Defesa diz que Bolsonaro foi ‘dragado’ para denúncia do golpe e mira Mauro Cid: ‘não é confiável’
Os advogados Celso Vilardi e Paulo Amador da Cunha Bueno, que representam o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), têm nas mãos a defesa mais difícil na trama golpista. Bolsonaro é apontado como o líder do plano de golpe. O ex-presidente conecta toda a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR). Segundo a acusação, a tentativa de golpe foi orquestrada por ele em benefício próprio. Por isso, ao apresentar seus argumentos nesta quarta-feira, 3, na sala de sessões da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), os criminalistas buscaram colocar em dúvida o papel de comando de Bolsonaro e a conexão do ex-presidente com os documentos golpistas apreendidos na investigação e com o 8 de Janeiro.
“O presidente foi dragado para esses fatos”, iniciou Vilardi. Os advogados se revezaram na tribuna do STF.
A estratégia da defesa foi relacionar episódios que demonstram que, apesar da crise política instaurada após as eleições de 2022, o ex-presidente procedeu à transição de governo.
Vilardi defendeu que não há provas que vinculem Bolsonaro aos atos golpistas na Praça dos Três Poderes e que a PGR está acusando o ex-presidente de uma “instigação a pessoas e fatos criminosos indeterminados”. “Juridicamente essa acusação não é possível”, argumentou.
A defesa também procurou enfraquecer a versão dos ex-comandantes do Exército, Marco Antônio Freire Gomes, e da Aeronáutica, Carlos Almeida Baptista Júnior, que relataram terem sido procurados por Bolsonaro para participar do golpe. Os depoimentos estão entre as provas mais contundentes da denúncia. Segundo a PGR, o plano só não foi para frente porque não houve adesão do alto comando militar.
Cunha Bueno argumentou que, se de fato pretendesse dar um golpe, o que a defesa nega, Bolsonaro poderia ter trocado os comandantes das Forças Armadas que não o apoiaram.
Já Vilardi defendeu que o ex-presidente debateu “medidas constitucionais”, como Garantia da Lei e da Ordem (GLO) e estado de sítio, mas concluiu que elas não eram cabíveis e não foram colocadas em prática. “Um assunto encerrado gerar uma pena de 30 anos não é razoável”, disse o advogado.
Outra parte da defesa se concentrou no acordo de colaboração premiada do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro na Presidência. A delação subsidiou o inquérito do golpe. Foi o assessor quem relacionou o ex-presidente à minuta golpista para anular o resultado das eleições e à reunião com os comandantes das Forças Armadas, em 7 de dezembro de 2022, para tentar cooptar as tropas para o golpe.
Vilardi defendeu que Mauro Cid mudou de versão diversas vezes e que omissões e contradições do delator deveriam anular o acordo, sem aproveitamento dos anexos.
“O que está se pretendendo aqui é reconhecer uma parcial falsidade da delação e ainda assim fazer um aproveitamento dela, diminuindo a pena”, criticou o advogado. “Esse homem não é confiável.”
O advogado fez referência a áudios e conversas em que o tenente-coronel afirma ter sido pressionado a confirmar uma “narrativa pronta”. As mensagens foram reveladas pela revista Veja e também pelo advogado Eduardo Kuntz, que representa o coronel Marcelo Câmara, réu no núcleo dois da trama golpista.
“Ele era importante antes de ser desmoralizado. Agora ele está desmoralizado porque pego na mentira pela enésima vez. E agora com duas questões: ele rompeu a delação formalmente, porque rompeu o contrato, mentiu e colocou sua voluntariedade em cheque”, criticou Vilardi.
A denúncia aponta diferentes iniciativas de Bolsonaro e de seus aliados como um único plano coordenado de golpe. O procurador-geral da República Paulo Gonet conectou diferentes episódios que, na avaliação dele, culminaram no plano golpista. A cronologia tem origem em 2021, depois que Lula recuperou os direitos políticos. Ali teve o início o discurso capitaneado por Bolsonaro de “ruptura institucional” e de ataque às urnas eletrônicas, segundo o procurador-geral. Os fatos são encadeados até o 8 de Janeiro, o “momento culminante da balbúrdia” e “a derradeira opção disponível”, conforme a linha do tempo traçada por Gonet.
A defesa questiona a organização da acusação. “É um recorde mundial, um iter criminis [etapas para o crime] que dura mais de ano”, criticou Vilardi.
O criminalista argumentou também que a transmissão ao vivo não poderia ser considerada o marco inicial do plano de golpe. “Dizer que o crime de abolição do estado de direito começou em uma live sem violência é subverter o próprio Código Penal. Onde está a violência ou grave ameaça?”
A defesa evitou enfrentamento direto ao ministro Alexandre de Moraes, mas insistiu, como vem fazendo desde a fase de investigação, que não teve tempo hábil para analisar todas as provas dos autos, que somam mais de 70 terabytes.
“Eu não conheço a íntegra desse processo. O conjunto da prova eu não conheço. São bilhões de documentos. Em uma instrução de 15 dias, seguida de interrogatórios”, lamentou Vilardi.
O criminalista reclamou também que o ministro impediu as defesas de fazerem perguntas aos réus dos outros núcleos em seus interrogatórios. A denúncia da PGR foi fatiada em quatro núcleos (crucial, gerência, desinformação e ações coercitivas) para facilitar o andamento dos processos. “Nós não pudemos perguntar. Eu requeri, agravei, também não foi processado. Isso é algo inusitado”, criticou.
Bolsonaro acompanhou os primeiros dias de julgamento de casa, onde cumpre prisão domiciliar sob vigilância policial constante. A Polícia Federal alertou para o risco de fuga depois de encontrar, no celular do ex-presidente, uma minuta de pedido de asilo político à Argentina.