Tarcísio fortalece imagem pelo País, atrai até eleitor de Lula, mas enfrenta desgaste em SP
Principal cotado para suceder o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) em 2026, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), vive um paradoxo: enquanto sua gestão acumula desgastes entre os paulistas, sua força eleitoral cresce fora do Estado, a ponto de furar a bolha e atrair até eleitores que hoje aprovam a gestão Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
É o que mostram pesquisas qualitativas do Instituto Travessia realizadas no primeiro semestre deste ano no Distrito Federal e em cidades de diferentes Estados do País, incluindo São Paulo, Bahia, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Santa Catarina. O relatório, produzido a pedido do Estadão, reúne percepções de grupos focais sobre o governador e tem caráter analítico, sem rigor científico.

Tarcísio aparece bem posicionado nas pesquisas fora de São Paulo, mas com uma fragilidade: sua imagem positiva se apoia mais em impressões superficiais do que em conhecimento sobre sua trajetória. O governador é descrito por eleitores não paulistas como “preparado”, “honesto”, “capaz” e “articulador”. Em cidades como Florianópolis (SC) e Blumenau (SC), chega a ser chamado por eleitores de “o próximo presidente”.
Apesar da boa impressão, as pesquisas indicam que o conhecimento sobre o governador paulista ainda é muito limitado. Fora de São Paulo, Tarcísio é lembrado principalmente por sua passagem nos governos Dilma Rousseff (PT) e Jair Bolsonaro — referência usada por eleitores para justificar os atributos de “moderado” e “técnico”. Ele também é frequentemente associado à figura de gestor que tira do papel grandes obras de infraestrutura.
Fora de São Paulo, pouco se sabe sobre a gestão de Tarcísio — sinal de que, numa eventual campanha presidencial, ele terá de se apresentar melhor ao eleitorado. Um dos raros assuntos locais citados em qualitativas pelo País é a dispersão da Cracolândia. Em Estados Brasil afora, é forte a percepção de que Tarcísio teria conseguido resolver o problema crônico da região, segundo o relatório do Travessia.
Embora seja visto como aliado próximo de Bolsonaro, o governador é lembrado em outros Estados principalmente pela postura “técnica e comedida”, diz Renato Dorgan, cientista político e CEO do Travessia. São raras as críticas à sua gestão ou forma de governar.
“O que prevalece fora de São Paulo é a imagem de um engenheiro militar sério e religioso”, observa Dorgan, responsável pelos levantamentos. Ele pondera que as pesquisas foram feitas antes da condenação de Bolsonaro e da guinada no discurso de Tarcísio, que em manifestação no 7 de Setembro chamou o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), de “ditador”.
As pesquisas qualitativas do Travessia indicam que Tarcísio tem hoje mais força eleitoral fora de São Paulo do que em seu próprio Estado e é visto como mais viável que outros nomes da direita, como a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro (PL) e os governadores Eduardo Leite (RS, do PSD), Romeu Zema (MG, do Novo), Ronaldo Caiado (GO, do União Brasil) e Ratinho Júnior (PR, do PSD).
Entre os nomes da direita e centro-direita, Michelle é a que mais se aproxima de ocupar o espaço hoje liderado por Tarcísio. Mas enfrenta dois obstáculos: a falta de experiência e a força do antibolsonarismo, que aparece até entre eleitores sem qualquer identificação com a esquerda, diz Dorgan. Segundo ele, os grupos focais de qualitativas mostram que Tarcísio consegue unir a direita e a centro-direita. Ao mesmo tempo, ainda atrai eleitores arrependidos de Lula de perfil centralizado e outros que classificam a gestão do petista como regular.
Descolamento entre gestão e imagem
Se fora de São Paulo Tarcísio navega em águas tranquilas, dentro do Estado ele enfrenta um cenário mais dividido. No interior, as pesquisas qualitativas mostram uma avaliação bastante positiva para o governador, mas essa percepção se torna mais negativa à medida que se aproxima da capital paulista. Apesar dessas oscilações, Dorgan diz haver um “descolamento” entre a avaliação da gestão e a imagem do governador.

“Em todos os grupos que realizamos em São Paulo, há um contraste evidente entre a avaliação da gestão de Tarcísio e sua imagem pública. Existe um literal descolamento. Parece que a culpa de fragilidades na gestão não recai sobre ele, numa espécie de blindagem de imagem.”
Segundo Dorgan, quando o foco é o governo estadual, e não diretamente o governador, os eleitores não têm dificuldade em apontar insatisfações, e críticas recorrentes aparecem em diferentes áreas da gestão. Na segurança, apesar da aprovação à política “linha-dura” do secretário de Segurança Pública, Guilherme Derrite (PP), as mortes de agentes e as denúncias de violência policial têm abalado a confiança da população, que também relata sensação crescente de insegurança.
Na educação, famílias frequentemente classificam a rede estadual como “fraca” e citam problemas estruturais nas escolas e professores desmotivados. Já no transporte, as queixas se concentram na região da Grande São Paulo, com ênfase na superlotação do metrô e da CPTM.
A privatização da Sabesp, que foi uma das promessas de campanha de Tarcísio, divide opiniões. Os mais pobres e que moram em casas são os mais críticos, enquanto a classe média e os moradores de apartamentos demonstram menor resistência. Nas pesquisas qualitativas realizadas na Grande São Paulo, é comum a percepção de que o serviço piorou e os cortes noturnos e conta de água aumentaram.
“Embora a privatização da Sabesp ainda não seja um tema que enfraqueça a imagem do Tarcísio, pode virar um ponto de desconstrução, especialmente se a oposição conseguir explorar exemplos concretos de aumento de tarifas ou queda de qualidade”, diz Dorgan.
Ainda na avaliação do CEO do Travessia, em cidades do interior e do ABC prevalece a percepção de que Tarcísio prioriza a capital e não tem impactado a vida dos moradores dessas regiões.
“Isso reforça uma impressão de ‘governador distante’, mas que, em linha com a separação entre imagem e gestão que mostramos, não se transforma em rejeição pessoal. O efeito é mais de um ‘não sei o que ele faz aqui, mas parece que vai bem’“, explica o cientista político.
Apesar das dificuldades no próprio quintal, as pesquisas em São Paulo e em outros Estados indicam que Tarcísio é visto como um político que escapa da polarização entre Lula e Bolsonaro, tornando-se um nome competitivo para enfrentar Lula em 2026.
“Com Tarcísio, a disputa deixa de ser esquerda contra direita e passa a girar em torno da aprovação ou desaprovação de Lula — algo parecido com o posicionamento do PSDB entre 1994 e 2014. As qualitativas indicam que ele consegue atrair tanto parte do eleitorado que classifica o governo Lula como regular quanto o que se identifica com Bolsonaro, para quem aparece como herdeiro natural”, avalia Dorgan.
Siga o ‘Estadão’ nas redes sociais