Conselhos propõem geolocalização e reconhecimento facial para espiar juízes e promotores
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) avaliam implementar regras administrativas rígidas para ampliar o controle da presença de juízes, desembargadores, promotores e procuradores nos fóruns e promotorias.
São propostas para impor a magistrados e membros do Ministério Público comparecimento presencial nas repartições e proibir que participem ”habitualmente” de sessões e audiências no regime remoto.
O ministro Mauro Campbell, corregedor do Poder Judiciário, foi o primeiro a redigir uma minuta de provimento nesse sentido. O texto foi entregue ao CNJ no último dia 2.
O procurador-geral da República Paulo Gonet apresentou nesta terça, 23, uma versão bem semelhante ao Conselhão do MP, inspirada no projeto Campbell.
Os projetos ainda não foram votados pelos conselheiros.

Uma alternativa em debate, para fiscalizar o cumprimento das normas que vierem a ser aprovadas, é o uso de ferramentas de geolocalização, controle de IP e reconhecimento facial ou biométrico.
Os conselhos avaliam que é necessário um “acompanhamento periódico e sistemático” pelas corregedorias para garantir que o trabalho está sendo feito presencialmente.
Depois da pandemia da covid-19, não houve adesão completa ao trabalho presencial no Judiciário e no Ministério Público. As jornadas remotas foram autorizadas excepcionalmente no auge da crise sanitária para evitar a contaminação sem paralisar a Justiça. Apesar de obrigatório, o retorno ao sistema anterior tem enfrentado resistência e as audiências por videoconferência continuam parte da rotina do Judiciário.
Um desembargador experiente ouvido reservadamente pelo Estadão elogiou a iniciativa. Para o magistrado, lugar de juiz é no fórum. O desembargador avalia que a carreira oferece remuneração compatível com o trabalho presencial.
Se, de um lado, as propostas fecham o cerco sobre o trabalho à distância, de outro flexibilizam uma imposição antiga – e prevista em lei – às carreiras: a de que magistrados e promotores têm que morar na cidade onde estão lotados. A obrigação está expressa nas leis orgânicas da magistratura e do Ministério Público.
O CNJ e o CNMP reconhecem que a proximidade com a comunidade é “essencial” para o exercício eficiente das funções de juízes e promotores, mas avaliam abrir uma brecha na regra.
As propostas preveem a possibilidade de “autorização excepcional” para residência fora, a até 100 quilômetros de distância das comarcas, desde que os magistrados e membros do Ministério Público compareçam no mínimo quatro vezes na semana ao trabalho presencial, mantenham a produtividade e não deixem nenhum processo parado por mais de 120 dias.
A ideia é usar as metas nacionais do Poder Judiciário, estabelecidas pelo CNJ, e do Plano Nacional de Atuação Estratégica do Ministério Público, definidas pelo CNMP, como parâmetro de produtividade.
Essa “autorização excepcional” poderá ser concedida “mediante demonstração de situação relevante de segurança ou de saúde, ou a partir de critérios que importem maior eficiência administrativa”, segundo as propostas.

O pleito foi levado ao CNJ em julho pelo Colégio Permanente de Corregedores-Gerais dos Tribunais de Justiça. O órgão alegou que as corregedorias têm “dificuldade” de fiscalizar se os magistrados de fato moram nas respectivas comarcas.
Em defesa das mudanças, Paulo Gonet argumentou que há necessidade de definir “critérios para eventual autorização que excepcione a mencionada obrigação [de morar na comarca]”.
Em relação ao controle sobre o trabalho presencial, o procurador-geral defendeu “avanços tecnológicos que permitam o acompanhamento das atividades ministeriais, mediante a elaboração de relatórios que irão auxiliar a gestão das unidades e ramos ministeriais”.
O CNJ e o Conselhão do MP reconheceram a simetria entre as carreiras da magistratura e do Ministério Público. Os conselhos aprovaram resoluções que equiparam magistrados, procuradores e promotores e preveem “reciprocidade” em direitos e deveres. As regras vêm sendo aplicadas administrativamente pelos tribunais como uma estratégia para cruzar benefícios e vantagens salariais entre as carreiras.