Por erros próprios, direita sofreu uma série de gols da esquerda nas últimas semanas. Veja os lances
Por mais que isso cause irritação dos apaixonados, as manifestações deste domingo, 21, promovidas pelas agremiações de esquerda não foram gigantescas, porém bastante expressivas. Levaram 42,4 mil pessoas em São Paulo (0,37% da população da cidade) e 41,8 mil no Rio de Janeiro (0,60%), de acordo com levantamento de grupo da USP, fora os atos em todo o Brasil. Mas as imagens panorâmicas da multidão significaram a superação de algo que se tornou um trauma: de que a esquerda não conseguia mais colocar gente na rua, a não ser militância paga “com sanduíches de mortadela”. Agora, após os protestos de domingo contra a PEC da Blindagem e contra a concessão de anistia para os condenados por tentativa de golpe de Estado, a angústia acabou por um tempo. Foi um empate com os bolsonaristas, que reuniram número semelhante de pessoas nos atos de 7 de Setembro.
Mas os ganhos da esquerda foram bem além da questão quantitativa. A bandeira do Brasil, gigante, na Avenida Paulista, que estampa as capas dos jornais desta segunda-feira, 22, marca a recuperação de valores simbólicos que haviam sido perdidos para o outro lado: como a defesa da soberania e do patriotismo. Essa bandeira brasileira tinha se tornado quase exclusividade da direita até o tarifaço que o presidente americano Donald Trump aplicou no Brasil, com inegável apoio da família Bolsonaro – somada com a flâmula, também enorme, dos Estados Unidos, aberta no dia 7/9, na Paulista, numa típica ideia infeliz. No meio de tanta gente de vermelho, o pessoal de verde-amarelo também marcou presença nas ruas no domingo.
A incrivelmente atrapalhada tramitação da PEC da Blindagem (ou da Bandidagem, como queira) acabou por se tornar um presente para a esquerda. A direita não foi eficiente ao tentar emplacar o discurso de que se tratava de uma proteção contra os abusos do Supremo Tribunal Federal (STF) contra o Parlamento. Ficou como um artifício para proteger bandidos com apoio massivo do partido de Bolsonaro, o PL.
Portanto, foi como aquelas saídas de bola em que a defesa entrega a pelota para o atacante adversário, num erro de passe bisonho. Eis que, menos de uma década após ver quase toda sua cúpula ser trancafiada por denúncias de desvios bilionários na Petrobras, o Partido dos Trabalhadores volta a envergar a bandeira da luta contra a corrupção. Com ressalvas, pois 12 parlamentares da sigla votaram pela blindagem. Mas ficou prejudicado o discurso político bolsonarista de que no grupo deles não havia máculas expressivas nesta área. “Não roubei os cofres públicos, não desviei recurso público, não matei ninguém, não trafiquei ninguém”, disse o próprio Bolsonaro em julho deste ano, em ideia repetida pela militância para atribuir-lhe inocência.
Finalmente, há outro ponto delicado que a esquerda perdeu a bandeira há tempos: a liberdade de expressão. A chegada do chamado identitarismo acabou por se tornar uma chancela por movimentos censórios (para não ofender ou não humilhar grupos subalternos, alega-se). Além disso, como mostrou, com exemplos, o cientista político Fernando Schüler, em coluna do Estadão de sábado, a censura política está de volta ao Brasil, conduzida pelo STF.
Nesse sentido, soou irônico os medalhões da MPB terem cantado a clássica “Cálice”, um protesto inventivo dos anos 70 contra a prática da censura pelos governos militares. Mas, nesse sentido, a defesa da liberdade de expressão pela direita bolsonarista tem algo hipócrita. Primeiro pela nostalgia do regime de 1964 e pelo fato de outro grande ídolo da turma, o Trump, já ter rasgado a fantasia libertária e promovido uma onda censória contra os veículos de imprensa discordantes nos Estados Unidos. Nesse quesito: empate. Mas o número de gols políticos que foram parar nas redes da direita foi maior nesses últimos e tumultuados dias. O mais convincente deles, é claro, foi a condenação de Bolsonaro a 27 anos de prisão. Mas esse é um jogo que só termina em outubro do próximo ano.