3 de setembro de 2025
Politica

Defesas buscaram afastar outros réus de Bolsonaro em julgamento, avaliam especialistas

As defesas dos réus na ação penal do golpe tentaram se dissociar do ex-presidente Jair Bolsonaro durante as sustentações no Supremo Tribunal Federal (STF), numa tentativa de reduzir responsabilidades individuais e evitar associação à cúpula da trama golpista. Essa é a avaliação de criminalistas e juristas ouvidos pelo Estadão. Eles apontam que os advogados também concentraram suas estratégias em alegar nulidades processuais para tentar obter votos divergentes que possam anular provas da investigação.

As sustentações orais terminaram nesta quarta-feira, 3, com a fala dos advogados dos acusados de integrar o chamado “núcleo crucial” da trama que, segundo a Procuradoria-Geral da República (PGR), tentou subverter o resultado das eleições de 2022. Cada defesa teve 60 minutos para apresentar seus argumentos.

Além do ex-presidente, falaram os advogados de Mauro Cid, Alexandre Ramagem, Almir Garnier, Anderson Torres, Augusto Heleno, Paulo Sérgio Nogueira e Walter Braga Netto. Todos respondem por golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, participação em organização criminosa armada, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado.

Diante de Moraes, defesas tentaram afastar seus clientes de Jair Bolsonaro na trama golpista
Diante de Moraes, defesas tentaram afastar seus clientes de Jair Bolsonaro na trama golpista

Para o jurista e ex-desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo Walter Maierovitch, as defesas não conseguiram contestar, no mérito, os episódios descritos pela PGR que, na visão da acusação, configurariam o planejamento de um golpe de Estado. “As provas reunidas na ação são fartas, fartas até demais. Fica complicado para a defesa ir por aí”, afirma.

A estratégia, avalia Maierovitch, é tentar isolar Bolsonaro e livrar os demais réus dos crimes apontados pela PGR, jogando a responsabilidade sobre o ex-presidente. Para a acusação, ele seria o maior beneficiário caso a empreitada tivesse sucesso. “Bolsonaro neste momento é ‘tóxico’ para os demais réus”, diz.

Esse foi o caminho adotado pelo advogado Andrew Fernandes Farias, defensor do ex-ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, que afirmou que seu cliente tentou “dissuadir” o ex-presidente de suas intenções golpistas.

Na mesma linha, o advogado de Augusto Heleno, Matheus Milanez, alegou que o general teria se afastado do núcleo do governo após a derrota nas urnas. Já a defesa de Braga Netto foi mais enfática ao negar a autoria de qualquer crime e pedir a absolvição do general.

O mesmo movimento apareceu no primeiro dia de sessão, quando a defesa de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, buscou se descolar do ex-presidente ao afirmar que a função de “faz tudo” apenas “atrapalhou a vida” do militar”.

Entre as provas reunidas pela PGR estão reuniões nas quais Bolsonaro teria tentado convencer os comandantes das Forças a aderir a uma minuta com “memorandos” para reverter sua derrota para Lula em 2022, o chamado Plano Punhal Verde-Amarelo, assim como os atos de 8 de janeiro.

Se no mérito as defesas apostaram em se afastar de Bolsonaro, no campo processual concentraram em alegar nulidades, avalia a professora da ESPM e pesquisadora da USP Ana Laura Barbosa.

Ela destaca que grande parte dos advogados sustentou não ter tido acesso pleno às provas com a antecedência necessária e, quando o acesso foi liberado, havia uma quantidade excessiva de documentos, sem tempo hábil para análise adequada. “Os argumentos de cerceamento de defesa são bastante contundentes, comprovados pelas datas nas quais os advogados tiveram acesso aos documentos”, diz.

O criminalista Celso Vilardi, que comanda a defesa de Bolsonaro, foi na mesma direção ao criticar a fase de instrução – etapa em que são colhidas provas, depoimentos e diligências antes do julgamento.

Vilardi se queixou dos prazos curtos para analisar um volume grande de dados. “Não houve paridade de armas”, afirma, citando um parecer elaborado pelo advogado Gustavo Badaró. “São bilhões de documentos numa instrução de menos de 15 dias, seguida de interrogatório”, critica.

Na avaliação do criminalista Renato Vieira, ex-presidente da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas (Abracrim ), esses vícios têm potencial de gerar divergências nos votos dos ministros da Primeira Turma, composta por Luiz Fux, Alexandre de Moraes, Cristiano Zanin, Cármen Lúcia e Flávio Dino. “Isso é muito grave e será levado em conta”, afirma.

Maierovitch acrescenta que Fux, que vem apresentando contrapontos desde o início da ação penal do golpe, é um processualista e dificilmente deixará de considerar esses aspectos técnicos no momento do voto.

Por outro lado, o criminalista e coordenador de Direito da ESPM-SP Marcelo Crespo pontua que os demais pontos levantados pelas defesas não trazem novidades e dificilmente terão efeitos práticos – avaliação acompanhada por outros especialistas.

Entre as principais teses levantadas estão o pedido de anulação da colaboração de Mauro Cid, a alegação de que os fatos imputados pela PGR seriam atos meramente preparatórios, portanto não puníveis pela legislação, e a tentativa de afastar os réus da responsabilidade pelo 8 de janeiro.

A defesa de Bolsonaro, por exemplo, afirmou que o ex-presidente foi “dragado” para o episódio, colocando em dúvida seu papel de comando e a ligação direta com os ataques. “Esses pontos estão superados e dificilmente terão efeitos práticos”, completa Crespo.

 

 

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