Governo Trump aceita em audiência advogado que propõe fiscalização militar dos EUA nas eleições 2026
BRASÍLIA – O governo Donald Trump admitiu que o advogado bolsonarista Ricardo Freire Vasconcellos, participe do processo de investigação comercial da Seção 301, aberto por supostas práticas concorrenciais desleais do Brasil. Ele pretende fazer uma intervenção em audiência na qual discursará a favor do tarifaço contra o Brasil e pedirá que militares dos Estados Unidos monitorem e fiscalizem as eleições presidenciais de 2026.
O advogado está em Washington e aparece como um dos oradores do sexto e último painel de interessados a falar nesta quarta-feira, dia 3, perante o Comitê da Seção 301, responsável por conduzir o processo de investigação aberto pelo Escritório do Representante Comercial dos EUA (USTR).
Procurado, o advogado disse que a proposta de fiscalização, já enviada ao USTR por escrito, foi um dos assuntos levantados pelos seus clientes, mas que não seria uma questão da audiência. “Os assuntos são sanções 301”, afirmou.

Em dossiê de sete páginas enviado ao USTR, Vasconcellos listou uma série de acusações sem provas contra ministros do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior Eleitoral. Ele sugeriu sanções pessoais a eles e medidas comerciais punitivas ao Brasil e propôs uma cooperação, por meio de acordo técnico militar, entre as Forças Armadas de ambos países para segurança, fiscalização da votação e da contagem de votos no ano que vem.

Vasconcellos pediu que o USTR inclua um eixo sobre “corrupção, opacidade eleitoral e repressão” no âmbito da apuração da Seção 301, “por seus efeitos comerciais e geopolíticos”. Sugeriu ainda que o Brasil não seja mais reconhecido como “democracia funcional até que haja garantia formal de apuração pública de votos em 2026″.
“Este comentário insta o USTR a investigar se a interferência sistêmica do Brasil nas eleições, sem cédulas de papel, aliada à censura, à aplicação seletiva da lei e ao tratamento preferencial de conglomerados aliados, constitui práticas desmedidas e discriminatórias nos termos da Seção 301, que oneram o comércio dos EUA”, escreveu ele ao USTR. “Esses arquivos solicitam que os EUA retirem o governo brasileiro do mercado de amizade dentro dos EUA, investiguem as autoridades judiciais e administrativas listadas abaixo e exijam a realização de eleições transparentes em 2026 com contagem pública. Como proposta de mitigação operacional, um acordo técnico-militar EUA-Brasil é sugerido para proteger a integridade das eleições e evitar a captura por facções criminosas.”
O advogado requisitou sanções da Casa Branca e do Congresso americano aos ministros do Supremo Tribunal Federal Luis Roberto Barroso, Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Cármen Lúcia.
O mesmo deve ser aplicado ao procurador-geral da República, Paulo Gonet, ao ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, e ao delegado da Polícia Federal Fabio Shor, responsável pelo inquérito do golpe.
No documento, ele fez uma miscelânea de temas e aponta relações. O texto citou “sinais de colaboração sensível à segurança dos EUA” por causa de posicionamento favorável ao Irã e a produção de urânio e acusou “apoio do PT a células terroristas do Hezbollah”.
Segundo ele, houve pressão externa do governo Joe Biden para aceitação do resultado eleitoral de 2022 sem contestação. Ele defendeu os EUA reconheçam que houve um “golpe de Estado branco” e que o governo Lula é ilegítimo.
Vasconcellos diz que os “EUA devem pressionar para que as eleições de 2026 sejam realizadas com contagem pública e auditável de votos (cédula física)”. O proposto acordo técnico militar entre Brasil e EUA para “garantir a integridade”, segundo ele, seria justificado pela infiltração do narcotráfico e pelo risco de coerção local no momento de contagem de votos.
Segundo o advogado, os Exército americano poderia “fornecer tecnologia de rastreamento; compartilhar expertise em segurança eleitoral e cadeia de custódia; treinar as tropas federais e estaduais em protocolos antifraude e anticaptura; instalar centros de comando e controle integrados para resposta rápida”. Ele propõe que eventual acordo deve “limitar e garantir que a cooperação seja técnica, não intervencionista e voltada exclusivamente para a integridade das cédulas”.
A audiência pública era aberta a qualquer interessado, mas os pedidos de aparição para testemunhar pessoalmente no caso deveriam apresentar um sumário dos argumentos e foram selecionados pelo órgão americano. Também coube à autoridade comercial, chefiada pelo embaixador Jamieson Greer, elaborar a divisão em painéis de assuntos correlatos e a ordem deles.
O Estadão não conseguiu identificar entre os demais inscritos algum de teor semelhante à proposta de discurso de Vasconcellos.
Ao todo 39 oradores discutem alegações do governo Trump nesta quarta-feira, dia 3, em Washington. Cada um vai dispor de 5 minutos para falar.
Do lado brasileiro, houve inscrições de empresas e entidades setoriais, a exemplo de Weg, Embraer, CNA, CNI e Fiesp, entre outras. Pelos americanos, vão falar a Câmara de Comércio dos Estados Unidos e a Associação de Combustíveis Renováveis (RFA, na sigla em inglês), que representa produtores do etanol, a Associação Nacional dos Pecuaristas, entre outros.
Ricardo Freire Vasconcellos se inscreveu como representante da entidade Congresso Conservador do Brasil (CCB-USA). Essa organização política de direita criada por militantes atua junto à comunidade brasileira nos EUA desde 2022 e já promoveu palestras do comunicador Paulo Figueiredo, que faz lobby junto ao governo Trump em favor das sanções e defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro.
Vasconcellos já defendeu o blogueiro Oswaldo Eustáquio, considerado foragido da Justiça brasileira desde 2023 e que se exilou na Espanha, onde também obteve um visto americano. O país europeu negou um pedido de extradição dele por ver motivações políticas no caso. Eustáquio é acusado de ameaça, corrupção de menores e tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito.
A audiência é uma fase de instrução do processo e consulta pública para que os interessados forneçam dados e argumentos para embasar ou refutar as alegações e assim subsidiar a futura decisão do USTR. O órgão pode determinar a imposição de tarifas e outras medidas restritivas como resposta.
O USTR abriu o processo para apurar atos, políticas e práticas do Brasil relacionadas ao comércio digital e serviços de pagamento eletrônico (incluindo oPix), tarifas preferenciais injustas, aplicação da lei anti-corrupção, proteção de propriedade intelectual (caso da 25 de Março, tida como um mercado de produtos piratas), acesso ao mercado do etanol e desmatamento ilegal.
O Estadão apurou que o governo brasileiro vai acompanhar a audiência, mas não pediu para se pronunciar. No último dia 18, o governo Lula enviou um calhamaço de comentários por escrito como defesa, no qual refutou as acusações de concorrência desleale afirmou não reconhecer a legitimidade da apuração com base na Seção 301 da Lei de Comércio dos EUA, de 1974.