Justiça Militar cassou patentes do Exército por ‘indignidade’ em 86% dos processos que julgou
São reduzidas as chances de vitória do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) no julgamento que pode levá-lo a perder a patente de capitão do Exército por “indignidade” para o oficialato. Levantamento feito pelo Estadão mostra que a prática na Justiça Militar tem sido expulsar das Forças Armadas oficiais condenados criminalmente a penas maiores de dois anos. Bolsonaro foi sentenciado pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) a 27 anos e 3 meses por tramar um golpe.
Desde 2018, 86% dos processos dessa natureza terminaram na cassação da patente de oficiais do Exército, segundo informações disponíveis no painel estatístico da Justiça Militar da União. A base de dados reúne informações dos últimos sete anos.
Dos 56 processos autuados no período, 51 deles foram julgados com resolução do mérito. Em 44, o desfecho foi desfavorável aos militares acusados.
Além de Bolsonaro, o ex-comandante da Marinha, almirante de esquadra Almir Garnier, e os ex-ministros Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional), Walter Braga Netto (Casa Civil e Defesa) e Paulo Sérgio Nogueira (Defesa), todos generais quatro estrelas, também serão julgados.
A grande diferença no julgamento é que, pela primeira vez, o Superior Tribunal Militar (STM) vai julgar militares da mais alta patente. Nesse sentido, os precedentes são um termômetro, mas não permitem cravar como o plenário do STM vai se comportar.
O Superior Tribunal Militar é formado por 15 ministros — dez militares e cinco civis. A decisão sobre a manutenção ou perda do oficialato é tomada no plenário. Dois ministros da cota militar – Marco Antônio de Farias e Odilson Sampaio Benzi – serão substituídos até o fim do ano porque completam 75 anos, data limite para a aposentadoria.

Perda da patente
A Constituição prevê que militares condenados a penas privativas de liberdade maiores de dois anos devem ser submetidos a um julgamento na Justiça Militar para avaliar se são “indignos” para exercer o oficialato. A norma vale tanto para oficiais da ativa quanto da reserva.
A regra está prevista no artigo 142 da Constituição, que disciplina a atuação das Forças Armadas, o mesmo usado por apoiadores do ex-presidente para defender intervenção militar.
Em nota, o STM informou que a ação de indignidade é uma “medida de grande relevância para a carreira militar, destinada a proteger a honra, a disciplina e a hierarquia das Forças Armadas, assegurando, em equilíbrio, a dignidade da farda e os direitos fundamentais dos militares”.
O julgamento, no entanto, não é imediato. Depende do trânsito em julgado da condenação no STF, ou seja, do esgotamento de todos os recursos dos réus, o que torna a sentença criminal definitiva.
Depois que o processo for concluído no Supremo, o que não tem prazo definido para ocorrer, cabe ao procurador-geral da Justiça Militar, Clauro Roberto de Bortolli, acionar o STM. É ele quem tem a atribuição para entrar com a representação pela perda dos cargos e patentes de Bolsonaro e de seus aliados.

Ao contrário da inelegibilidade dos réus, que é automática, como está previsto na Lei da Ficha Limpa, os efeitos estatutários da condenação para a carreira militar dependem da avaliação do STM. O julgamento tem natureza ética. Os ministros avaliam se os oficiais condenados na esfera penal violaram também o Estatuto dos Militares.
Em caso de condenação, os efeitos também não são automáticos. O STF comunicará o Exército e a Marinha para que tomem as medidas administrativas necessárias para cumprir a decisão.
Uma das consequências neste cenário é a perda das remunerações. No entanto, o dispositivo da “morte ficta” permite que os salários sejam direcionados às famílias. Essa brecha está prevista na lei específica que regula o regime previdenciário militar.
Com a cassação da patente, o oficial deixa de fazer parte da estrutura das Forças Armadas e, por isso, perde o direito de cumprir pena em presídio militar. Nesse caso, Braga Netto, que está preso preventivamente em uma cela especial na 1ª Divisão do Exército, na Vila Militar, no Rio, poderia ser transferido para uma penitenciária comum.
Mauro Cid
O tenente-coronel Mauro Cid não será julgado por “indignidade” porque foi sentenciado a uma pena menor que dois anos. Ele conseguiu uma sentença muito mais favorável que os demais réus por ter fechado acordo de delação. Segundo a defesa, Cid pediu dispensa do Exército.
Mauro Cid pode, no entanto, responder a outro processo administrativo, o Conselho de Justificação, usado para julgar se o oficial é “incapaz” de permanecer na ativa ou na reserva das Forças Armadas.