11 de setembro de 2025
Politica

Ação de deputados em esquema de ‘cestas básicas’ ligou alerta de operadores de propina no TO, diz PF

O suposto avanço de um grupo de deputados estaduais sobre o esquema de fraudes na compra de cestas básicas no Tocantins acendeu o sinal de alerta e causou preocupação entre operadores de propinas no governo Wanderlei Barbosa. A informação consta da investigação da Operação Fames-19, fase 2, deflagrada na última quarta-feira, 3 – por ordem do ministro Mauro Campbell, corregedor nacional de Justiça, o governador foi afastado do cargo por seis meses e os parlamentares alvos de buscas.

Em nota, divulgada no dia da deflagração da operação, a Assembleia informou que ‘prestou colaboração total e irrestrita ao STJ’. Wanderlei disse que considerou seu afastamento uma ‘medida precipitada’.

A Fames-19 interceptou ‘desvio sistemático’ de recursos no âmbito da Secretaria do Trabalho e de Desenvolvimento Social e em outras entidades de interesse público vinculadas à gestão Wanderlei A PF identificou licitações fraudadas para fornecimento de cestas básicas desde a pandemia da Covid.

As cestas não existiam, de fato, – salvo exceção em alguns contratos -, daí conhecidas por ‘cestas básicas de papel’, mas o dinheiro público era liberado para quitação das faturas de fornecedores, em geral, empresas de fachada. O prejuízo aos cofres públicos pode ter alcançado R$ 73 milhões, estima a PF.

Os investigadores destacam que o esquema se alastrou de tal forma que acabou despertando o interesse de deputados. Ao menos 10 deles, de uma Casa com 24, teriam direcionado emendas para institutos supostamente ligados a eles próprios.

Investigação aponta repasses de emendas parlamentares de Cláudia Lelis para Instituto ligado à primeira-dama
Investigação aponta repasses de emendas parlamentares de Cláudia Lelis para Instituto ligado à primeira-dama
Diálogos entre os irmãos Paulo César Lustosa e Wilton Pires
Diálogos entre os irmãos Paulo César Lustosa e Wilton Pires
'Paulo César Lustosa entrou em contato diretamente com a deputada estadual', afirma PF
‘Paulo César Lustosa entrou em contato diretamente com a deputada estadual’, afirma PF

Os parlamentares foram alvos de buscas no dia 3. Em sua decisão, o corregedor Campbell não concordou com pedido da PF para afastamento dos deputados e nem que eles fossem submetidos a monitoramento via a instalação de tornozeleiras.

O avanço dos deputados causou preocupação entre os operadores do esquema que teria sido liderado desde o início, ainda na pandemia da Covid, pela primeira-dama do Tocantins Karynne Sotero e seu ex, o lobista Paulo César Lustosa.

Lamentação

O lobista, apontado como operador de propinas de Wanderlei e de aliados do Palácio do Araguaia, parecia certo de seu controle sobre o esquema das cestas básicas. Com a aproximação da ‘concorrência’ oriunda da Assembleia ele não escondeu sua preocupação e lamentou o fato em conversa com o irmão.

Mulher do governador, Karynne Sotero foi casada com Lustosa, o principal ‘operador financeiro’ do atual dela, Wanderlei Barbosa.

A PF interceptou diálogos de Lustosa que indicam sua liderança na organização criminosa que se teria instalado no governo do Tocantins. Durante pelo menos cinco anos, ele transitou com desenvoltura pelos corredores do poder, praticamente senhor da situação. Até que, segundo aponta a Operação Fames-19, o esquema por ele capitaneado ao lado de sua ex ganhou nos deputados ‘concorrência’ de peso.

Em novembro do ano passado, os parlamentares reforçaram sua munição – por meio da aprovação de Emenda à Constituição estadual, a Casa alterou o limite de emendas parlamentares individuais para aproximadamente R$ 10 milhões.

Um capítulo em particular mostra a estratégia dos políticos, segundo a PF. “A despeito de possuir um instituto próprio para fins assistenciais, a deputada estadual Cláudia Lelis (PV) teria procurado o instituto da primeira-dama, Karynne Sotero, possivelmente, com o intuito de se aproximar não apenas dela como também do núcleo político do atual governador do Estado, Wanderlei Barbosa Castro”, diz relatório que embasou a Operação Fames-19, fase 2.

Deputada estadual Cláudia Lelis (PV) afirmou que 'não praticou qualquer irregularidade na destinação de emendas parlamentares'
Deputada estadual Cláudia Lelis (PV) afirmou que ‘não praticou qualquer irregularidade na destinação de emendas parlamentares’

O Instituto de Desenvolvimento e Gestão Social, Esportiva e Cultura é ligado a Karynne.

Em nota, a deputada Cláudia Lelis afirma que ‘não praticou qualquer irregularidade na destinação de suas emendas parlamentares’

‘Os institutos são tudo dos deputados, irmão’

Em um diálogo ‘digno de nota’, segundo os investigadores, travado entre Lustosa e seu irmão Wilton Pires (o ‘Wilton Irmão Líder’) em 12 de junho de 2024 – cinco meses antes da aprovação da emenda dos R$ 10 milhões para cada deputado – , ‘ambos se lamentam do fato de boa parte dos recursos da assistência social do Estado do Tocantins ter sido destinada a institutos ligados aos deputados estaduais locais’.

Wilton Irmão Líder: Tô bem. Tô aqui na Secretaria. A temporada de praia está se preparando. Muitas emendas aí para alguns institutos’. Lustosa: Moço trem tá tão feio que não sei como vai ser essa temporada. Os institutos são tudo dos deputados, irmão. Andei falando com o pessoal aí. Todos têm um instituto. Como é que faz assim?

Wilton Irmão Líder: É, mas…. mas o…. porque que o pessoal veio atrás de nós, da emenda lá da Cláudia? Veio atrás é de nós. Da emenda lá da Cláudia de 300 mil lá pra reforma lá do… do…. complexo lá do…. do idoso. É, num sei…vamos ver…

Lustosa: Ela não quer colocar no dela. Simples aproximação com Karynne. Isso aí é armação. Cláudia não é boba

Wilton Irmão Líder: ali iríamos ganhar 30 mil kkkk

Lustosa: Pois é. Já era. Passou

A avaliação da PF é que, pelo teor do diálogo entre os irmãos Lustosa e ‘Wilton Líder’, ‘é provável que a dissipação de recursos do erário estadual venha a se intensificar por meio da ampliação dos valores reservados para emendas individuais no orçamento estadual’.

Para a PF, o ‘teor do diálogo também evidencia que, pela mera intermediação, era comum que os irmãos recebessem aproximadamente 10% do valor do repasse destinado por deputado estadual’.

A PF argumentou que, embora o repasse não tenha sido concretizado para o Instituto ligado à primeira dama, a cooperação entre a parlamentar (Cláudia Lelis) e a primeira dama ‘ocorreu em outros casos’.

A investigação aponta repasses de emendas parlamentares de Cláudia Lelis para o Instituto ligado à Karynne em 2022, via contratações na Secretaria do Meio Ambiente e Recursos Hídricos – época em que a mulher do governador ocupava a cadeira de secretária Executiva da pasta, e também na Secretaria de Esportes e da Juventude.

‘Umbilical’

Após a apreensão do celular de Lustosa, em 21 de agosto de 2024, os investigadores identificaram ‘a intensa atuação de Karynne Sotero Campos, esposa do governador Wanderlei Barbosa, no desvio de recursos públicos destinados à compra de cestas básicas para fornecimento à população carente do Estado’. Karynne nega a prática de atos ilícitos.

Os investigadores chegaram, assim, ao Instituto de Desenvolvimento e Gestão Social, Esportiva e Cultura, ‘umbilicalmente ligado à Karynne desde a sua criação’. O inquérito aponta ‘indícios contemporâneos da intenção de destinar emendas parlamentares para o Instituto com o fito de promover uma aproximação de parlamentares estaduais com o governo de Wanderlei Barbosa’.

Posteriormente, anota a PF, foi constatado que o Instituto controlado pela primeira dama mudou de nome – agora é Instituto de Desenvolvimento Educacional, Social e da Saúde (IDESS).

Uma Informação de Polícia Judiciária acostada aos autos da Operação Fames-19 revela que Karynne foi presidente do Instituto entre 17 de janeiro de 2013 a 16 de outubro de 2019. Os federais apreenderam uma cópia do estatuto da instituição, com a assinatura de Karynne.

“Na análise do celular do investigado foi observado que Paulo César Lustosa entrou em contato diretamente com a deputada estadual, dizendo sempre, ao se apresentar, que o contato se dava a pedido de Karyne Sotero. A aproximação entre as duas e o próprio governador Wanderlei Barbosa foi registrada em postagens na rede social Instagram, em que ambas apareceram juntas em variadas ocasiões”, pontua o documento da Operação Fames-19.

Segundo a PF, entre os anos de 2020 e 2021, a maior parte da verba destinada ao enfrentamento das consequências da pandemia de Covid-19 no Estado do Tocantins foi direcionada para a Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social (Setas), ‘contando tais destinações com diversas fontes oriundas, inclusive, de emendas parlamentares estaduais, supostamente destinadas à aquisição de cestas básicas’.

Ao autorizar a deflagração da segunda etapa da Fame-19, na semana passada, e decretar o afastamento do governador do Tocantins, o ministro Mauro Campbell transcreveu trechos do relatório da PF.

“O esquema consistia na contratação de um grupo de empresas previamente selecionadas, muitas delas constituídas há pouquíssimo tempo, ou com objeto social distinto do fornecimento de alimentos, as quais, doravante, receberiam a totalidade do valor contratado, sempre em somas de grande vulto, entregando, em contrapartida, apenas parte do quantitativo estipulado, tendo havido a inexecução parcial ou até mesmo integral dos contratos de fornecimento.”

O inquérito revela que foi constatada a existência de quatro núcleos, ‘perfeitamente concertados, que agiram em conjunto para a consecução de um esquema de desvio sistemático de recursos públicos por meio da aquisição de cestas básicas de existência meramente formal’.

O primeiro grupo recebeu a denominação de ‘núcleo de agentes políticos’. Na cúpula do esquema foi identificada a atuação de agentes do alto escalão do governo do Estado do Tocantins, ‘iniciando pelo governador Wanderlei Barbosa Castro e sua esposa Karynne Sotero e perpassando pelo secretário José Messias Alves de Araújo’.

“O núcleo de agentes políticos foi complementado, durante as investigações, pela constatação do envolvimento de agentes do Poder Legislativo Estadual, que se incumbiram de destinar recursos públicos sob a forma de emendas parlamentares, para a aquisição de cestas básicas de existência meramente formal, em troca do recebimento de vantagens indevidas”, assinala o relatório.

COM A PALAVRA, A ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO TOCANTINS

Na quarta-feira, 3, quando a Polícia Federal deflagrou a fase 2 da Operação Fames-19 e fez buscas nos gabinetes de dez deputados, inclusive do presidente da Casa, Amélio Cayres, a Assembleia Legislativa informou, em nota oficial de sua Assessoria de Comunicação, que ‘prestou colaboração total e irrestrita ao Superior Tribunal de Justiça’

“A Assembleia Legislativa do Estado do Tocantins (Aleto) informa que prestou nesta quarta-feira, 3, colaboração total e irrestrita ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e à Polícia Federal (PF), no cumprimento integral das determinações contidas em dez mandados de busca e apreensão, com a devida disponibilização de todos os equipamentos, documentos e informações solicitados.

Informa ainda que a Procuradoria Geral da Casa não teve acesso aos autos, portanto, desconhece-se o que motivou a expedição dos referidos mandados. Além disso, a Aleto não foi intimada de nenhuma decisão judicial relacionada ao caso.

Os mandados de busca e apreensão aos quais a Assembleia Legislativa do Tocantins teve acesso foram direcionados aos gabinetes parlamentares dos deputados Amélio Cayres, Claudia Lelis, Cleiton Cardoso, Ivory de Lira, Jorge Frederico, Léo Barbosa, Nilton Franco, Olyntho Neto, Valdemar Júnior e Vilmar de Oliveira.

COM A PALAVRA, A DEPUTADA CLÁUDIA LELIS (PV)

Em nota à imprensa, a assessoria de imprensa da deputada estadual Cláudia Lelis informou que ela ‘não praticou qualquer irregularidade na destinação de suas emendas parlamentares’

“A deputada estadual Cláudia Lelis (PV) reafirma seu respeito às instituições e às decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ), e esclarece que não praticou qualquer irregularidade na destinação de suas emendas parlamentares, ressaltando que todos os recursos por ela indicados sempre seguiram rigorosamente os princípios de transparência, legalidade e responsabilidade com o interesse público.

A parlamentar afirma que acompanha com serenidade e confiança o andamento das investigações, convicta de que a verdade será plenamente esclarecida.

Cláudia reitera sua confiança na Justiça e defende que a segurança jurídica é essencial para o fortalecimento das instituições e para o desenvolvimento do Tocantins.”

COM A PALAVRA, O GOVERNADOR WANDERLEI BARBOSA

Quando a Operação Fames-19, fase 2, foi deflagrada por ordem do ministro Mauro Campbell, o governador Wanderlei Barbosa declarou, em nota, que considerou a medida ‘precipitada’.

“Recebo a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) com respeito às instituições, mas registro que se trata de medida precipitada, adotada quando as apurações da Operação Fames-19 ainda estão em andamento, sem conclusão definitiva sobre qualquer responsabilidade da minha parte. É importante ressaltar que o pagamento das cestas básicas, objeto da investigação, ocorreu entre 2020 e 2021, ainda na gestão anterior, quando eu exercia o cargo de vice-governador e não era ordenador de despesa.

Reforço que, por minha determinação, a Procuradoria-Geral do Estado (PGE) e a Controladoria-Geral do Estado (CGE) instauraram auditoria sobre os contratos mencionados e encaminharam integralmente as informações às autoridades competentes.

Além dessa providência já em curso, acionarei os meios jurídicos necessários para reassumir o cargo de Governador do Tocantins, comprovar a legalidade dos meus atos e enfrentar essa injustiça, assegurando a estabilidade do Estado e a continuidade dos serviços à população.”

 

 

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