18 de setembro de 2025
Politica

Excentricidade poética

De poeta e de louco, todo o mundo tem um pouco… É a sabedoria popular, querendo encontrar esquisitices em quem possui o dom de fabricar poesia. Quando se perscruta a vida de alguns grandes poetas brasileiros, sem dúvida se pode chegar à conclusão de que o ditado guarda um pouco de verdade.

Sobre Raimundo Correia, o poeta de “As Pombas”, contam-se coisas curiosas. Ele morava numa República enquanto estudava no Largo de São Francisco. Era inquieto e não permanecia sossegado sequer por alguns instantes.

É o que conta Valentim Magalhães, que foi visitar Silva Jardim e ficou impressionado com o “entra-e-sai” de Raimundo Correia, que residia na mesma República. Enquanto os amigos matavam as saudades na prosa solta, Raimundo entrava e saía do aposento, sem nada falar.

Por essa época, ele usava uma roupa surrada. Anunciou aos amigos um dia que estrearia roupa nova. Mas com esse chapéu, perguntavam os que estranhavam aquela peça amarfanhada, puída e de cor indecifrável. Ele não teve coragem de usar um chapéu novo. Explicou: – “Eu vinha saindo de casa, com a roupa nova e o chapéu novo, quando, ao passar pelo cabide, junto à porta do quarto, dei com os olhos no chapéu velho. E senti que ele me dizia: – “Então hoje, que estás de roupa nova, me deixas neste canto, a mim que nunca te abandonei!”. Compadecido, achei que ele tinha razão. Pus o chapéu novo no cabide e… aqui estou, de chapéu velho!”.

As esquisitices de Raimundo Correia não param aí. Um dia, ele leva a um amigo um punhado de framboesas, colhidas numa chácara frequentada pelos acadêmicos da São Francisco. O destinatário, ao receber o presente, estranhou o papel encorpado e retangular que envolvia as frutas. Ao abri-lo, exclamou: – “Raimundo! Enrolaste as framboesas no teu diploma de Vice-Presidente do Círculo dos Estudantes Católicos!”. E ele: – “Foi o primeiro papel que encontrei…”.

Além de poetar, com facilidade para encontrar as melhores rimas, Raimundo Correia gostava de recitar. Declamava bem com emoção, de forma a valorizar metro e rima. Decorou “O Corvo”, de Edgar Alan Poe, na tradução de Machado de Assis e, vira e mexe, queria brindar os amigos com sua declamação.

Numa noite, em casa de Lúcio de Mendonça, presentes Aluísio Azevedo, Valentim Magalhães e Alfredo de Sousa, Raimundo Correia anuncia: “Agora vou recitar “O Corvo”.

Todos protestaram. Deixa para outro dia. É muito longa. Mas ele teimou: “É longa, mas é bonita!”. E começou a declamá-la.

Valentim Magalhães pulou por uma janela. Por debaixo da mesa, saiu Alfredo de Sousa. Aluísio Azevedo, encostado às paredes, chegou à porta da rua e foi seguido por Lúcio de Mendonça, o dono da casa.

Sozinho, Raimundo continuou a recitar, até o último verso, na mesma voz emocionada e soturna. Em seguida, fechou o rosto, apanhou o chapéu e foi embora amuado.

Em São Gonçalo do Sapucaí, numa reunião em casa da Baronesa do Rio-Verde, presente Raimundo Correia, o promotor Júlio Meireles foi convidado a recitar. E anunciou: – “As Pombas”, de Raimundo Correia.

O poeta, sentado ao fundo da sala, sobressaltou-se. Ao ouvir o primeiro verso, interrompeu o declamador:

– “Não é assim!”.

Muito grave, emocionado, recitou o soneto.

Ao final, as palmas estrondam, por entre aclamações:

– “Bravos! Muito bem! Admirável!”.

E Raimundo Correia, para o promotor:

– “Não recite mais! Isto não é para todos! Não estrague o que não é seu!”.

O amigo Osório Duque-Estrada era redator da “Gazeta de Petrópolis” e pediu a Raimundo Correia, então vice-diretor do Ginásio Fluminense daquela cidade serrana, uma poesia sua, para publicá-la no jornal.

E o poeta, ao se recusar:

– “Tenha paciência! Não posso. Não me fica bem, como Vice-Diretor do Ginásio, andar a publicar versos!”.

Mas foi como poeta que ele se tornou famoso e ainda é, não como autoridade escolar. Ainda hoje, o soneto “As Pombas” reside nas antologias da poesia brasileira, embora já não exista quem saiba recitá-lo como antigamente. O mundo perdeu poesia. Ganhou algo para compensar esse empobrecimento?

 

 

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