23 de setembro de 2025
Politica

A escalada do crime organizado ameaça até nossos alimentos

A recente operação Carbono Oculto e o assassinato do ex-delegado geral da Polícia Civil Ruy Ferraz Fontes são dois fatos que resultam numa conclusão cabal: o crime organizado, abrigado em siglas como PCC e Comando Vermelho, é o principal problema brasileiro. Do tráfico de drogas e assaltos, ele passou a controlar fintechs e licitações públicas. Elegeu parlamentares. E agora, ameaça os nossos alimentos a partir da falsificação e contrabando de agrotóxicos.

Esse não é um crime periférico. Ao longo de mais de uma década, investigações conduzidas pelo Gaeco em Franca (SP) revelaram que o PCC se infiltrou de maneira sistemática no mercado clandestino de defensivos agrícolas. Operações como Lavoura Limpa (2014), Princípio Ativo (2020), QR Code (2020), Piratas do Agro (2022) e Castelo de Areia (2024) desbarataram uma rede organizada em pelo menos nove núcleos distintos, dentre eles: falsificação de rótulos, corrupção de agentes públicos, produção de galões, tampas e lacres, emissão de notas fiscais frias, logística de distribuição e capilaridade no campo.

Em julho deste ano, numa chácara no interior paulista, a investigação apreendeu 30 mil embalagens falsificadas prontas para uso, entre elas quase 20 mil galões de diferentes tamanhos, 10 mil garrafas de um litro, 17 mil tampas e matrizes para impressão. Havia até uma arma de fogo no local. O prejuízo estimado ao setor formal, apenas nesse episódio, ultrapassou R$ 30 milhões. Esses números mostram que o crime já não atua de forma improvisada: estruturou-se para concorrer diretamente com o mercado legal.

A engrenagem é internacional. Insumos e precursores químicos entram sobretudo pelo Paraguai, Uruguai e China. A logística de contrabando é refinada, utilizando rotas conhecidas do tráfico e criando canais permanentes de abastecimento. O resultado é devastador: agricultores desavisados acabam aplicando agrotóxicos sem registro, contaminando solos e águas, expondo trabalhadores e consumidores a riscos incalculáveis. Além do envenenamento silencioso, há evasão fiscal bilionária e desmonte da competitividade de empresas que operam dentro da lei.

O paralelo com a Operação Carbono Oculto é inevitável. Se no setor de combustíveis o PCC movimentou R$ 52 bilhões em apenas quatro anos por meio de mil postos controlados e fintechs usadas como “bancos paralelos” para lavar dinheiro, no campo o método é semelhante: infiltração econômica, empresas de fachada, manipulação de cadeias produtivas e lavagem de dinheiro em larga escala. O objetivo é sempre o mesmo — consolidar poder e fragilizar o Estado.

Como Promotor, acompanhei de perto esses casos e posso afirmar: embora tenhamos apreendido toneladas de agrotóxicos ilegais, fechado laboratórios, descapitalizado os grupos e denunciado dezenas de envolvidos, os resultados ainda estão aquém da velocidade de adaptação das facções. Para virar esse jogo, não basta a atuação isolada de promotorias ou polícias. É indispensável uma integração real entre União, estados e municípios, com cooperação da iniciativa privada. O Ministério da Agricultura precisa trabalhar em sintonia com a Receita Federal e a Polícia Rodoviária. A ANVISA e o IBAMA devem compartilhar dados em tempo real com investigadores. E bancos que facilitam, mesmo por negligência, movimentações ilícitas têm de ser punidos exemplarmente com base no regramento vigente.

A guerra contra o crime no front agrícola deve ser tratada como uma guerra química em curso. Hoje, o mercado ilegal já movimenta cerca de 30% de todos os defensivos agrícolas em circulação no Brasil, corroendo a economia formal e alimentando facções. Os custos socioambientais são subestimados: em 2018, o impacto potencial superou R$ 3 bilhões em perdas. Entre 2019 e 2023, foram registrados 14,5 mil casos de intoxicação aguda por agrotóxicos ilegais, com 439 mortes confirmadas. Cada litro falsificado não representa apenas concorrência desleal — significa contaminação de trabalhadores, envenenamento de consumidores e prejuízo bilionário para a agricultura legal.

É hora de abandonar disputas institucionais e unir esforços. O combate ao crime organizado no mercado de agrotóxicos é uma questão de saúde pública, de soberania econômica e, sobretudo, de futuro. O Brasil não pode se dar ao luxo de perder essa guerra.

 

 

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