédito de carbono por evidências de menosprezo à obrigatoriedade de consulta prévia às populações tradicionais dos territórios transacionados, muitas vezes invisibilizados em seus próprios territórios por questões cartoriais e fundiárias. Particularmente, contra um projeto de REDD+ da Secretaria de Estado de Meio Ambiente, o MPF ajuizou ação civil pública porque o plano foi aprovado e iniciado sem ouvir os povos indígenas, ribeirinhos e extrativistas, que vivem nas unidades de conservação objeto dos atos negociais.

Ainda no Amazonas, ações civis públicas apuram a falta de consulta prévia adequada em projetos privados de exploração minerária. Empreendimentos de potássio em Autazes e gás natural em Silves e Itapiranga são acusados de causar potenciais violações a direitos humanos. Aliada à falta de consulta prévia, gravita suspeita de irregularidade no licenciamento e possíveis danos ambientais. Se procedentes essas arguições, a promessa de empregos e desenvolvimento esconde um modelo de mineração que pode comprometer a dignidade de povos tradicionais, a fauna, a flora, os processos ecológicos, o ciclo hidrológico e o microclima regional.

Até mesmo a chamada “energia limpa” também é alvo de denúncias de violação de direitos humanos no Nordeste, onde a expansão acelerada dos parques eólicos tem gerado tensão em comunidades tradicionais. O que começou como promessa de desenvolvimento sustentável virou fonte de descontentamento e opressão. Moradores relatam falta de consulta, danos às casas, perda de áreas de lazer, falta de acesso à água e à agricultura de subsistência. Em lugares como o sertão potiguar e o litoral cearense, turbinas gigantes foram instaladas sem diálogo real, alterando paisagens, rotinas e modos de vida.

Em resposta, diversos povos têm criado seus próprios protocolos de consulta, como os Acuí e Sítio Conceição, no Pará. São documentos que definem o método para abordar as comunidades, respeitando seus hábitos e costumes. Esses protocolos são instrumentos legítimos de autodeterminação e devem ser reconhecidos como referência obrigatória.

É assustadora a denúncia de lideranças indígenas em audiência pública ocorrida em abril na Câmara dos Deputados: mais de 230 territórios estão sob risco direto ou indireto de projetos energéticos, incluindo exploração de petróleo na Foz do Amazonas, sem qualquer consulta prévia. A pressão sobre a chamada “margem equatorial” é um exemplo claro de como o modelo de desenvolvimento ignora os direitos constitucionais e os tratados internacionais ratificados pelo Brasil.

A consulta prévia é dever do Estado e direito das comunidades, instrumento contra a corrupção, a imperícia e o autoritarismo. Quando feita de maneira hábil, expõe os impactos reais, sem maquiagem; impede barganhas indecentes; dá voz a quem sempre foi silenciado; obriga o Estado a respeitar quem constrói o país longe dos holofotes. O verdadeiro progresso começa quando quem vive no território tem o poder de dizer: “aqui, não.”

Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Esta série é uma parceria entre o Blog do Fausto Macedo e o Instituto Não Aceito Corrupção. Os artigos têm publicação periódica.

 

 

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