Justiça climática avança
À medida que as emergências climáticas se tornam verdadeiro cataclismo climático, as mentes sensíveis procuram alternativa à inércia generalizada. Acordos não são cumpridos, como o de Paris, agravam a saúde do planeta, sufocado com a contínua e crescente emissão de gases venenosos.
Enquanto isso, o conceito de “Justiça Climática” ainda está em elaboração, em busca de efetividade. É óbvio que a situação emergencial da Terra não é apenas tema científico. É um desafio jurídico a requisitar a criatividade dos seres que não perderam a consciência e querem fazer parte daqueles que acreditam na possibilidade, senão de reversão, ao menos de adaptação das cidades para o enfrentamento dos fenômenos extremos.
Em julho último, duas decisões consultivas abordaram o tema. A primeira, pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), vinculada à Organização dos Estados Americanos (OEA), e a outra pela Corte Internacional de Justiça (CIJ). A Opinião Consultiva 32/25 foi objeto de pretensão do Chile e da Colômbia. Embora tenha havido divergência – 4 votos a favor e 3 contra – é uma sinalização para os trinta e quatro países integrantes da OEA.
Declarou-se que a emergência climática afeta os direitos humanos e impõe obrigação concreta e indeclinável aos Estados, quanto à proteção das populações mais vulneráveis. Por vulneráveis, é preciso pensar nos hipossuficientes, nos excluídos, nos periféricos, nos invisíveis. Não somente os indígenas, quilombolas, mulheres, jovens e comunidades tradicionais.
Lamentavelmente, a decisão não vincula. É uma admoestação, uma espécie de exortação a que os países tenham juízo. Mais juízo teriam se adotassem o compromisso de criar uma Corte de Justiça Internacional, provida de verdadeira jurisdição, ou seja, a condição de impor suas decisões às nações signatárias. Já é tempo de adotar fórmulas mais eficientes do que se tem mostrado inócuo, a partir de organizações como ONU, OEA e outras, insuscetíveis de obrigar os países ao cumprimento de suas determinações.
A questão é muito mais séria do que a ideia de soberania, que praticamente já não existe mais, ao menos como era ensinada na disciplina de Teoria Geral do Estado ou Direito Constitucional I.
Não é difícil demonstrar que já não se fala mais em “mudanças” climáticas. São emergências que acenam com cenário de tragédia. O quadro requer ações concretas, imediatas e eficazes. É dever do Estado não causar danos e impedir que eles derivem de sua omissão. As soluções devem se basear em ciência e não contrariarem a natureza. Exigem-se providências a serem implementadas após detida análise de riscos, ouvida a cidadania e com monitoramento constante, além da transparência que deve presidir toda atuação estatal.
Houve expresso reconhecimento ao direito inalienável ao clima estável. Direito autônomo, que implica em posturas individuais e coletivas. Enfatizou-se também, irrecusável direito de aceso à Justiça Climática, assim entendida a garantia à informação completa, participação efetiva em litígios climáticos. Além da ciência, devem ser levados em consideração os saberes tradicionais, igualmente aceitos como fundamentos obrigatórios para as políticas de resiliência.
Importantíssima a declaração de que a Natureza não é coisa, mas é sujeito de direitos, em igualdade com os demais sujeitos. Para isso, os Estados devem atuar contra as causas das mudanças climáticas, mitigar a emissão de gases do efeito estufa, regular e supervisionar o comportamento dos indivíduos e implementar eficiente educação ambiental. Devem, ainda, determinar o impacto climático de projetos e atividades públicas ou privadas e definir políticas que promovam o desenvolvimento sustentável.
A segunda decisão importante foi a da Corte Internacional de Justiça, com sede em Haia que atendeu a uma provocação da ONU. A Corte declarou, com ênfase, que as emergências climáticas representam ameaça existencial urgente. Acrescentou que os Estados têm obrigação jurídica muito evidente de proteger o sistema climático global.
Registra-se um avanço na conscientização da temática, pois houve a participação de países, organizações, cientistas, especialistas, Academia e representantes da sociedade civil. A mobilização sinaliza que a comunidade planetária está começando a enxergar a questão com outro olhar. Basta de diagnósticos: o momento é de ação efetiva e concreta. É uma questão de observância não só de tratados internacionais, mas do próprio arcabouço dos direitos humanos.
Enquanto não se chega ao ideal de um Tribunal Internacional provido de autoridade supra-soberana, existe material de reflexão e de ação para fazer com que as emergências climáticas sejam encaradas como devem sê-lo: a maior ameaça que já pôs em perigo a continuidade da experiência humana sobre o planeta.