Lula combina nova estratégia com Alcolumbre para barrar PEC da Blindagem e anistia a Bolsonaro
BRASÍLIA – Depois das manifestações deste domingo contra a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Blindagem e o projeto da anistia, o governo Lula está agora nas mãos do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP). Diante da fragorosa derrota na Câmara, com a aprovação do requerimento de urgência para acelerar o perdão aos condenados do 8 de Janeiro, o Palácio do Planalto partiu para a ação. Desde a semana passada, começou a articular um movimento que envolveu até artistas para pressionar o Congresso a recuar da intenção de beneficiar o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e, de quebra, enterrar a manobra que salva deputados e senadores encrencados com a Justiça.
A estratégia foi combinada com o próprio Alcolumbre para ajudá-lo a convencer seus pares de que, com tamanha resistência da sociedade – como mostraram as manifestações em mais de 30 cidades do País, incluindo as capitais –, é impossível dar sinal verde tanto à PEC da Blindagem como ao indulto.
Batizada de “PEC da Bandidagem” nas redes sociais e nos cartazes dos protestos deste domingo, a proposta impede a abertura de processos criminais contra parlamentares, como no caso das apurações de desvios de emendas ao Orçamento, sem que haja autorização do Congresso.
Além disso, o governo também conta com Alcolumbre para segurar qualquer projeto que, tenha ou não o nome de anistia, afrouxe a pena de Bolsonaro, condenado a 27 anos e 3 meses de prisão pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

O Planalto acionou artistas e influencers para impulsionar o movimento contra privilégios de parlamentares, e também contra o perdão a Bolsonaro, na esteira das manifestações deste domingo. Foram as maiores mobilizações da esquerda em tempos recentes, que surpreenderam bolsonaristas pelo tamanho, até mesmo da Bandeira do Brasil aberta em frente ao MASP, na Avenida Paulista – um contraponto à dos Estados Unidos, esticada no mesmo local durante o ato pró-anistia, em 7 de Setembro, dia da Independência.
Caetano Veloso, Chico Buarque e Gilberto Gil, que participaram dos protestos no Rio de Janeiro, continuarão engrossando o coro contra a “PEC da Bandidagem”, assim como a cantora Anitta.
Vamos ficar atentos para mais esse desserviço na nossa política pic.twitter.com/S4WlsxOIjX
— Anitta (@Anitta) September 18, 2025
No dia da apreciação do tema na Câmara, porém, 12 dos 51 deputados do PT presentes votaram a favor da proposta, sob o argumento de que era preciso fazer um acordo para o Centrão barrar a anistia e aprovar medidas populares, como a gratuidade da conta de luz a famílias carentes.
O apoio de parte da bancada ao texto da blindagem abriu uma crise no PT, mesmo porque foi graças ao aval de oito petistas, no segundo turno, que o Centrão conseguiu ressuscitar o voto secreto para proteger parlamentares de investigações criminais. Até presidentes de partidos ganharam o prêmio. A polêmica segue agora para o Senado.
“Nós estamos com muitos problemas ao mesmo tempo. Estamos com os problemas daqueles que falam que vão obstruir 24 horas por dia para não votar mais nada e daqueles que não querem votar a legislação porque ficam se atendo aos debates, seja do Judiciário, seja de impeachment de ministro do Supremo, seja de anistia…”, disse Alcolumbre na sessão de quarta-feira. “Isso aqui é um desabafo: está impossível tentar contornar situações como essa. A gente está sendo atropelado e dragado por uma mesma conversa desde a última eleição.”
O ultimato dado pela cúpula do União Brasil para que todos os filiados com cargos saiam do governo, sob pena de expulsão, reforçou ainda mais o poder do comandante do Senado.
Alcolumbre é o principal interlocutor do presidente Luiz Inácio Lula da Silva no Centrão e tem indicados na Esplanada dos Ministérios, em empresas estatais e em agências reguladoras. Muitos deles, no entanto, não são das fileiras do União Brasil, como os ministros Frederico de Siqueira Filho (Comunicações) e Waldez Góes (Integração e Desenvolvimento Regional). O único ministro do partido que deixará o primeiro escalão é Celso Sabino, do Turismo, apadrinhado pela bancada da Câmara.
O governo se decepcionou com o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB). No diagnóstico do Planalto, Motta é suscetível a pressões do Centrão, tem comportamento pendular e volta atrás nos tratos firmados. Aliados de Lula citam dois casos de descumprimento de negociações: a votação da urgência para a tramitação do projeto de anistia e a derrubada do aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). O presidente da Câmara nega ter havido acordo nos dois episódios.

Designado por Motta para ser o relator do projeto de anistia, o deputado Paulo Pereira da Silva (SP), presidente do Solidariedade, disse que não haverá perdão amplo, geral e irrestrito para os condenados pela trama golpista.
“O que estamos tratando é para reduzir penas. Isso é que pode pacificar o País”, afirmou Paulinho da Força, como é conhecido o deputado, em entrevista à Rádio Eldorado, do Grupo Estado. “Se vai reduzir para que o Bolsonaro seja liberado, aí é outra coisa. Não vou fazer projeto para afrontar o Supremo Tribunal Federal”, completou.
A minuta do projeto de lei que deve ser apresentado nesta semana para apreciação do plenário – chamado agora de “PL da Dosimetria” por ser referir ao tamanho das penas – passou pelo crivo do ex-presidente Michel Temer, de ministros do STF, de Motta, dos deputados Arthur Lira (PP-AL), Aécio Neves (PSDB-MG) e do senador Ciro Nogueira (PP-PI), entre outros.
“O Centrão precisa namorar o Bolsonaro para ver se Tarcísio herda os votos dele na eleição de 2026, mas tem medo de enfrentar o Supremo”, fustigou o deputado Rogério Correia (PT-MG), numa referência ao governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), cotado para concorrer ao Planalto.
Para Marco Aurélio de Carvalho, coordenador do Prerrogativas – grupo de advogados ligados ao PT –, a proposta de reduzir as punições dos condenados por tentativa de golpe é um “escárnio” e uma “aberração” jurídica.
“Estão fazendo uma espécie de anistia com botox”, ironizou Carvalho. “Mudaram o nome para suavizar o que não pode ser suavizado. Todos sabem que quem faz dosimetria é o Judiciário, e não o Legislativo. Chega a ser sórdido que esse acordo seja costurado por Temer, um professor de Direito Constitucional.”
Estão fazendo uma espécie de anistia com botox. Mudaram o nome para suavizar o que não pode ser suavizado
Marco Aurélio de Carvalho, coordenador do grupo Prerrogativas
Nos últimos dias, porém, Lula deu sinais trocados sobre o assunto. Em almoço com parlamentares e dirigentes do PDT, na quarta-feira, ele disse ser favorável a um acordo com o Centrão para diminuir as penas dos condenados do 8/1, desde que a medida não contemplasse Bolsonaro.
Durante o encontro, no Palácio da Alvorada, Lula observou que sabe como é difícil passar por essa situação por ter ficado 580 dias preso, de abril de 2018 a novembro de 2019.
O comentário aborreceu petistas, que têm manifestado repúdio à operação montada para beneficiar Bolsonaro. O presidente do PT, Edinho Silva, afirmou, por exemplo, que votar redução de pena, neste momento, significa avalizar crimes graves.
“Não podemos esquecer que havia um plano para assassinar Lula, o vice Geraldo Alckmin e o ministro Alexandre de Moraes”, destacou Edinho. “Ou as lideranças políticas entendem o que de fato incomoda a população ou a pauta do Congresso, com anistia para golpista, assassinos, prerrogativas, etc, será o fermento de mobilizações que só estão começando.”
Na avaliação do presidente do PL, Valdemar Costa Neto, a bancada de seu partido e a maioria dos senadores não aceitarão uma meia-anistia.
“Davi Alcolumbre trabalha para o Supremo. Ele não trabalha para o Senado. Mas vai pagar caro, se não se comportar como tem de se comportar”, declarou Valdemar à Rádio Itatiaia, ao prever que Alcolumbre pode não ter apoio para se reeleger ao comando da Casa de Salão Azul, em 2027.
O presidente do PL também ameaçou organizar a obstrução das sessões na Câmara e no Senado, caso o projeto de anistia ampla seja engavetado. “Nossa única arma é a obstrução. Se não for por bem, a gente começa a obstruir os trabalhos”, admitiu.