Fux dá fôlego para Bolsonaro recorrer de eventual condenação fora do País; efeito prático é dúvida
O voto divergente do ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento que apura tentativa de golpe de Estado, deu fôlego político à defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que aposta em cortes internacionais para tentar reverter uma eventual condenação. Para especialistas ouvidos pelo Estadão, a divergência reforça a narrativa bolsonarista, mas tem poucas chances de se traduzir em efeito prático. dúvida
Ao pedir a anulação do processo e defender que o Supremo não é competente para julgar o caso, ainda na análise das preliminares, Fux citou o Pacto de San José da Costa Rica, principal tratado de direitos humanos das Américas e do qual o Brasil é signatário.

O acordo assegura o devido processo legal, conduzido por um juiz competente, independente e imparcial, além do direito de recorrer da condenação a uma instância superior.
‘Perseguição política’
Advogados de Bolsonaro já indicaram que pretendem acionar cortes internacionais sob o argumento de “perseguição política” por parte do Judiciário brasileiro. A defesa sustenta que o ex-presidente é alvo de um processo enviesado no Supremo e usa esse discurso para reforçar a narrativa de falta de imparcialidade.
Para o advogado Rodrigo Faucz, que atua em cortes internacionais, a divergência de Fux dá munição à defesa ao reabrir o debate sobre o duplo grau de jurisdição, princípio segundo o qual toda condenação deve ser revista por instância superior.
Faucz lembra que, como regra, a defesa precisa esgotar recursos internos antes de peticionar à Comissão Interamericana, que pode ou não levar o caso à Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH).
Caso a denúncia seja acolhida, explica, a decisão da Corte tem caráter vinculante e deveria, em tese, ser cumprida pelo Supremo. “Este é o ponto que pode ter fundamentação jurídica: a decisão é obrigatória e vinculante”, afirma.
Nessa hipótese, diz, o STF teria de remeter o caso ao Plenário, reabrindo uma nova discussão do mérito com a participação dos ministros que não integram a Primeira Turma.
O advogado destaca ainda que o tratado orienta que normas penais sejam interpretadas em favor da defesa, lógica que se conecta diretamente aos embargos infringentes – recurso que leva o processo ao Plenário e reabre a análise do mérito. Hoje, porém, o STF exige dois votos absolutórios para admitir o recurso nas Turmas, numa leitura restritiva que, segundo ele, contraria o pacto.
Para Henderson Fürst, professor de direito constitucional do IDP, a menção de Fux ao pacto dá “fôlego retórico” à defesa, mas as chances jurídicas de reversão são baixas. “A Corte não funciona como quarta instância para reavaliar fatos e provas: ela examina violações de direitos”, explica.
Ele pondera também que a jurisprudência interamericana reconhece o direito de recorrer a um tribunal superior, mas admite exceções em países que preveem foro privilegiado, como o Brasil.
Na mesma linha, Adriana Cecilio, professora de Direito Constitucional, avalia que a iniciativa dificilmente terá efeito prático capaz de alterar o julgamento, embora reconheça seu peso político.
Ela ressalta ainda que os processos na Corte costumam ser demorados e lembra o caso do ex-ministro José Dirceu, que apresentou petição em 2014 e só em 2023 teve o pedido admitido para análise, sem decisão final até hoje.