As lições de Charlie Kirk, assassinado por intolerância política
“Não se deve chorar a morte de um trumpista”, dizia a mensagem de um funcionário do Teatro Municipal, em São Paulo. Era sobre Charlie Kirk, e a referência a Trump perfeitamente dispensável. O que ele diz: se alguém cujas ideias eu odeio levar um tiro no pescoço, não há o que lamentar. Podemos fazer de conta que isto não seja uma banalização da violência política. Mas é.
Kirk foi morto em uma universidade. “Não por ser um conservador”, me diz um colega americano, “mas por ser um conservador nos espaços errados”. Sua marca era o “prove-me que estou errado”. A barraquinha no pátio de uma universidade, o microfone aberto para os alunos e a contraposição. Uma ousadia “socrática”. A dúvida inoculada em espaços sujeitos à monocultura ideológica. Por aqui não andamos longe. Ainda agora vimos um debate sobre nossa democracia e o STF censurado, na Federal do Paraná, à base de gritaria e pontapés. Não atiramos em ninguém, mas a intolerância está lá. E com ela a violência, sua prima-irmã.

Outra lição é sobre a ideia da “morte racional”, essa velha doença moderna, derivada da crença de que, por alguma razão, somos infalíveis. Isto funcionou muito tempo com a religião. Ainda lembro quando visitei, em uma tarde fria de Genebra, o local em que o sábio renascentista Michael Servetus foi queimado em uma fogueira, sob a batuta de Calvino. Servetus se foi em 1553. Charlie Kirk, semanas atrás. Uma flecha no tempo liga estas duas mortes. A primeira, pela intolerância religiosa. O segunda, pela intolerância política. A política terminou por substituir a religião como centro das paixões humanas. Mas o leitmotif é o mesmo. A bestialidade tão perfeitamente sintetizada na provocação de Camus: “toda tragédia humana nasceu quando alguém decidiu que era legítimo matar um homem em nome de uma ideia”. Vale para quem dá um tiro no pescoço de Kirk. Vale para quem faz festa ou um estúpido argumento “racional” com estas coisas.
O melhor que se produziu, na modernidade, foi feito exatamente da recusa da morte em nome de ideias. Porque somos falíveis. Porque erramos muito, na história, e em algum momento compreendemos, como escreveu John Milton, que a verdade anda por aí, espalhada em mil pedaços. E que é desse reconhecimento que nasce um certo senso de comedimento. Uma hesitação, quem sabe um momento de “suspensão”, como diziam os primeiros céticos, diante da pretensão da verdade. E daí a melhor hipótese de nossa civilização. A renúncia da violência em favor do convencimento. A recusa da ideia sombria de que a força possa mover a consciência. Sentido último de nossas democracias liberais. Quem sabe venha daí o impacto da execução de Kirk. Do rapaz conservador, sentado em um banquinho, tentando conversar com gente que odiava suas ideias, em um campus universitário. O marido da Erika, agora viúva, que terá que criar suas meninas sozinha, para o gozo banal de tanta gente. O sujeito que agora de fato está morto. Mas cuja lição discreta talvez tenha algo a nos ensinar.