Enterro da PEC da Blindagem mostra que mobilização da sociedade civil é eficaz mesmo sob polarização
O enterro da PEC da Blindagem pelo Senado Federal trouxe a grata surpresa de que, mesmo diante de uma polarização ideológica deletéria, a mobilização da sociedade civil, se feita de forma rápida, inteligente e maciça, ainda é capaz de frear os arroubos de um Legislativo desconectado da realidade. A unanimidade exibida na CCJ da Casa, com voto contrário inclusive de quem até outro dia se dizia favorável, mostra que não se tratou apenas de uma diferença de interpretação entre Câmara e Senado, mas de um recuo evidente.
Isso só foi possível pois a sociedade reagiu rápido. E aí não falo apenas das manifestações que coalharam as ruas no último domingo, 21, convocadas por movimentos sociais, partidos de esquerda e, sobretudo, artistas. Na verdade, as manifestações articuladas por esses segmentos só foram um sucesso de público pois foram precedidas de uma espontânea revolta que tomou conta das redes após escancarado o absurdo da PEC em reportagens e editoriais de veículos de comunicação e em notas de entidades da sociedade civil.
O debate contaminou, positivamente, o País, suplantando a divisão social imposta pela polarização, da qual tratei aqui em junho, em artigo no qual apontava que o Congresso surfava nessa polarização entre Lula e Bolsonaro para fazer o que queria, ampliando privilégios.
Foi exatamente contando com a força dessa polarização que o bolsonarismo se alinhou ao Centrão em torno da PEC da Blindagem. Embora a disposição de trabalhar pela impunidade não seja um ‘privilégio’ desse grupo, como a história recente nos demonstra, o fato de parlamentares aliados a Bolsonaro estarem em busca de um salvo-conduto para continuar a guerra com o STF, aliado ao fato de o Centrão estar morrendo de medo dos inquéritos relacionados ao orçamento secreto, garantiu aprovação na Câmara. Com maioria expressiva graças ao apoio de uma parte da base do governo, incluindo o do PT, que também tinha interesse no tema e duvidava que ele geraria tamanha revolta.
No Senado tudo mudou depois que a sociedade reagiu. Nem Centrão, nem bolsonarismo fincaram o pé na defesa da proposta. Quem o fez, não se constrangeu em mudar de ideia. Um senador até então favorável chegou a argumentar, ao votar contra, que era a favor da discussão do tema e não do tema em si.
No fim, pesou muito mais o fato de que, ao contrário dos deputados que podem se eleger por nichos ideológicos fanáticos ou por bases eleitorais alimentadas por emendas, os senadores terão desafio maior em 2026. Nas urnas, em uma eleição majoritária, precisam do voto do eleitor médio e que estava indignado com o absurdo que era proposto.
Se o filme da PEC terminou com final constrangedor para a Câmara, se mostrou um presentão dos atuais deputados para os senadores que terão que enfrentar um processo eleitoral. Hugo Motta e Arthur Lira, que andaram pensando na possibilidade de mudar de Casa por meio das eleições de 2026, acabaram reforçando justamente os que lá estão para concorrer com eles. E que exibem agora aos seus eleitores terem feito o mínimo.