A quem interessa a captura do Judiciário?
A Justiça não é um conceito abstrato, pelo contrário: para funcionar efetivamente, depende de instituições concretas e seres humanos reais, capazes de compreender fatos e interpretar leis para resolver conflitos com imparcialidade. Essa é a missão do magistrado – em torno da qual se erige o sistema de Justiça –, cuja força cresce na medida proporcional de sua independência. Valorizá-lo é preciso, portanto, quando o que se almeja é a plenitude do Estado Democrático de Direito.
Na eventualidade de lesão ou ameaça a direitos, o juiz é o primeiro – e, muitas vezes, o único – ponto de contato entre o cidadão e o Estado. Seus esforços extrapolam o exame técnico da legislação e geram repercussões profundas sobre a vida de todos os jurisdicionados: pessoas físicas, empresas e autoridades. Ao decidir, o magistrado pacifica, e, assim, dá forma à resposta estatal à divergência apresentada.
Em um cenário de judicialização crescente e de sobrecarga estrutural do Judiciário, o trabalho do juiz tem se tornado cada vez mais extenuante, devido ora à complexidade dos casos, ora à pressão da opinião pública, à qual se somam ataques organizados nas redes. Submerso na desinformação, o público pouco conhece do cotidiano da magistratura – e menos ainda das regras que salvaguardam a atuação dos juízes, em benefício da própria sociedade.
Nesse 10 de setembro de 2025, data em que completou 76 anos, a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), sempre presente na defesa da independência judicial, sustentáculo inamovível do regime democrático, engaja-se em uma nova campanha de valorização da magistratura. A iniciativa pretende revelar a dimensão do compromisso e da dedicação dos mais de 18 mil homens e mulheres que, diariamente, vestem a toga para viabilizar a distribuição de justiça, dos grandes centros aos pequenos municípios do país.
O propósito é esclarecer o papel desempenhado pela magistratura e reafirmar o entendimento de que o funcionamento regular da Justiça demanda a confiança naqueles que a operam. Esta é uma afirmação de princípios: sem juízes respeitados, o arcabouço de garantias constitucionais perde efetividade e abre espaço para o arbítrio e a tirania.
Por trás da sentença, há um magistrado que responde pelas consequências da decisão, que enfrenta ameaças, desgaste emocional e renúncias familiares. Julgar significa tomar resoluções difíceis, dentro da lei, com base nos autos, com responsabilidade pública, contrariando conveniências quando necessário, assegurando prerrogativas mesmo se impopulares e resistindo a pressões externas. Em suma, julgar significa manter o equilíbrio a despeito da instabilidade geral.
Neste contexto de tentativa constante de captura do Judiciário por interesses políticos ou econômicos, que aumenta os riscos e os desafios do exercício da jurisdição, a figura do juiz não pode ser desumanizada ou reduzida a caricaturas que distorcem sua função, sob pena de prejuízo à prestação jurisdicional e à própria qualidade dos serviços oferecidos à população.
Para além de uma ação institucional, a campanha da AMB é um chamado à reflexão: queremos um país em que juízes tenham condições de agir com desassombro e isenção, ou uma nação onde o medo e a intimidação silenciem a lei? Diante das investidas contra a autoridade judicial, enfraquecer quem julga equivale a fragilizar os direitos que esperamos ver protegidos.