22 de setembro de 2025
Politica

Thaís e Mavie passam bem!

Recentemente, no estado do Rio de Janeiro, Thaís, uma mulher de 31 anos, grávida de 39 semanas, chegou à Defensoria Pública da União (DPU) na capital em busca de ajuda. O diagnóstico médico era grave: sua bebê, ao nascer, necessitaria de uma intervenção com broncoscópio para evitar parada respiratória causada por má formação na veia da aorta. O risco de não resistir às primeiras horas de vida era real. No hospital onde estava internada não havia o equipamento necessário, e começou uma corrida contra o tempo para conseguir vaga em outro hospital público. O tio de Thaís, que não tem plano de saúde nem condições de pagar atendimento particular, recorreu em desespero à Defensoria. A atuação célere e técnica dos defensores garantiu judicialmente a transferência para o IFF – Instituto Nacional de Saúde da Fundação Oswaldo Cruz. Graças a isso, tanto a mãe quanto a pequena Mavie, hoje com 45 dias, estão saudáveis e com seus direitos assegurados. O caso aconteceu no Rio de Janeiro, uma das maiores cidades do país, que felizmente já conta com defensores federais atuando. Mas e se a mesma situação ocorresse em tantas outras localidades brasileiras onde a DPU não está presente e a vida de um bebê dependesse de um hospital público federal?

Este é apenas um exemplo, entre milhares, do impacto real que a Defensoria Pública tem na vida de pessoas vulneráveis. Também mostra que o acesso à Justiça ainda não é uma realidade para todos. Se Thaís estivesse em uma cidade sem defensores federais, a história poderia ter sido trágica.

Apesar de sua relevância constitucional, a DPU cobre apenas 28,2% das localidades da Justiça Federal. Das 276 seções e subseções judiciárias federais, só 78 contam com atendimento integral. Milhões de brasileiros pobres seguem privados do direito elementar de acesso a um defensor público que os represente diante da União.

A Constituição de 1988 reconheceu a Defensoria como essencial à Justiça. E a Emenda Constitucional nº 80, de 2014, determinou prazo de oito anos para que DPU estivesse em todas as unidades jurisdicionais. Esse prazo se esgotou em 2022 e até hoje não foi cumprido.

É neste contexto que surge a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 7792), proposta pela Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos Federais (Anadef) ao Supremo Tribunal Federal. O pedido não busca privilégios orçamentários, mas uma interpretação constitucional que permita à DPU estar presente onde a Justiça Federal atua.

A ação pede que as limitações da Lei Complementar nº 200/2023 — que substituiu o teto de gastos — não incidam sobre os recursos necessários à interiorização da DPU. Após a expansão, o orçamento voltaria integralmente às regras fiscais. O que esperamos é que seja criada uma mesa de diálogo com o Executivo, Judiciário e DPU que resulte em um plano efetivo de interiorização da Defensoria Pública Federal.

A urgência é clara. A Pesquisa Nacional da Defensoria Pública de 2025 aponta que “72.078.002 habitantes não possuem acesso aos serviços jurídico-assistenciais oferecidos pela Defensoria Pública da União”. Dentro desse total, “64.682.759 são economicamente vulneráveis, com renda de até três salários-mínimos, sem condições de contratar advogado particular”. Em termos proporcionais, a pesquisa conclui que “cerca de 33,9% da população brasileira se encontra à margem do sistema de justiça federal e impedida de reivindicar seus próprios direitos”.

Mais grave: a mesma pesquisa mostra que “todo o orçamento aprovado para a Defensoria Pública Federal no ano de 2025 corresponde a apenas 0,04% do orçamento fiscal da União”. Em termos práticos, isso significa que “cada R$ 100,00 do orçamento fiscal federal destinam apenas R$ 0,04 à Defensoria Pública da União”. Esse valor irrisório, comparado à grandiosidade de outras áreas, revela que o obstáculo à interiorização da DPU não é econômico, mas político.

Diante disso, é preciso afirmar: a União, se tiver vontade política, pode remanejar recursos e priorizar a interiorização da DPU. Trata-se de decidir que o acesso à Justiça dos mais pobres esteja entre as prioridades do Estado.

Luciana Dytz é defensora pública federal.
Luciana Dytz é defensora pública federal.

Ao não cumprir a EC 80, o Brasil perpetua desigualdade estrutural: juízes federais, procuradores e advogados da União estão em todas as subseções, enquanto defensores federais — que atendem justamente os mais pobres — seguem ausentes em mais de 70% delas. É aceitar que a porta da Justiça se abra apenas para alguns.

A DPU é jovem, nascida com a Constituição de 1988 e implantada em 1995 em caráter emergencial. Sua autonomia orçamentária só veio em 2013. Quando o teto de gastos foi instituído, em 2016, a expansão da Defensoria ainda estava em fase inicial. Diferentemente de outras carreiras já consolidadas, a DPU foi diretamente impactada.

Interiorizar a DPU é mais do que exigência constitucional. É garantir que mulheres como Thaís, trabalhadores rurais, indígenas, quilombolas e milhões de brasileiros vulneráveis tenham voz no sistema de Justiça. Cumprir a Constituição não pode ser visto como gasto, mas como investimento em cidadania. A ADI 7792 pede ao STF que reafirme o óbvio: a Justiça só é plena quando chega a todos.

 

 

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