Senado reforça freio a projetos polêmicos aprovados na Câmara e deve barrar PEC da Blindagem
Aprovada na Câmara sem maiores dificuldades, a PEC da Blindagem dificilmente passará pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, que analisará o texto nesta quarta-feira, 24, a partir das 9h. O episódio reforça um movimento mais amplo: desde 2023, o Senado tem se consolidado como barreira a pautas de forte apelo fisiológico ou ideológico aprovadas pelos deputados, como a legalização de cassinos, a flexibilização do porte de armas e a redução da maioridade penal.
Após a aprovação em dois turnos na Câmara, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), enviou a PEC à CCJ, onde o presidente da comissão, Otto Alencar (PSD-BA), já havia avisado que trabalharia para enterrar a proposta. “Vai ser uma farra, e vai aumentar a impunidade”, criticou. A resistência ganhou ainda mais fôlego após as manifestações de domingo, 21, em capitais de todo o País, contra a medida. Na terça-feira, 23, o relator da PEC, Alessandro Vieira, apresentou parecer recomendando a rejeição do texto e chamou a proposta de “abrigo para criminosos”.

A PEC da Blindagem é apenas o exemplo mais recente de uma lista de projetos que travaram no Senado. A legalização de cassinos, bingos e jogo do bicho, aprovada pela Câmara em 2022, chegou a ser pautada diversas vezes, mas nunca avançou por falta de consenso. Sob pressão de setores da sociedade civil, Alcolumbre retirou a proposta de votação em 2025 para evitar derrota no plenário.
Outras pautas de alto custo político tiveram o mesmo destino. A proposta que flexibilizava regras para caçadores, atiradores e colecionadores (CACs), enviada durante o governo Jair Bolsonaro, acabou retirada de pauta em 2024 e permanece engavetada.
Há ainda propostas antigas que não encontraram espaço para avançar. A PEC da maioridade penal, aprovada na Câmara em 2015 para reduzir a idade de imputabilidade de 18 para 16 anos em crimes graves, acabou engavetada após forte reação de senadores.
Já o chamado “PL do aborto”, que equipara a interrupção da gravidez após 22 semanas ao crime de homicídio, foi travado ainda na Câmara, mesmo após a aprovação da urgência, diante da rejeição antecipada no Senado. O então presidente da Casa Rodrigo Pacheco classificou a proposta como uma “irracionalidade sem cabimento ou lógica”.
Agora, o PL da Anistia, que teve urgência aprovada pela Câmara na última semana e pode ir direto ao plenário sem análise nas comissões, deve enfrentar a mesma barreira no Senado. Esse é um dos argumentos do relator do caso, Paulinho da Força, para discutir uma proposta alternativa. Na terça-feira ele avisou que seu texto não deverá reduzir as duas penas de golpe de Estado e abolição violenta do Estado democrático de direito, as mais graves aplicadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) aos integrantes do grupo central da trama golpista de 8 de janeiro.
O líder do governo, Randolfe Rodrigues (PT-AP), já reafirmou oposição tanto à anistia quanto à PEC da Blindagem e é categórico: “Querem debater dosimetria da pena, porque a lei é recente, aí é outro tipo de debate. Agora, anistia a crimes… nossa diretriz no Senado é barrar”, diz.
As duas iniciativas ganharam força como reação da Câmara ao julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) no STF e ao avanço das investigações sobre emendas parlamentares conduzidas pelo ministro do Supremo Flávio Dino.
Para o professor do IDP São Paulo, Vinicius Alves, o contraste entre Câmara e Senado decorre de fatores eleitorais e institucionais. Ele explica que senadores enfrentam um custo político mais elevado, já que disputam eleições majoritárias e precisam conquistar a maioria do eleitorado em seus Estados, enquanto deputados atuam em redutos menores e buscam visibilidade em pautas de maior apelo ideológico.
O relator da PEC da Blindagem no Senado, Alessandro Vieira (MDB-SE), reforça essa leitura. Para ele, o custo político “assegura uma análise mais cautelosa sobre os temas, e por isso há essa divergência de posições” entre as duas Casas. Segundo o senador, a experiência acumulada por parlamentares eleitos em disputas majoritárias contribui para uma avaliação “de melhor qualidade” sobre projetos.
Além do cálculo eleitoral, pesa a tradição do Senado de adotar uma postura mais cautelosa em temas sensíveis, sobretudo quando há risco de instabilidade política. Esse freio ganha força no cenário atual com Alcolumbre, que, mesmo após o União Brasil anunciar desembarque do governo, mantém-se aliado de Lula e atua para segurar propostas de maior desgaste.
Para Vinicius Alves, ao se colocar como barreira a pautas de forte apelo político e servir de contrapeso à Câmara, o Senado reforça sua posição como poder moderador legislativo em meio a crises recorrentes e disputas de protagonismo. “O Senado está agindo de maneira assertiva e recomendando maior prudência, servindo de contrapeso à Câmara”, completa.
Senadores criticam PEC da Blindagem
A PEC da Blindagem prevê que a abertura de ação penal contra parlamentares só ocorra com autorização prévia da respectiva Casa, em votação secreta. Na prática, o STF ficaria impedido de levar adiante processos criminais contra deputados e senadores sem o aval do Congresso. Hoje, há 36 inquéritos em tramitação na Corte envolvendo ao menos 108 parlamentares.
Otto Alencar, presidente da CCJ no Senado, diz que pretende “sepultar” a PEC. “É um tapa na cara do povo brasileiro”, afirmou. Para ele, a aprovação em plenário é “impossível”. Apesar da pressão do Centrão, Alencar garante que não vai ceder: “Não aceito pressão nem do Centrão, nem do Centrinho. Não tenho nenhuma vinculação com esse bloco.”
A resistência reúne até partidos que votaram a favor do texto na Câmara. Sergio Moro (União-PR) afirmou ser contra “da forma como o texto se encontra”. Jorge Kajuru (PSB-GO) chamou a PEC de “antidemocrática”.
Do outro lado, Marcos Rogério (PL) defende a proposta. Para ele, “o que está em jogo é o equilíbrio entre os Poderes”.