Após décadas, Bolsonaro é condenado por um golpe que sempre pregou ou tentou e que continua buscando
Aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro costumam reclamar da velocidade com que o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou o ex-presidente Jair Bolsonaro, condenado nesta quinta-feira por golpe de Estado e outros quatro crimes. De fato, os sete meses que se passaram desde a denúncia da PGR são razoáveis, considerando os prazos da Corte. Se levarmos em consideração o 8 de Janeiro de 2023, quando a tentativa de golpe atingiu seu auge, nem tanto. Mas as quase três décadas em que Bolsonaro, repetidamente, prega e pratica ações para desestabilizar a democracia são tempo demais.
Em entrevista já bastante conhecida ao programa Câmera Aberta, da Bandeirantes, em 1999, o então deputado Bolsonaro já não deixava dúvidas de suas intenções: “Não há a menor dúvida. Daria golpe no mesmo dia, no mesmo dia!”, reiterava, caso chegasse um dia ao poder. Foi na mesma entrevista em que explicitou seu amor pelos regimes ditatoriais, dizendo que defendia o pau-de-arara. “Funciona. Eu sou favorável à tortura”.

Dali em diante, na medida em que o brasileiro conhecia o político do baixo-clero, ouvia repetidamente suas predileções pelo autoritarismo. Inclusive aos microfones da própria Casa para a qual foi eleito. “Sou a favor, sim, de uma ditadura, de um regime de exceção”, avisou em discurso na Câmara no mesmo ano. Afinal, disse por inúmeras vezes nos anos seguintes que “o erro da ditadura foi torturar e não matar”. Mesmo assim, escapou de punições ou cassações.
O herói de Bolsonaro era Brilhante Ustra, um reconhecido torturador, a quem exaltou inúmeras vezes o deputado que sempre rechaçou que a tomada de poder de 1964 fosse um golpe de Estado. Como nega agora aquele que, uma vez no poder, cumpriu fielmente a promessa de batalhar contra a independência dos Três Poderes e pela invalidação de um resultado de expressão da vontade popular.
Especialmente desde 2021, quando descobriu que a caneta presidencial tinha limites nos freios e contrapesos da Constituição que derrrotou o regime de seus sonhos. De lá para cá, em meio a eventos recheados de faixas pedindo intervenção militar, passou a bradar que não cumpriria decisões judiciais e a chantagear o Congresso Nacional. Vendo a chance de perder a eleição, também passou a questionar as urnas eletrônicas e o Tribunal Superior Eleitoral. E, como mostraram as provas, passou a articular, usando instrumentos de Estado, um plano para que permanecesse no poder.
Bolsonaro nega ter dado um golpe, mas nunca desistiu de continuar tentando. Não parou depois que os acampamentos que insuflou e permitiu passaram a exigir interferência das Forças Armadas na democracia diante dos quartéis. Nem quando, às vésperas de sair do poder, uma bomba foi plantada no aeroporto, dias após a tentativa de invasão da sede da PF e de uma noite de terror com ônibus e carros incendiados em Brasília. Como também não havia parado antes, no 7 de setembro de 2021, que encheu de caminhões a Esplanada, em meio a ameaças de apoiadores de jogá-los contra o prédio do STF. Nem depois, no 8 de Janeiro de 2023, quando, já fora do poder e do Brasil, viu grupos de apoio invadirem e destruírem os prédios dos Três Poderes exigindo que ele permanecesse no poder. Tanto que sempre pediu anistia para eles.
Já fora do cargo, ele continuou tentando constranger o Judiciário para blindar-se de qualquer responsabilidade penal. Avançando das ameaças em discursos às articulações que incluem até mesmo uma potência estrangeira que, insuflada por seu filho, pune juízes brasileiros para tentar impedir que ele seja preso.
O golpe, que prossegue mesmo em meio ao julgamento que o condena, até com ameaça de uso de força militar americana, parece não ser capaz de impedir um destino pelo qual Bolsonaro sempre fez por onde. O homem que da cadeia no Exército construiu sua carreira política pode vê-la acabar exatamente da mesma forma. Agora, porém, com uma resposta civil às suas insistências de usar os militares para violar a democracia. E não foi rápido.