Lula autorizou nota de reação do Brasil à ‘ameaça militar’ da Casa Branca, vista como jogo combinado
BRASÍLIA – O presidente Luiz Inácio Lula da Silva acompanhou, pessoalmente, a elaboração da nota pela qual o governo brasileiro rebateu a ameaça de uso do poder militar dos Estados Unidos, pelo governo Donald Trump, para “proteger a liberdade de expressão”.
A declaração foi dada pela porta-voz da Casa Branca Karoline Leavitt, em resposta a uma pergunta sobre eventuais novas sanções ao Brasil por causa da ação penal que julga o ex-presidente Jair Bolsonaro. O julgamento estava em andamento em Brasília durante a declaração de Leavitt – naquele momento apenas Alexandre de Moraes, ministro-relator, havia votado a favor da condenação.

Em Washington, a secretária de imprensa de Trump afirmou: “Eu não tenho nenhuma ação adicional para antecipar para vocês hoje, mas posso dizer que isso é uma prioridade para a administração e o presidente (Trump) não tem medo de usar o poder econômico, o poder militar dos Estados Unidos da América para proteger a liberdade de expressão ao redor do mundo”.
O presidente Lula discutiu o tema diretamente com o ministro das Relações Exteriores, Mauro Viera, durante viagem a Manaus (AM), nesta terça-feira, dia 9. Em seguida, funcionários da Presidência e do Itamaraty deram sequência à redação e providências para aprovação do presidente.
A nota expressa que “o governo brasileiro condena o uso de sanções econômicas ou ameaças de uso da força contra a nossa democracia”. “O governo brasileiro repudia a tentativa de forças antidemocráticas de instrumentalizar governos estrangeiros para coagir as instituições nacionais”, diz o comunicado.
A ameaça do governo Trump coincide com o despacho de uma frota naval e caças ao Mar do Caribe, tendo como alvo declarado o narcotráfico da Venezuela. Lula disse que a movimentação militar é “fator de tensão” na América Latina. Mas militares descartam riscos ao País.
‘Jogo combinado’
A diplomacia brasileira interpretou que houve um “jogo combinado” na coletiva de imprensa da presidência americana. Isso porque a pergunta sobre o caso de Bolsonaro veio de um ativista e jornalista alinhado ao movimento trumpista MAGA (Make America Great Again).
Leavitt respondeu a uma pergunta feita por Michael Shellenberger, que articulou a divulgação de uma série de conteúdos batizados de Twitter Files Brazil, questionando as ordens judiciais sobre plataformas americanas.
Shellenberger não é presença constante entre os setoristas na Casa Branca, mas foi anunciado pela secretária de imprensa, que concedeu a ele a primeira pergunta. Ela tinha dados prévios sobre a audiência do portal do jornalista, que aproveitou o questionamento para agradecer as ações de Trump.

O Itamaraty já tinha sido informado de que operações midiáticas de tabelinha como essa poderiam ocorrer em Washington. Um embaixador lembrou que algo similar ocorreu durante audiência no Capitólio com o secretário de Estado, Marco Rubio.
O Palácio do Planalto ordenou que o governo não deixe sem resposta cada “ataque” vindo de Washington, mas tomou cuidados para também não escalar uma crise.
O governo entende que precisa reagir sempre em defesa da soberania, pois o embate rendeu dividendos políticos e ajudou na recuperação da popularidade de Lula. O Planalto acha que emplacou sua narrativa.
A semana corria sem embates de relevo, exceto tuítes de um diplomata trumpista do Departamento de Estado, o subsecretário Darren Battie, interlocutor de Eduardo Bolsonaro e Paulo Figueiredo.
Novas sanções no radar
Brasília espera novas punições vinculadas à provável condenação de Bolsonaro no Supremo Tribunal Federal (STF) na trama golpista. Elas ainda não vieram. Especula-se no Planalto que possam ser aplicadas com o resultado confirmado.
O governo Lula não quer dar munição para Trump justificar novas sanções, seja no campo comercial ou sobre autoridades do Executivo ou do Judiciário, como a revogação de vistos e o cerco financeiro da Lei Magnitsky.
Por isso, diplomatas descreveram a nota como algo “sereno” e “contido”, dentro da linguagem padrão. Eles também ponturaram que, ao falar que Trump não hesitaria em usar o hard-power americano, ela não citou especificamente o País e se referiu ao “mundo” de forma geral.
O governo tem buscado abrir canais com o governo americano, mas avalia que nada deve avançar enquanto o julgamento não for concluído. A declaração da Casa Branca e a resposta do Itamaraty não foram objeto de conversas.
Um dos auxiliares de Trump que já estiveram em contato com a embaixadora Maria Luiza Viotti e empresários brasileiros é o tenente-coronel Michael Jensen. Ex-oficial da Força Aérea, ele recentemente nomeado para acompanhar assuntos do Hemisfério Ocidental no Conselho de Segurança Nacional.