18 de setembro de 2025
Politica

‘Emendas Pix’: a nova face do clientelismo e o risco da corrupção institucionalizada

A proposta orçamentária da União para 2026 recentemente encaminhada para apreciação do Congresso Nacional contemplou R$ 40,8 bilhões para emendas parlamentares impositivas. Enquanto isso, verbas para outras áreas perdem espaço. No centro dessa distribuição bilionária de recursos públicos está um mecanismo controverso: as chamadas “emendas pix”, cuja motivação para criação foi a facilitação para a destinação de recursos pelos parlamentares às suas bases eleitorais.

O tema se mantém na agenda nacional há anos, especialmente após a polêmica sobre o “orçamento secreto” e, recentemente, por mais uma decisão do STF que determinou a investigação de 964 emendas, que somam R$ 694 milhões, com a finalidade de apurar a regular aplicação dos repasses.

É importante ressaltar que as emendas parlamentares são uma forma legítima de participação do Poder Legislativo na formação do orçamento público, cuja iniciativa é do Poder Executivo. Como lei que deve representar a vontade popular, a quem cabe decidir sobre o uso dos recursos públicos, essa participação não é só legítima, como imprescindível e fundamental no Estado Democrático de Direito. Podem, portanto, alterar a proposta orçamentária encaminhada, limitada apenas a algumas vedações constitucionais.

Nada mais compreensível, razoável e democrático do que a participação parlamentar no orçamento destinando recursos para o que entendem ser de interesse público.

As emendas são instrumentos utilizados pelos parlamentares para direcionar recursos do orçamento a suas bases eleitorais. No caso específico das “emendas pix”, foram criadas para contemplar repasses por meio das transferências especiais, cujo regime dispensa uma série de exigências, facilitando a destinação dos recursos aos destinatários, sendo o dinheiro transferido diretamente para os cofres de estados e municípios, sem a necessidade de convênios. O mecanismo foi criado em 2019 com a promessa de reduzir a burocracia e acelerar obras.

Esse regime, por outro lado, fragiliza o controle e a transparência, ao dificultar a fiscalização do uso desses recursos transferidos.

O que era para ser uma solução pontual ganhou uma dimensão gigantesca após o STF proibir o “orçamento secreto” em 2022. Parlamentares migraram em massa para este novo modelo, e o valor empenhado saltou de R$ 615,9 milhões em 2020 para R$ 10,43 bilhões no período 2020-2024. Agora, com uma previsão de R$ 40,8 bilhões para 2026, essas emendas se consolidam como uma poderosa ferramenta de controle sobre os bilionários recursos do orçamento público.

O crescimento exponencial dessas emendas consome uma fatia cada vez maior dos gastos livres do governo. O que exige uma escolha entre gastos pulverizados em despesas específicas, localizadas e direcionadas, em prejuízo de políticas públicas mais abrangentes e de maior alcance, como investimentos em infraestrutura, tecnologia e outros que contemplam o país como um todo.

Um grave problema, no entanto, é o risco de corrupção. A crítica central é a falta de transparência, pois os recursos estavam sendo liberados sem um plano de trabalho detalhado, dificultando o rastreamento do dinheiro. Essa brecha acendeu o alerta das autoridades. Atualmente, pelo menos sete ministros do STF conduzem inquéritos que apuram suspeitas de desvio de emendas, envolvendo cerca de 80 parlamentares e ex-parlamentares.

Diante do cenário, o STF interveio, por meio do acompanhamento da execução das decisões tomadas no âmbito da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 854, onde ficou definido que as “emendas pix” seriam mantidas, mas com a exigência de transparência, rastreabilidade e correção, tornando obrigatória a identificação prévia do objetivo do gasto, a priorização de obras inacabadas e a prestação de contas ao Tribunal de Contas da União (TCU). Uma “regulamentação” imprópria do sistema de emendas, que deveria vir por norma do Poder Legislativo e não por determinação do Poder Judiciário, em uma indesejada interferência entre poderes.

Desde as alterações constitucionais que instituíram o “orçamento impositivo”, iniciadas com a Emenda Constitucional 86/2015, as possibilidades de usar as emendas parlamentares como instrumento de controle do Executivo sobre o Legislativo reduziram-se, mas não cessaram por completo, e continuam sendo um importante instrumento de barganha política. O governo controla o ritmo de liberação dos pagamentos e tende a acelerá-los em momentos que precisa de apoio no Congresso, perpetuando uma relação de troca de favores. Isso acaba configurando uma forma de corrupção institucionalizada

Os defensores do modelo das “emendas pix” e as transferências especiais argumentam que ele é mais ágil que as transferências voluntárias e os convênios tradicionais, que podem levar anos para liberar verbas. Os parlamentares afirmam que as emendas fortalecem o federalismo, dando autonomia a municípios pequenos para que decidam suas prioridades, sendo um importante instrumento de investimento nas regiões mais necessitadas.

Embora a agilidade nos repasses seja importante, ela não pode se sobrepor à necessidade de transparência e planejamento. Os R$ 40,8 bilhões propostos para 2026 e as dezenas de parlamentares sob investigação mostram que o risco é real e elevado. Resta saber se as novas formas de controle serão suficientes para coibir o uso político enviesado e a corrupção. As “emendas pix” podem ser um instrumento de desenvolvimento ou um “cheque em branco” para a corrupção. A vigilância da sociedade e das instituições é fundamental para definir qual caminho o Brasil irá seguir.

Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Esta série é uma parceria entre o Blog do Fausto Macedo e o Instituto Não Aceito Corrupção. Os artigos têm publicação periódica.

 

 

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