É hora de caçar o rei
A execução do ex-delegado Ruy Ferraz Fontes não foi só uma tragédia, foi um recado sangrento de que o crime organizado não tem medo do Estado. E qual a nossa resposta? A de sempre. Uma caçada cinematográfica para prender os pistoleiros. É bom para as manchetes, aplaca a raiva momentânea, mas no jogo de verdade, não muda o placar. É a eterna mania de enxugar gelo.

A verdade é que cada “soldado” do crime preso ou morto é substituído antes mesmo de o corpo esfriar. Para as facções, que hoje operam com a frieza e a profissionalização de uma multinacional, essa gente é descartável. Enquanto comemoramos a queda de um peão, o generalato do crime está rindo em seus condomínios de luxo, fechando o caixa e planejando o próximo ataque.
E aqui entra a parte que beira o inacreditável. São Paulo, o estado mais rico da nação, a locomotiva do Brasil, trata seus policiais como mão de obra barata. É quase uma piada de mau gosto. Como podemos exigir uma guerra sem tréguas contra um inimigo bilionário, pagando a quem está na linha de frente um dos piores salários do país? A polícia e a perícia que ajudaram a identificar suspeitos de matar o Dr. Ruy são as mesmas que lidam com o maior volume de trabalho do Brasil, com gente sobrecarregada e equipamentos que já deveriam ter sido aposentados há muito tempo. Estamos obrigando nossos profissionais a realizarem milagres.
É hora de virar o jogo. E somente se vira o jogo parando de mirar no soldado e passando a caçar o rei. O rei, nesse tabuleiro, é o dinheiro. É preciso sufocar as facções onde realmente dói: no bolso. Cortar o fluxo de caixa que compra armas, que corrompe agentes públicos e que financia execuções de cinema. A guerra de verdade não é uma troca de tiros; é uma batalha travada com inteligência, com monitoramentos telemáticos, quebras de sigilo bancário e o rastreamento de laranjas.
Isso significa dar à polícia o que ela realmente precisa: cérebros, não só músculos. Significa criar uma força-tarefa de analistas, contadores e especialistas em tecnologia para seguir o rastro do dinheiro. Significa equipar o perito criminal com o que há de mais moderno para que ele entregue a prova que vai prender não só quem puxou o gatilho, mas quem pagou por ele. E significa pagar um salário que faça um policial sentir orgulho e segurança, não a vontade de aposentar ou mudar de carreira.
A morte de Ruy Fontes não pode ser apenas mais um número na estatística. Ou ela se torna o basta definitivo para essa estratégia falida, ou teremos que nos acostumar a ver o crime ditar as regras. Continuar trocando tiro com o varejo enquanto o atacado prospera não é só ineficiente, é burrice. A verdadeira coragem não está em prometer vingança, mas em ter a inteligência para mudar a estratégia e atacar o inimigo onde ele é mais forte e vulnerável: o seu império financeiro.