Lula entra na ofensiva para barrar avanço da anistia e Centrão se divide sobre saída do governo
BRASÍLIA – O governo Lula entrou na ofensiva para barrar a tentativa do Centrão e de líderes do PL de emplacar um projeto de anistia ao ex-presidente Jair Bolsonaro e a todos os envolvidos na trama golpista do 8 de Janeiro de 2023. Para tanto, conta com o apoio do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), que apresentará uma proposta com o objetivo de tirar de cena o movimento pelo perdão amplo, geral e irrestrito.
Em troca, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva manterá todos os indicados por Alcolumbre no governo, embora a cúpula da federação formada por União Brasil e PP tenha decidido entregar os cargos até o fim do mês. Na lista dos apadrinhados por Alcolumbre estão os ministros das Comunicações, Frederico de Siqueira Filho, e do Desenvolvimento e Integração Nacional, Waldez Góes, além de superintendentes da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf).
A estratégia para enfrentar o tema do indulto, em plena temporada de julgamento de Bolsonaro pelo Supremo Tribunal Federal (STF), foi definida pelo ministro da Secretaria de Comunicação Social, Sidônio Palmeira, e prevê associar quem patrocina o projeto aos defensores de uma “intervenção” dos Estados Unidos no Brasil.

O principal alvo da ofensiva é o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), que tem feito articulações públicas pela anistia, na tentativa de receber a benção de Bolsonaro para disputar a Presidência, em 2026.
“Se votar no Congresso, corremos o risco da anistia’, disse Lula nesta quinta-feira, 4, no Aglomerado Vila da Serra, maior favela de Belo Horizonte, ao lançar o programa Gás do Povo. “O Congresso tem ajudado o governo, mas a extrema direita tem muita força ainda. Então, é uma batalha que tem que ser feita também pelo povo”, completou.
Em Natal, a ministra da Secretaria de Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, foi na mesma linha. “A anistia é o presente que o governador Tarcísio quer dar para o Trump e ele vai colocar pressão em cima do Congresso”, afirmou Gleisi, numa referência ao presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. “Mas o Congresso não pode compactuar com isso e ser agente desse desrespeito ao STF. Vai ser um vexame internacional, se acontecer”.
O projeto de lei que Alcolumbre pretende apresentar foi elaborado em abril pela equipe da consultoria legislativa do Senado. Passou pelas mãos de Rodrigo Pacheco (PSD-MG), advogado e ex-presidente da Casa, mas não chegou a ser apresentado.
Desde que o movimento da anistia foi ressuscitado, porém, a proposta vem recebendo ajustes. A minuta do texto não beneficia Bolsonaro, como quer o Centrão, que, em contrapartida ao empenho para aprovar o indulto, reivindica o apoio do ex-presidente a Tarcísio.
O projeto estabelece a redução de penas para aqueles que participaram dos ataques de 8 de Janeiro, mas não planejaram nem financiaram a tentativa de ruptura da democracia.
Uma das ideias discutidas com ministros do STF é alterar a legislação para punir pessoas que, embora sem planejar, cometem delitos influenciadas por uma multidão.
Atualmente, a lei prevê reclusão de 4 a 8 anos para o crime de tentativa de abolição do estado democrático de direito. Já para tentativa de golpe a pena é de 4 a 12 anos de prisão. Com um novo tipo penal, o tempo de punição poderia ser reduzido à metade.
O tema chegou a ser discutido há cerca de 40 dias, durante reunião com o decano do STF, Gilmar Mendes, o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, o deputado Sóstenes Cavalcante (RJ), que comanda a bancada do partido na Câmara, e o líder da Oposição no Senado, Rogério Marinho.
De lá para cá, nenhuma medida avançou. Mas desde terça-feira, quando a Primeira Turma do STF começou a julgar Bolsonaro e outros sete réus, as articulações pró e contra a anistia votaram a dominar os bastidores do poder.
Em almoço com Alcolumbre, Gleisi e ministros do União Brasil no Palácio da Alvorada, nesta quarta-feira, 3, Lula ouviu relatos sobre a correlação de forças no Congresso e repetiu que é imprescindível barrar a anistia.
Embora a federação União-PP tenha decidido deixar o governo e apoiar Tarcísio para o Planalto, o ministro do Turismo, Celso Sabino –, que estava presente no encontro com Lula – deve pedir licença do partido e continuar no cargo.
Na mesma quarta-feira, os presidentes do PSD, Gilberto Kassab, e do Republicanos, Marcos Pereira, almoçaram juntos, em Brasília. Nenhum dos dois partidos deixará o governo Lula, embora sejam os pilares da gestão Tarcísio.
O PSD apoia que o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), paute o projeto da anistia, mas vai liberar a bancada para que cada um vote como quiser.
Gleisi disse que Alcolumbre e ministros do União Brasil reafirmaram o apoio ao governo e se comprometeram a trabalhar contra uma proposta para anular a esperada condenação de Bolsonaro.
“O que eu acho importante destacar é: quem quer sair do governo, sai, ninguém é obrigado a ficar. Mas quem ficar tem que apoiar o presidente Lula e fazer articulações no Congresso para os nossos projetos, tendo mandato ou não, inclusive aqueles que indicaram cargos no governo”, avisou a ministra.
Tarcísio jantou na quarta-feira,3, com Sóstenes, líder da bancada do PL, e o pastor Silas Malafaia. No cardápio, além dos atos de 7 de Setembro, estava o projeto de anistia. Nesta quinta-feira, 4, o deputado também se reuniu com Motta, que na véspera esteve com Tarcísio para tratar do mesmo assunto.
Pressionado pelo STF, além do governo e oposição, Motta tenta ganhar tempo. “O governador é um querido amigo, é do nosso partido, e temos dialogado sempre. Ele tem interesse que se paute a anistia, mas ainda estamos ouvindo todos”, desconversou.
Sóstenes, por sua vez, criticou a atuação do STF. “Não é correto que ministro do Supremo interfira para o presidente da Câmara não pautar o projeto de anistia. Isso não é republicano”, protestou o deputado. “Nós não temos interesse nesse projeto alternativo do Alcolumbre”.
O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) foi na mesma linha. “Não existe anistia meia bomba”, declarou o filho do ex-presidente, em entrevista ao Estadão/Broadccast. “Não tem outra alternativa a não ser uma anistia ampla, geral e irrestrita.”
Diante de tanta confusão, aliados de Lula interpretaram como um mau sinal declarações sobre anistia dadas recentemente pelo presidente do STF, Luís Roberto Barroso. No mês passado, ao participar de ato promovido pela Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso , Barroso afirmou que juridicamente é impossível aprovar anistia antes da conclusão do julgamento. Observou, porém, que depois disso, o assunto passa a ser uma “quesão política”, que deve caber ao Congresso.
“Não estou dizendo que acho bom, nem ruim, nem que deve fazer e nem que não deve. Mas pode ser um fator de pacificação”, observou o magistrado, em Cuiabá. Nas redes sociais, apoiadores de Bolsonaro usaram a frase para sustentar que há uma brecha para a anistia.
Barroso observou, nesta quinta-feira, que não se manifestou sobre o perdão ao ex-presidente. “Não defendi a ideia de anistia. E, caso o tema seja judicializado, não emiti opinião sobre como o tribunal se posicionará neste caso. Nunca antecipo voto”, disse.