STJ reconhece direito de ex-cônjuge a lucros de participação societária
O artigo 600, parágrafo único, do Código de Processo Civil, viabilizou ao “cônjuge ou companheiro do sócio, cujo casamento, união estável ou convivência terminou”, requerer a apuração de seus haveres sobre as cotas sociais que antes estavam em regime de comunhão.
A discussão, no caso julgado pelo Superior Tribunal de Justiça, visava ao reconhecimento do direito do ex-cônjuge aos lucros decorrentes da participação societária sobre a qual tinha meação e, portanto, lhe foi partilhada, enquanto não apurados e recebidos os seus haveres, uma vez que este não ingressou na sociedade.
Foram proferidas decisões, em primeiro e segundo grau de jurisdição, que afastavam a aplicação do disposto no artigo 1.027 do Código Civil quanto ao direito ao recebimento, enquanto não liquidada a sociedade, dos lucros decorrentes da participação societária. O entendimento foi de que o novo dispositivo (CPC, art. 600, § único) teria revogado o anterior (CC, 1.027).
O Tribunal de Justiça de São Paulo, em julgamento de agravo de instrumento, manteve a decisão proferida em primeiro grau, por meio da qual o juízo singular havia afastado a pretensão aos lucros. O argumento de que o direito ao recebimento aos lucros referidos se findaria com a resolução da sociedade – que teria se dado com a separação de fato do casal – e, portanto, estaria incluído nos haveres a serem apurados, limitando aos haveres o direito do ex-cônjuge.
Em recurso especial, alegou-se a violação ao artigo 1.027, haja vista que, desde a separação de fato até o efetivo recebimento dos haveres – do que dependia não só o ajuizamento de apuração de haveres, como também a instrução processual e, principalmente, a avaliação das cotas partilhadas -, o ex-cônjuge não sócio nada receberia.
O cônjuge sócio, por sua vez, ainda integrante dos quadros sociais, receberia, em detrimento daquele, a integralidade dos lucros decorrentes da totalidade das cotas – que ainda permaneciam em seu nome -, em evidente prejuízo ao direito de propriedade daquele, configurando-se hipótese de enriquecimento ilícito, vedada pela legislação nos termos do artigo 884 do Código Civil.
Em brilhante análise das disposições legais, a ministra Nancy Andrighi, relatora do REsp 2.223719/SP, destacou que, muito embora receba o direito à sua meação, o cônjuge divorciado não integra, automaticamente, os quadros da sociedade, por força da intenção do legislador de preservar empresa, do que exsurgiu o artigo 1.027 do Código Civil, que permitia o recebimento aos lucros, mas não o direito de liquidar sua participação societária.
Segundo o voto, ainda, o advento do parágrafo único do artigo 600 do CPC, passou a autorizar, de imediato, ao “ex-cônjuge à proposição da apuração de haveres da sociedade, pagos à conta da quota social titularizada pelo ex-cônjuge sócio”.
Nos termos do voto, o artigo 600, parágrafo único, revogou apenas parte do artigo 1.027, especificamente no que se referia à vedação ao direito de se liquidar, de imediato, a participação societária, mantendo-se “inalterada, todavia, a parte final do art. 1.027 do CC, que garante ao cônjuge do sócio ‘concorrer à divisão periódica dos lucros, até que se liquide a sociedade”, concluindo-se pela aplicação conjunta dos dispositivos.
Por fim, a ministra relatora consignou que, com a partilha das cotas, os ex-cônjuges passam à condição de condôminos, de modo que, observada a regra do art. 1.319 do Código Civil (“cada condômino responde aos outros pelos frutos que percebeu da coisa e pelo dano que lhe causou”), bem como que os lucros são os frutos decorrentes da participação societária, o ex-cônjuge “tem direito à participação nos lucros e dividendos distribuídos pela sociedade até a apuração dos haveres e efetivo pagamento, momento em que s encerra o condomínio das cotas”.
Isso porque “interpretação diversa acarretaria o alijamento do cônjuge não sócio do exercício pleno de sua propriedade”, pois, até a efetiva liquidação da sociedade, “ficaria impossibilitado de receber o valor patrimonial correspondente às participações societárias de que é proprietário e tampouco poderia usufruir de seus frutos”, o que representaria “enriquecimento sem causa do cônjuge sócio”.
O voto da ministra foi acolhido por unanimidade, ensejando a pacificação da questão que, há muito, assombrava litígios em matéria societária envolvendo o direito de família e sucessões, reconhecendo a plena vigência da parte final do artigo 1.027, que se aplica não só às partilhas de divórcio, como também àquelas decorrentes de inventários.