29 de setembro de 2025
Politica

Barroso deixa presidência do STF em gestão marcada por ataque dos EUA e crise com Congresso

BRASÍLIA – O ministro Luís Roberto Barroso tomou posse como presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) em setembro de 2023 e fez um discurso eloquente em defesa da “pacificação nacional” e do fim dos “antagonismos artificiais”. Passados dois anos, a cisão do País se aprofundou e a Corte amealhou ainda mais ataques e críticas, inclusive com a pressão sem precedentes a nível internacional com o governo Donald Trump impondo sanções a magistrados para evitar a condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). O ministro Edson Fachin assumirá a presidência do STF no dia 29.

Barroso é defensor da tese de que o Supremo deve exercer o “papel iluminista” de “empurrar a história” — em outras palavras, os seus membros devem ser protagonistas na definição de direitos. Sob essa perspectiva, a Presidência do STF é um instrumento poderoso de ação, já que cabe ao chefe da instituição definir a pauta de votações no plenário físico.

Sessão plenária do STF sob a presidência de Luís Roberto Barroso
Sessão plenária do STF sob a presidência de Luís Roberto Barroso

Mas essa visão também foi um dos fatores que fez crescer a crise institucional entre o tribunal e o Congresso, que passou a enfrentar decisões judiciais contrárias aos seus interesses por meio da aprovação de projetos que retaliam o Judiciário. Do lado da Justiça, a avaliação é que, na maioria dos casos, o Supremo apenas cumpriu o seu dever de reverter medidas manifestamente inconstitucionais do Legislativo e assegurar direitos negligenciados pelos políticos.

“O ministro Barroso parece ter entendido que o Supremo Tribunal Federal e o Poder Judiciário podem ocupar maior centralidade em vários debates públicos e ele assumiu essa ideia na gestão dele. Para além de responder ataques, nós vimos um Supremo que deu respostas a grupos da sociedade que vinham demandando de outros lugares e não conseguiam”, avalia o professor adjunto de direito constitucional da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) e advogado em casos no STF, Wallace Corbo.

Na quinta-feira, 25, na última sessão do Supremo que presidiu, Barroso disse que encerra sua gestão “feliz com o que conseguimos fazer em termos de relações com os outros Poderes, com a sociedade e com o nosso convívio interno”.

“A vida me deu a bênção de servir ao País, como ministro do Supremo e, nesses últimos dois anos, como seu presidente, sem ter nenhum outro interesse ou motivação que não fosse fazer o certo, o justo e o legítimo, e o de procurar fazer um País melhor e maior”, disse Barroso.

Ele ainda declarou que, apesar do “custo pessoal” dos ministros e o “desgaste de decidir as questões mais divisivas da sociedade brasileira”, o Supremo “cumpriu e bem o seu papel de preservar o Estado de direito e de promover os direitos fundamentais”.

Decisões do STF foram constantemente contestadas no Legislativo

Em um dos episódios mais recentes dessa disputa sob a presidência de Barroso, a Câmara aprovou a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Blindagem, que exige autorização do Congresso para que um parlamentar seja investigado ou condenado pela Justiça.

A aprovação do texto foi uma resposta direta às investigações conduzidas pelo ministro Flávio Dino que miram irregularidades e crimes na destinação de emendas e também, por parte da ala bolsonarista da Câmara, à condenação de Bolsonaro a 27 e 3 meses de prisão pela Primeira Turma do STF. Os dois processos são respaldados pelo presidente do Supremo.

A PEC acabou arquiva pelo Senado com voto unânime dos integrantes da Comissão de Constituição e Justiça daquela casa.

O presidente do STF, Luís Roberto Barroso, rodeado pelo presidente Lula e pelos presidentes do Senado, Davi Alcolumbre, e da Câmara, Hugo Mota.
O presidente do STF, Luís Roberto Barroso, rodeado pelo presidente Lula e pelos presidentes do Senado, Davi Alcolumbre, e da Câmara, Hugo Mota.

Barroso compareceu à Primeira Turma no último dia de julgamento de Bolsonaro e se sentou ao lado do presidente do colegiado, ministro Cristiano Zanin, em um gesto de apoio à decisão. O presidente do STF defendeu o julgamento e voltou a pregar a necessidade de “reconstruir relações, pacificar o país e trabalharmos por uma agenda comum, verdadeiramente patriótica”.

Uma semana depois, a Câmara aprovou a urgência do Projeto de Lei (PL) da anistia para os golpistas condenados por envolvimento no 8 de janeiro, em outras tentativas de ruptura. O texto, na prática, derruba as condenações realizadas pelo STF e livra pessoas que atentaram contra a democracia.

Num outro episódio em que STF e Congresso entraram em rota de colisão, o Senado aprovou a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que criminaliza a posse ou o porte de qualquer quantidade de droga ou entorpecente sem autorização legal. O texto foi aprovado em resposta ao julgamento no STF da descriminalização do porte de até 40 gramas de maconha, pauta que foi patrocinada por Barroso.

Em todos esses episódios, Barroso não conseguiu utilizar o papel de representante do Judiciário para discutir com o Congresso e fazer valer as decisões do STF sem que uma crise se instalasse logo na sequência. A cada movimento dos ministros a favor de pautas progressistas ou do enquadramento de parlamentares por suspeita de corrupção, novas retaliações e tentativas de fragilizar o Supremo surgiam junto.

Em outubro do ano passado, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara aprovou um projeto de lei (PL) que proíbe ordens de apenas um magistrado para suspender a eficácia de uma lei ou de um ato dos presidentes da República, do Senado ou da Câmara.

A mobilização dos deputados ocorreu após o STF validar, dois meses antes, a decisão do ministro Flávio Dino que suspendeu a execução das emendas impositivas até que o Congresso dê transparência aos repasses. Barroso classificou como correta a votação e afirmou que é papel do Supremo limitar o papel político. “A queixa é livre e compreensível”, disse, despertando ira em setores da Câmara e do Senado.

Foi com esse clima de hostilidade do Congresso e intensa oposição do bolsonarismo que Barroso conduziu a sua gestão, sob o risco de desencadear retaliações e crises em diferentes flancos a cada ação levada a julgamento no plenário.

Na avaliação de Corbo, apesar das sucessivas retaliações ao STF, a postura de Barroso como presidente não foi de confrontação. Ele afirma que o ministro apostou em “firmeza e diplomacia”, enquanto permitia que os órgãos do tribunal tomassem as decisões devidas sem interferência.

Corbo pontua que Barroso conseguiu bons resultados em temas progressistas sobretudo em sua gestão no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), onde instituiu exigências mais brandas em concursos públicos para pessoas negras, indígenas e com deficiência, visando diversificar os quadros do Judiciário.

Mas o professor da Uerj pondera que em alguns casos, “apesar da extrema boa vontade do ministro”, os avanços não foram tão longe, como no julgamento do direito de pessoas transgênero utilizaram banheiros do sexo com o qual se identificam. Barroso ficou vencido nesta votação e o caso foi rejeitado antes de adentrar no mérito.

Interferência dos EUA pressionou o STF

Nos últimos meses, a pressão sobre o STF aumentou ainda mais com a decisão de Trump de intervir diretamente no julgamento da ação penal do golpe para livrar Bolsonaro da condenação. O governo americano usou a lei Magnitsky contra o ministro Alexandre de Moraes, bloqueando o seu acesso a serviços financeiros internacionais, e suspendeu os vistos de oito ministros, incluindo Barroso.

O ministro Alexandre de Moraes foi o principal alvo das sanções de Donald Trump contra o STF.
O ministro Alexandre de Moraes foi o principal alvo das sanções de Donald Trump contra o STF.

Os ataques do governo Trump atingiram Barroso com mais intensidade. Ele fez mestrado na Universidade de Yale, mesma instituição em que sua filha estudou, e seu filho é diretor do banco BTG em Miami, onde possuí um imóvel avaliado em R$ 22 milhões. Barroso recomendou que o filho não retornasse aos EUA após as sanções.

Em carta endereçada a Trump na última quarta-feira, 17, Barroso disse que “é injusto punir ministros que, com coragem e independência, cumpriram o seu papel” ao julgar Bolsonaro e os militares condenados por envolvimento na tentativa de golpe. A despeito do gesto do ministro, o secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, assegura que haverá resposta à condenação do aliado e o STF deve ser novamente um alvo a ser fustigado.

Em resposta ao Estadão, o Departamento de Estado afirmou que a mensagem publicada por Rubio no X deixa “clara a posição dos EUA sobre esse assunto”. “Os Estados Unidos vão responder adequadamente a essa caça às bruxas”, escreveu.

Para o professor Corbo, “os ataques do governo Trump ao STF acabaram fortalecendo o tribunal interna e externamente”.

“Uma vez aplicadas essas medidas, a postura que o ministro Barroso adotou foi de muita serenidade, refletindo os outros ministros, neste ponto ele foi uma liderança. Houve um reforço da mensagem de que o Judiciário brasileiro é independente, de um País soberano, que não se dobra diante de ameaças estrangeiras”, completou.

Na sessão dessa quinta-feira, 25, o ministro Gilmar Mendes, o mais antigo do STF, elogiou a atuação de Barroso e fez referência às condenações por tentativa de golpe. Gilmar disse que o colega “soube responder a investidas com firmeza inabalável, mas também com a elegância, cordialidade e a urbanidade que o caracterizam e que sempre pautaram sua vida pública”.

Gilmar destacou que a gestão de Barroso “entra para a história como a primeira vez em que um ex-Chefe de Estado, ao lado de militares de alta patente, é condenado por golpe ou tentativa de golpe de Estado no Brasil”.

Discussão sobre limites éticos marcou início da gestão

A gestão de Barroso termina com recados eloquentes de defesa da democracia em meio às investidas promovidas por Trump, mas o seu início foi marcado por diversas contestações aos limites éticos da atuação de ministros.

Dois meses após Barroso assumir a Presidência do STF, a Suprema Corte dos Estados Unidos criou um código de ética em resposta à uma série de reportagens publicada pelo site ProPublica que mostrou as relações pouco republicanas entre juízes do tribunal e empresários.

Suprema Corte dos EUA criou um código de ética após relações de juízes com empresários serem expostas pela imprensa.
Suprema Corte dos EUA criou um código de ética após relações de juízes com empresários serem expostas pela imprensa.

No Brasil, os ministros do STF eram alvo de críticas semelhantes na mesma época pela falta de transparência em interações com empresários que respondem a processos na Corte. Barroso, por exemplo, palestrou em um evento patrocinado pela JBS, mesmo sendo relator de cinco processos movidos pela empresa.

A cobrança por comedimento na relação entre ministros e grandes agentes econômicos ficou ainda mais forte durante o “Gilmarpalooza”, evento organizado por Gilmar Mendes, em Portugal, que reúne centenas de autoridades e empresários para discutir questões político-jurídicas e é repleto de eventos paralelos sem transparência.

Em resposta às exigências de controle ético e transparência na atuação dos ministros, Barroso adotou o discurso de que o STF conversa com “advogados, indígenas, empresários rurais, estudantes, sindicatos, confederações patronais, entre muitos outros segmentos da sociedade”. Em julho de 2024, o Estadão mostrou que autoridades dos Três Poderes e empresários foram os mais atendidos pelo presidente do Supremo.

A preconização dos empresários voltou à baila quando, em maio deste ano, Barroso foi flagrado em cantoria com o CEO do Ifood, Diego Barreto, em um jantar beneficente, em São Paulo.

A proximidade com donos de empresas também foi alvo de críticas porque, durante a gestão de Barroso, o STF e o Tribunal Superior do Trabalho (TST) entraram em atrito diversas vezes por julgarem de maneira diferente processos trabalhistas.

Os dois tribunais chegaram a firmar um acordo de cooperação para reduzir a litigiosidade, mas não houve recuo no número de reclamações que chegaram ao STF contra decisões da Justiça do Trabalho; e as duas instituições seguem em pé de guerra acusando desrespeito do lado oposto.

 

 

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