18 de setembro de 2025
Politica

PEC da Blindagem trava 36 inquéritos no STF contra 108 parlamentares, incluindo Eduardo Bolsonaro

A PEC da Blindagem, aprovada nesta terça-feira, 16, pela Câmara, pode atingir 36 inquéritos que envolvem 108 parlamentares no Supremo Tribunal Federal (STF). Pela redação atual, esses casos só poderão avançar para se tornarem ações penais com aval do Congresso. A proposta beneficia diretamente Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e alcança tanto aliados do governo quanto opositores, especialmente em investigações sobre desvios de emendas parlamentares.

O texto, articulado pelo Centrão, foi aprovado por 344 votos a 133 e segue para o Senado. A PEC altera a Constituição ao transferir para a Câmara ou o Senado a prerrogativa de autorizar o processamento criminal de deputados e senadores. Na prática, o STF terá de pedir esse aval à Casa em que o parlamentar exerce mandato para dar continuidade a uma ação penal.

Câmara dos Deputados aprovou a PEC da Blindagem, que dificulta investigações contra parlamentares ao exigir autorização para processo
Câmara dos Deputados aprovou a PEC da Blindagem, que dificulta investigações contra parlamentares ao exigir autorização para processo

Levantamento feito pelo Estadão mostra que, se a regra já estivesse em vigor, todos os 36 inquéritos em curso contra parlamentares dependeriam dessa autorização sempre que a Procuradoria-Geral da República (PGR) e a Corte decidissem instaurar uma ação penal. Esses casos estão sob relatoria de Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes, Cármen Lúcia, Nunes Marques, Cristiano Zanin e Flávio Dino.

Entre os investigados estão parlamentares de oposição, como o PL, e também de partidos da base, como União Brasil, PSB e do PT. Pelo 108 deputados e senadores são alvo de investigação. Contudo, o número pode ser maior, já que parte dos casos ainda corre em sigilo e nem todos os nomes são conhecidos.

Em algumas situações, um único inquérito reúne vários nomes. É o caso do das milícias digitais e fake news, que corre em sigilo e envolve deputados como Zé Trovão (PL-SC), Bia Kicis (PL-DF), Carla Zambelli (PL-SP), Filipe Barros (PL-PR), Cabo Junio Amaral (PL-MG), Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PL-SP) e Gil Diniz (PL-SP) – todos sob a relatoria de Moraes.

Também sob a relatoria de Moraes está o inquérito que investiga o deputado Eduardo Bolsonaro, acusado de articular, ao lado do pai, Jair Bolsonaro, sanções por autoridades americanas para tentar reverter a ação penal do golpe, na qual o ex-presidente foi condenado a 27 anos de prisão. Ambos já foram indiciados pela PF.

Outra frente que impulsionou a votação da PEC são os inquéritos sobre supostos desvios de emendas do orçamento secreto. Como mostrou o Estadão, esse é hoje o maior temor dos parlamentares, já que os processos atingem diretamente nomes da base e da oposição.

As investigações, em sua maioria sob relatoria de Dino e Zanin, apuram desvios de verbas por meio de emendas parlamentares. Entre os investigados estão Elmar Nascimento (União-BA), citado na Operação Overclean, que investiga fraudes em Campo Formoso (Bahia), além de Josimar Maranhãozinho (PL-MA), Pastor Gil (PL-MA) e José Guimarães (PT-CE).

Também figuram como alvos no Supremo, em diferentes frentes, Afonso Motta (PDT-RS), Félix Mendonça (PDT-BA), Eunício Oliveira (MDB-CE) e Yuri do Paredão (MDB-CE). Todos negam irregularidades.

Além desses inquéritos, o STF também conduz diversas petições de investigação autônoma – procedimentos preliminares abertos quando surgem fatos novos em apurações em curso ou a partir de representações externas. Esses casos podem futuramente se transformar em inquéritos e, caso resultem em ação penal, passariam a depender de aval do Congresso pela regra prevista na PEC.

Para a pesquisadora da USP e professora da ESPM Ana Laura Barbosa, se o texto for aprovado como está, as novas regras retomariam o modelo em vigor até 2001, quando o STF precisava de autorização da Câmara ou do Senado para abrir um processo criminal, em votação secreta. “A mudança é bastante negativa. É só ver que, até 2001, nenhum deputado ou senador foi processado criminalmente.”

A pesquisadora avalia ainda que a redação atual vai além das prerrogativas em vigor até 2001 e amplia a blindagem dos parlamentares. Ela destaca que a PEC determina que medidas cautelares contra deputados e senadores só podem ser autorizadas pelo STF. Até então, a discussão se limitava a saber se seria necessária a chancela da Casa Legislativa apenas quando a medida afetasse o exercício do mandato. Para ela, a proposta representa “um grande retrocesso”.

A crítica é compartilhada por juristas. O criminalista Renato Vieira, ex-presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), avalia que a PEC é um movimento de blindagem dos parlamentares, marcado por um espírito de casta em desacordo com o discurso democrático. Para ele, a proposta é “um balde de água fria”.

O pesquisador da PUC-SP Erick Beyruth segue a mesma linha e ressalta que, embora a PEC retome regras previstas antes de 2001, ela agrava as dificuldades para responsabilizar parlamentares. “Na prática, a PEC esvazia a competência do STF para julgar parlamentares pela prática de crimes”, diz.

Já o presidente do Instituto Não Aceito Corrupção, Roberto Livianu, avalia que a proposta faz parte de um movimento contínuo de autoproteção, que transforma Câmara e Senado em territórios imunes e enfraquece a responsabilização criminal. Procurador de Justiça do MPSP, ele afirma que a aprovação da proposta passa o sinal de que “o crime organizado é muito bem-vindo aqui. É um absurdo”.

No Congresso, o tom também é de crítica entre quem votou contra. A deputada federal Adriana Ventura (Novo-SP) afirma que a medida é um retrocesso por dificultar a responsabilização de parlamentares e reforçar a percepção de autoproteção no Legislativo.

“A PEC da blindagem não acaba com o foro privilegiado, ao contrário: ela o amplia de forma inaceitável. Não protege o Parlamento de abusos, nem garante a liberdade de expressão dos parlamentares. Seu único objetivo é blindar malfeitores”, diz.

 

 

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