9 de setembro de 2025
Politica

7 de Setembro: a contrarrevolução conservadora do Brasil

“Pedro, se o Brasil for se separar de Portugal, antes seja para ti, que irá respeitar a mim (e meus valores), do que para algum desses aventureiros.” Com essa frase, dita em 1821, Dom João VI expressou sua preferência por entregar o futuro do Brasil ao filho, Pedro, em vez de ver o território nas mãos de revolucionários. A declaração antecipou o que de fato ocorreria no processo de independência do país: uma disputa política travada principalmente entre elites europeias – as que viviam no Brasil e as que estavam em Portugal -, com pouca participação dos brasileiros, que, em tese, eram os maiores interessados.

Estátua de Dom Pedro I na Praça Tiradentes, no Rio
Estátua de Dom Pedro I na Praça Tiradentes, no Rio

Embora no âmbito da Ciência Política exista um certo consenso de que a Independência do Brasil possa ser classificada como uma “contrarrevolução conservadora”, essa perspectiva é menos comum no campo jurídico, algo que merece reflexão neste 7 de setembro. Para compreender melhor essa questão, por sua vez, é preciso voltar alguns anos no tempo e observar certas dinâmicas políticas portuguesas à época.

A Corte Portuguesa no Brasil: a Crise e a Fuga

No início do século XIX, em meio às Guerras Napoleônicas (1803-1815), a corte portuguesa, temendo a invasão francesa, tomou a decisão de se transferir da Europa para a América Latina. Em janeiro de 1808, a Família Bragança chegou ao “Estado do Brasil”1, promovendo-o de mercado colonial ao de sede do agora Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, cuja capital deixou de ser Lisboa e passou a ser o Rio de Janeiro.

Entre os legados das Guerras Napoleônicas, por sua vez, teve-se o famigerado Tratado de Strangford de 1810 que garantiu uma série de privilégios comerciais à Grã-Bretanha em troca de proteção militar aos portugueses. Com isso, para além da crise decorrente da guerra, teve-se um grande decaimento social em razão do virtual domínio inglês em diversas questões mercantis chaves do Reino de Portugal.

A Revolução do Porto e o Retorno da Corte

Foi nesse contexto de crise que a burguesia portuguesa, insatisfeita com os rumos do país, iniciou a Revolução do Porto em 1820. O movimento se espalhou rapidamente para outras cidades, como Lisboa, e o governo absolutista de Dom João VI parecia perto do fim.

Para conter a crise e os revoltosos, e com o fim da ameaça de Napoleão, os Bragança decidiram retornar a Portugal em 1821, restaurando Lisboa como capital do reino. Dom João VI, no entanto, deixou seu filho, o príncipe herdeiro Pedro de Alcântara, como regente no Brasil e deu-lhe a recomendação que abre o presente estudo.

Em Portugal, todavia, os revolucionários formaram um governo provisório e iniciaram o primeiro processo constitucional português, cujo principal objetivo era dar um fim ao absolutismo. O novo governo decidiu dissolver o governo do Rio de Janeiro, estabelecer uma nova junta governativa para o Brasil e convocou o príncipe herdeiro de volta a Portugal para jurar obediência à nova constituição.

Nesse momento, Pedro de Alcântara decidiu não aceitar as ordens e permaneceu no Brasil. Esse evento, em janeiro de 1822, ficou historicamente conhecido como o “Dia do Fico”.

Independência: um novo império, um velho poder

Após alguma resistência política, mas não militar, Pedro de Alcântara declarou a independência do Brasil em 7 de setembro de 1822 e se autodeclarou Imperador com o nome de Dom Pedro I, em uma clara alusão aos títulos reais de Portugal.

Dom Pedro I prometeu elaborar uma constituição liberal, mas a constituição de 1824 criava uma série de questões institucionais para manter a centralidade política do imperador. Embora nominalmente fosse um monarca constitucional, na prática ele era chefe de estado e de governo, o que criava uma espécie de “absolutismo soft” com poucas limitações institucionais.

Entre as prerrogativas imperiais mais relevantes, destaca-se o poder de ser chefe do Executivo e, também, do Poder Moderador. O papel principal desse poder era “manutenção da independência, equilíbrio, e harmonia dos mais Poderes Políticos” (artigo 98 da Constituição Imperial de 1824). Para isso, o imperador poderia, entre outras coisas, dissolver o Parlamento, suspender juízes, nomear e demitir livremente ministros de Estado e até mesmo senadores (artigo 101).

Dessa forma, apesar de supostamente inspirada na monarquia parlamentar inglesa, o modelo brasileiro era, na prática, o seu oposto (ironicamente chamado de “parlamentarismo às avessas”), no qual o imperador mantinha o poder de ditar os rumos políticos do país.

A contrarrevolução brasileira: preservando a ordem, evitando a ruptura

Ao analisar o institucionalismo histórico, existe um certo consenso de que as instituições possuem uma perspectiva relativamente permanente e que solidificam um conjunto de “trajetos possíveis” em termos de rumos políticos em certo contexto histórico-social. Os defensores dessa vertente de pensamento entendem que o grande trunfo das instituições é a de criar limites para a trajetória coletiva, trazendo estabilidade para a sociedade. Em outras palavras, decisões herdadas decisões herdadas estruturam e limitam decisões ulteriores (“path dependacy”), encorajando as forças sociais a se organizar de acordo com essas orientações.

Consequentemente, qualquer processo de mudança “normal” tende a ser um processo bastante vagaroso e paulatino. Todavia, em algumas “situações críticas” demandam-se mudanças institucionais importantes. Em geral, crises econômicas ou de disputa de poder graves como conflitos militares (mas não apenas), são tidas como as causas clássicas de revoluções criadores dessas excepcionais “bifurcações” institucionais capazes de conduzir ao desenvolvimento de um novo trajeto em termos de organização de poder2.

Quando olhamos para a emancipação política dos diversos países da América Latina, entendemos melhor esses processos que, em geral, possuem um viés de ruptura com o período colonial anterior. Um exemplo marcante é o processo de independência do Haiti, no qual ex-escravizados, insatisfeitos com o domínio colonial, iniciaram uma disputa de poder contra a França e inauguraram um novo regime político na ilha de São Domingos.

No entanto, essa perspectiva não se aplica a todos os movimentos de independência latino-americanos, e o Brasil é um grande exemplo disso. O país se fundou como nação independente em 1822, mas não por meio de uma revolução emancipadora. A nossa independência foi, em realidade, uma contrarrevolução conservadora, com uma perspectiva de manutenção de poder de Dom Pedro I, que viu no processo de independência brasileira a possibilidade de manter a centralidade política da família Bragança, que estava em vias de se esfacelar em Portugal.

Independência enquanto ato de heroísmo ou solução pragmática para manutenção de privilégios?

A visão de “contrarrevolução conservadora” ajuda a explicar por que a nossa independência, diferente da de outros países da América Latina, não resultou em um governo republicano. A ruptura com Portugal não significou uma mudança radical na estrutura de poder interna do Brasil. Pelo contrário, ela serviu para manter privilégios e a ordem social vigente.

A monarquia foi preservada, a escravidão continuou, e as elites agrárias garantiram seus privilégios econômicos e políticos. A independência foi mais uma negociação entre elites do que uma verdadeira revolução popular. A figura de Dom Pedro I, que se tornou imperador, foi essencial nesse processo, representando a continuidade da ordem e a garantia de que a sociedade escravista e hierárquica não seria abalada.

Essa perspectiva questiona a ideia tradicional de que a independência foi um ato de heroísmo e liberdade. Em vez disso, a enxerga como uma solução pragmática para uma crise, uma forma de evitar a instabilidade e as transformações sociais mais profundas que a Revolução Liberal do Porto poderia ter provocado. Essa visão de “contrarrevolução” oferece uma lente crítica para analisar o Brasil do século XIX e, de certa forma, as raízes de muitas estruturas sociais e políticas que persistem até hoje.

1 “Estado do Brasil” (1549-1815) era o nome da unidade administrativa portuguesa durante o período colonial na área territorial que abarca hoje a denominada “República Federativa do Brasil”.

2 HALL, Peter & TAYLOR, Rosemery. As Três Versões do Neoinstitucionalismo. In Revista Lua Nova, n. 58, 2003, p. 200-201.

 

 

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