17 de setembro de 2025
Politica

Auditor ofereceu ‘oportunidades fiscais’ e prometeu blindar Fast Shop de ‘transtornos’, dizem sócios

O acordo fechado pelos sócios da Fast Shop com o Ministério Público de São Paulo agrava ainda mais a situação do ex-auditor fiscal Artur Gomes da Silva Neto e de outros alvos da investigação que revelou um esquema bilionário de corrupção na Secretaria da Fazenda do Estado envolvendo restituições de ICMS-ST.

Os executivos confirmaram que a Fast Shop recebeu auxílio ilegal nos pedidos de restituição e confessaram o pagamento de mais de R$ 400 milhões em propinas ao auditor, preso em agosto na Operação Ícaro – o empresário Sidney Oliveira, do Grupo Ultrafarma, e o executivo Mário Otávio Gomes, diretor estatutário da Fast Shop, também foram presos na ocasião, mas já estão em liberdade.

O Estadão pediu um posicionamento da defesa do fiscal, que até o momento não se manifestou sobre as investigações.

Os sócios Milton Kazuyuki e Kakumoto Júlio Atsushi Kakumoto e o diretor Mário Otávio Gomes detalharam aos investigadores como funcionou o esquema.

O processo em relação a eles será encerrado em troca das informações e do pagamento de multas que somam R$ 100 milhões.

‘Transtornos’

Júlio narrou que foi o próprio fiscal quem o procurou, no final de 2020 ou no começo de 2021, oferecendo os “serviços” com a promessa de “oportunidades fiscais” e de blindar a Fast Shop de fiscalizações e “quaisquer transtornos”.

“[Artur] Dizia que era perfeitamente legal e autorizado pela Secretaria, mas ao mesmo tempo dizia que poderia agilizar os processos junto à Secretaria, evitar fiscalizações e ‘quaisquer transtornos’. Sempre dizia também que somente ele, por ser funcionário da Secretaria da Fazenda, poderia acessar informações que permitiriam melhorar nossa restituição”, relatou o sócio da Fast Shop.

‘Até a produção de minério’

Milton afirmou que, segundo o fiscal, seria possível estender a cadeia de restituições a todas as fases de produção, ”até a produção de minério”.

De acordo com os depoimentos, com o tempo, Artur teria passado a intermediar o contato com “empresas parceiras” interessadas na compra dos créditos de ICMS.

“A partir de determinado momento, Artur passou também a trazer empresas parceiras, que ele conhecia, para comprar esses créditos, o que denominávamos, monetização. Levantamos recentemente a existência de doze empresas parceiras que nos foram apresentadas por Artur”, narrou Milton.

Segundo o sócio da Fast Shop, o auditor não cobrava valor extra por essa “intermediação”.

O esquema teria permitido a restituição de quase R$ 1,6 bilhão à Fast Shop entre 2021 e 2025 – R$ 1 bilhão referentes à cadeia de minério e R$ 553 milhões relativos às fases de aquisição da mercadoria até a venda na loja.

Funcionário da Fast Shop por mais de 30 anos, Mário é o responsável pelos assuntos fiscais da empresa. Era ele quem lidava com o auditor no dia a dia. O diretor afirmou em seu depoimento que os pagamentos a Artur eram feitos por meio da empresa Smart Tax, registrada em nome da mãe do fiscal, uma professora aposentada de 73 anos. Artur recebia 40% do valor de ressarcimento obtido na cadeia de minério, segundo o depoimento.

“O trabalho da Smart Tax começou em 2021. O contrato foi assinado no final desse ano. Artur me disse que conseguiria obter as informações da cadeia anterior pois tinha acesso a elas. Era a Smart Tax que calculava o valor de ‘minério’”, relatou Mário.

O diretor contou que era responsável por providenciar documentos solicitados por Artur e que, algumas vezes, o próprio fiscal consultava os dados nos sistemas por meio do certificado digital da Fast Shop.

“Eu providenciava, junto à minha equipe, toda a documentação para o ressarcimento de ICMS na cadeia que a Fast Shop tinha visibilidade (isto é, da aquisição da mercadoria até a sua venda na loja). Daí, minha equipe inseria esses dados no sistema validador da Secretaria da Fazenda de São Paulo. Às vezes, Artur pedia para repassar esses mesmos dados para ele, por e-mail. Outras vezes, ele consultava esses dados diretamente no sistema, por meio de acesso com certificado digital da Fast Shop (que ele possuía). Artur, então, incluía os valores de ‘minério’ e retransmitia o pedido de ressarcimento.”

O auditor fiscal Artur Gomes da Silva Neto, da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo, teria arquitetado esquema de propinas.
O auditor fiscal Artur Gomes da Silva Neto, da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo, teria arquitetado esquema de propinas.

Mário também implicou em seu depoimento o contador Agnaldo de Campos, da Smart Tax, e o lobista Celso Éder Gonzaga de Araújo, suspeito de lavar dinheiro do esquema. Os dois teriam sido apresentados por Artur para “trabalhos de recuperação de impostos na área federal”. Segundo o diretor da Fast Shop, a empresa fechou contratos com Agnaldo e Celso que previam uma comissão de 30% sobre os ressarcimentos que conseguissem.

“Artur apresentou Agnaldo de Campos e Celso Eder Gonzaga de Araujo para mim. Segundo eles, faziam trabalho de recuperação de impostos na área federal. Levei essa informação para o Milton, que pediu para eles fazerem um estudo. Eu recebi tal estudo e o levei para o Milton, que, por sua vez, determinou que a questão fosse levada para decisão do Comitê. A contratação foi aprovada por Milton, em meados de 2024, e foi celebrado um contrato com eles, com remuneração de 30% sobre o ressarcimento obtido”, narrou Mário.

O Ministério Público avalia compartilhar uma cópia da Operação Ícaro com a Receita Federal para verificar se o esquema se estendeu para impostos federais.

Artur e Celso já foram denunciados à Justiça na Operação Icaro. O auditor está preso preventivamente na Penitenciária de Tremembé, no Vale do Paraíba, e foi exonerado do cargo, a pedido, em agosto.

 

 

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