Promotor paulista pede suspensão de benefício de R$ 1,3 mi pago a ele e aponta irregularidade ao STF
BRASÍLIA – Em um contexto de proliferação de penduricalhos em diferentes ramos do Poder Judiciário e Ministério Público, o promotor aposentado do MP de São Paulo (MPSP) Jairo de Luca tomou o caminho contrário. Ele esteve entre os mais de 1.900 beneficiários da “compensação por assunção de acervo” autorizada pelo MPSP em fevereiro deste ano, mas pediu a suspensão do próprio benefício, avaliado em R$ 1,3 milhão. O promotor ainda ingressou com ação popular no Supremo Tribunal Federal (STF) apontando ilegalidades em resoluções que sustentam a criação deste tipo de penduricalho.
A postura do aposentado contrasta com a de outros juízes e procuradores que tentam justificar o recebimento de cifras milionárias acima do teto como uma “necessidade” diante do custo pessoal elevado no exercício das funções ou do fato de a remuneração ser abaixo do praticado pelo mercado privado de grandes firmas de advocacia.

Procurado pelo Estadão, De Luca apenas afirmou que “a petição inicial (no STF) é autoexplicativa, que o objeto da ação precisa ser amplamente discutido e que seria útil debater a criação de conselhos populares de gestão das finanças do sistema de Justiça”.
A ação popular movida por De Luca mira uma resolução e uma recomendação do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), publicadas durante a gestão do ex-procurador-geral da República Augusto Aras, que abrem brechas para que os órgãos do MP autorizem o pagamento de licença compensatória, compensação por assunção de acervo pessoal e compensação por substituição. Esse benefícios são pagos acima do teto remuneratório do funcionalismo público, que atualmente está fixado em R$ 46,3 mil.
Procurado, o CNMP não se manifestou. O MPSP afirmou que “não foi citado ou intimado da ação em questão e, portanto, não pode se manifestar”.
O processo movido pelo membro aposentado do MPSP está sob relatoria do ministro Edson Fachin, que deve decidir pelo recebimento ou não da ação, antes de julgar o mérito. De Luca pede na ação que os dispositivos criados pelo CNMP sejam declarados nulos, pois estariam em desacordo com a lei e o colegiado não teria competência para regulamentar o pagamento de benefícios.

O promotor afirma que os atos editados pelo CNMP estão em desacordo com as leis federais 13.093 e 13.095, ambas de 2015, que serviram de embasamento para regulamentar os benefícios. As leis criaram a gratificação por acúmulo de jurisdição ou acervo para os juízes federais e do trabalho, mas estabeleceram requisitos e declararam que o pagamento desses benefícios deveria ser “remuneratório” – ou seja, dentro do teto -, diferentemente do autorizado pelo CNMP.
De Luca menciona o penduricalho de R$ 1 milhão autorizado pelo MPSP, do qual ele foi beneficiado inicialmente, mas pediu a suspensão, como uma consequência dos dispositivos criados pelo CNMP. Ele afirma que a resolução e a recomendação têm gerado “pagamentos questionáveis do ponto de vista da legalidade e da moralidade a praticamente todos os integrantes do sistema de justiça do País”.
O promotor destaca na ação que o CNMP, ao prever gratificação por acúmulo processual, definiu como parâmetro a carga extra de trabalho acumulada pelo próprio promotor em vez de deixar expresso que o benefício só seria pago àqueles servidores que acumulassem temporariamente o acervo de processos de outro colega.
O CNMP estabelece na resolução 253/22 que os órgãos poderão conceder licença compensatória a cada três dias trabalhados, limitando-se à concessão a 10 dias por mês. Caso as folgas não seja utilizadas, será permitido o pagamento de uma indenização, acima do teto, portanto, de 1/3 do salário do promotor ou procurador.
O órgão não cita, contudo, a obrigatoriedade de que o trabalho extraordinário seja de funções alheias às realizadas regularmente pelo beneficiário. Em alguns casos, esse entendimento é aplicado retroativamente, o que gera valores milionários.
“Com efeito, ao editar a Resolução n. 253/22, o CNMP abriu margem para que os membros do Ministério Público ganhem mais ao exercer as próprias funções institucionais, em valor que pode ultrapassar o teto constitucional”, afirmou De Luca na ação popular.
“Não se consegue vislumbrar embasamento legal para que membros do Poder Judiciário e do Ministério Público, assim também de outras instituições que integram o sistema de Justiça, incluídos os Tribunais de Contas, recebam verbas extras, correspondentes até um terço de seus subsídios, para a realização de tarefas intrínsecas aos próprios e respectivos cargos”, completou.
O promotor também sustenta na ação que o CNMP não tem competência para criar o benefício de assunção de acervo, ou licença compensatória, pois seria necessário uma lei para autorizar tanto a criação do penduricalho quanto a responsabilidade do Conselho para regulá-lo.
De Luca menciona na petição inicial que acionou a Procuradoria-Geral de Justiça de São Paulo, em 2023, ao tomar conhecimento de pressões para que a instituição efetuasse o pagamento do benefício. Na petição enviada ao órgão, ele disse considerar o auxílio “indevido” e sugeriu que fosse pago “apenas a membros que admitissem assumir as funções de cargos de difícil provimento”.
A sugestão não foi acatada e a órgão pagou o penduricalho tempo depois.
Suspensão do próprio benefício
O promotor aposentado destrincha na ação ao STF que tomou conhecimento de que seria beneficiado pelo pagamento da licença compensatória, mas que não sabia o valor a ser creditado na sua conta.
Ele acionou a PGJ de São Paulo e obteve a informação de que o o “crédito institucional” em seu favor era de R$ 1.355.135,51, relativo à licença compensatória lastreada em ato da própria Procuradoria e em resoluções do CNMP, com abrangência retroativa entre 2015 e 2023.
“Trata-se de direito reconhecido e disciplinado pelo Conselho Nacional do Ministério Público, órgão central de controle do Ministério Público, bem como pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em razão do disposto nas Leis 13.093/2015 e 13.095/2015, de maneira que para além da resolução e da recomendação do Conselho Nacional, a disciplina interna do tema também decorreu da simetria entre as carreiras do Ministério Público e Magistratura”, justificou a assessoria jurídica do MPSP a De Luca.
O penduricalho do promotor está suspenso desde junho deste ano, quando o diretor de departamento do MPSP, Marcos Hayazaki, assinou um protocolo atendendo ao pedido de suspensão do pagamento. De Luca justifica ter solicitado a paralisação do benefício enquanto o STF se manifesta sobre a legalidade deste dispositivo.