Longe do centrão e das rodas de empresários, Tarcísio se exibe mais radical do que antes na Paulista
A centro-direita brasileira tem um candidato que considera mais palatável que qualquer um com sobrenome Bolsonaro: o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos). Mas aquele governador que conversa com empresários e líderes do Centrão, falando de economia e de uma alternativa viável ao PT, quando subiu ao palanque entre os mais radicais bolsonaristas na Avenida Paulista, resolveu se transformar. Do alto do trio elétrico, mudou profundamente seu discurso em pouco mais de dois meses para dizer aquilo que o núcleo do bolsonarismo precisava ouvir.
Em vez de falar de um futuro de superação ao governo Lula, questionando a inflação e citando realizações da gestão da qual participou, entrou em cena um convicto crítico do papel atual do Judiciário, e alguém que pressiona publicamente até um integrante de seu partido, o presidente da Câmara, Hugo Motta, para que paute a anistia. Que fala em “ditadura” e “tirania” de Alexandre de Moraes, este citado pela primeira vez. Não é uma mudança sutil.

Neste domingo, 7 de Setembro, Tarcísio citou a anistia 19 vezes em sua fala. Em 29 de junho deste ano – no último ato a que compareceu antes de driblar o do dia 3 de agosto com um procedimento cirúrgico em meio à radicalização bolsonarista – a palavra de ordem surgiu apenas uma vez em todo o discurso.
Agora, disposto a garantir o apoio de Bolsonaro para 2026 apesar da pressão da família do ex-presidente por alguém da família, Tarcísio não dribla a imagem de que é de “direita”. Foram 12 vezes essa palavra no discurso. Nenhuma no final de junho.
As referências ao Judiciário não vieram apenas na acusação a Moraes. Foram oito citações à Justiça (apenas três no discurso anterior), com críticas sobretudo ao julgamento de Bolsonaro, apontado como injusto e com cerceamento de defesa. E com um recado de que um resultado de revés contra seu ex-chefe não será aceito: “Como nós vamos admitir uma condenação? E aí só uma forma de resolver isso: é a anistia. Anistia Já. Anistia ampla.”
Enquanto mirava os canhões ao Judiciário usando até mesmo falas de André Mendonça, ministro da Corte, Tarcísio deixou de lado os recados que, geralmente, eram interpretados como já uma campanha dele para 2026. No final de junho estava “tudo caro”, como ressaltado três vezes. Agora, nenhuma referência. Situações que o Brasil não “aguenta”, palavra repetida 23 vezes naquela ocasião, desapareceram completamente do discurso. Sumiram também prosperidade (4 vezes em junho), esperança (3 vezes) e coração (3 vezes).
Enquanto isso, quase dobraram as referências ao agora ausente Bolsonaro. Onze em vez de seis. Afinal, a ordem passou a ser, ao contrário, demonstrar a fidelidade para virar um jogo interno. Em um evento em que Michelle Bolsonaro pela primeira vez falou depois dele e teve apresentação muito mais efusiva por causa dos organizadores.
Tarcísio estava lá para driblar as acusações de que se movimenta antes da hora. Cujos recados foram dados pelos principais nomes que pisaram no trio elétrico antes e depois dele. De Valdemar Costa Neto, que avisou não haver plano B a Bolsonaro, a Silas Malafaia, que, em recado direto ao centrão representado por Ciro Nogueira, enfatizou que, sem que o ex-presidente possa falar, só Michelle e Flávio dirão qual é o outro nome para as urnas.
Na Paulista, Tarcísio fez exatamente o contrário do que precisará fazer na eleição se quiser superar Lula em um eventual segundo turno. Enquanto o bolsonarismo enxerga como um passo à frente na aproximação com a família, trata-se de um passo atrás no projeto presidencial: ao aceitar ser subjugado pelo ex-presidente, o governador reconhece que, sem ele e os familiares, não poderia ir adiante. Quando o apoio estiver garantido, se der tempo, aí virão os acenos ao centrão da política e ao centro do eleitorado.
A jogada é arriscada. A eleição já está aí e mesmo quem estava no palco sabe bem disso. Como exibido antes do hino nacional, quando Valdemar Costa Neto pegou o microfone para apresentar um irmão de Bolsonaro como candidato a deputado citando até o número dele na urna. Ou com o espaço precioso dedicado a senadores, deputados, vereadora e até ex-vereador, geralmente renegados ao chão ou a um trio alternativo, mas que agora ganharam voz com vistas a fortalecer as bancadas do PL. A campanha está autorizada para todos, menos para Tarcísio, que precisa vencer, primeiro, as prévias internas nas quais quem vota são Bolsonaro e a família. Justo os que exigem discurso e atitude cada vez mais radical. Ele está entregando.