O Juízo Final já começou
Não. Não estou falando da catástrofe derradeira, resultante dos descalabros perpetrados contra a natureza. Estou pensando naquela promessa de que o fim dos tempos coincidirá com o grande julgamento de toda a humanidade.
O jesuíta Padre José Marcos Bach escreveu o livro “A Esperança Cristã – Guardar tradições ou abrir horizontes?”, que não é recente, mas muito apropriado para se pensar na “esperança que não decepciona” do Ano Jubilar de 2025. Este ano, o Papa Francisco deliberara tornar um Ano Santo, com as indulgências plenárias para quem peregrinasse. Na verdade, estamos todos em peregrinação. Uma vida frágil e efêmera, que terminará com a morte, da qual ninguém escapa.
Para o Padre José Marcos, “de nada a humanidade atual mais precisa do que de esperança. O essencial da mensagem de Cristo não está nos ensinamentos, e sim nas promessas que veio renovar”.
A humanidade é volúvel, tíbia, relutante. Quer prazos. Os primeiros cristãos se animavam com a esperança de que Jesus voltaria em breve. “Mais um pouco e me vereis de novo”, lê-se em João, 16,16. Por isso a Igreja iniciante cresceu embalada pela esperança. Esta foi vítima do passar do tempo. Mas o Juízo Final ocorrerá. Essa ideia é patrimônio tipicamente cristão. “O Juiz Supremo que irá ditar a sentença é Cristo, o Filho de Deus feito homem”.
Ele é tão misericordioso, que Seu amor ocupa o espaço religioso que parece ofuscar a justiça. Pois “uma justiça que desconhece o perdão é uma justiça sem amor. Summum jus, summa injuria, diziam os romanos. Sem o corretivo da indulgência, a justiça perde o seu status moral e se transforma em instrumento de opressão do fraco por parte do poderoso”.
Só que a Justiça divina pouco tem a ver com a justiça humana. O sistema justiça aplica a vontade da lei ao caso concreto. “Dura lex, sed lex”. A lei é dura, severa, cruel, mas é a lei. Precisa ser cumprida. “De um juiz digno de fé se espera que proceda com amor e com respeito, não só pelos fatos, mas também para com as pessoas envolvidas no processo. Não basta ser neutro, imparcial. Quem não faz mais do que cumprir a lei não está em condições de fazer justiça no sentido mais amplo do termo. A virtude cristã da justiça não se contenta com a instauração do império da justiça”.
Grande parcela de nossos problemas sociais advém do modo como definimos e fazemos funcionar a justiça. “Partimos do princípio de que toda lei está a serviço da justiça, bastando para isso que tenha sido promulgada por uma autoridade legitimamente constituída. Questionar a legitimidade de uma lei acaba sendo considerado pelos defensores da ordem estabelecida como ato de rebeldia contra os representantes da autoridade legitimamente constituída”.
O julgamento do Supremo Juiz é de outra ordem. Ele sabe que não é só a humanidade que precisa ser salva. O planeta se encontra tão necessitado de salvação quanto o homem. É o que se extrai de adequada interpretação da mensagem paulina. O que São Paulo diz pode ser traduzido como: “Não basta que vos realizeis a vós mesmos! Não são apenas os pecadores que necessitam da vossa caridade. Todas as criaturas de Deus necessitam da vossa ajuda!”. Uma ajuda que implica considerar todos os elementos vivos como seres merecedores de respeito. As árvores, as águas, os outros animais, ditos irracionais.
Quem nos julgará? É o mesmo Cristo Jesus que se encarnou e se tornou um de nós. “Sabemos quão importante num julgamento é a pessoa do juiz. Melhor juiz do que aquele que se colocará do nosso lado naquela hora é impossível imaginar. Não seremos julgados por alguém que pouco nos conhece. Muito ao contrário. Aquele que nos irá julgar é nosso maior amigo e o mais decidido defensor de nossos interesses. Tribunal humano algum aceitaria um juiz tão comprometido com a pessoa do réu”.
Ele sabe o que estamos fazendo para a nossa salvação e aquela de todos os oprimidos. Tem plena ciência de nossa atuação ou de nossa omissão. Não lhe falta nenhum elemento de convicção, nenhuma prova. Nós mesmos nos encarregamos de fornecer a Ele, na rotina das preocupações materiais e sem desconfiar que o Juízo Final já começou. Não dá mais para voltar para trás. O tempo é o único insumo que não pode ser recuperado, nem é suscetível de devolução. Conscientizemo-nos disso.