O mundo sem Yu
Desde 23.09.2025, o planeta precisa continuar a existir, sem um de seus filhos mais criativos e atentos às necessidades das zonas urbanas. É Kongjian Yu, que estava em São Paulo para a Bienal da Arquitetura e que aproveitara a estadia para fazer um documentário sobre o conceito de “cidade-esponja” no pantanal mato-grossense.

Esse chinês nascido em 1963 foi o principal artífice dessa ideia. Sua filosofia enraizou-se nos padrões de segurança ecológica e urbanismo adaptativo. Ele sustentou a conciliação entre resiliência, funcionalidade e sustentabilidade, como prioridade absoluta, em detrimento da estética ornamental. Chama o paisagismo e o design urbano como a “Arte da Sobrevivência” e daí a elaboração do conceito de “cidade-esponja”: uma abordagem baseada na natureza para a gestão da água urbana.
Método eficaz para evitar ou atenuar o efeito das inundações, melhorar a qualidade da água e aumentar a biodiversidade. Por ele, em lugar de dispendiosa construção de sistemas de drenagem de concreto, a solução é usar pântanos, superfícies permeáveis e espaços verdes para absorver, filtrar e armazenar a água da chuva. Algo perfeitamente possível de fazer em São Paulo, cidade privilegiada com muita água – hoje infelizmente a maior parte submersa – e grandes rios, também infelizmente “retificados” e privados de suas sinuosidades e várzeas. [
Para Yu, as estratégias climáticas predominantes, a engenharia convencional, se concentram predominantemente no carbono. Ignoram o ciclo desestabilizado da água que intensifica os desastres e acelera as mudanças climáticas. Ele criticava as estratégias de adaptação atuais — fortemente dependentes de infraestrutura cinza — como míopes e inadequadas. Em contraste, ele propôs que a infraestrutura ecológica baseada na natureza poderia ajudar a reverter essa tendência.
Yu definiu a Cidade Esponja como eficiente resposta holística à crise climática. Ela supera o foco reducionista e restrito à gestão de inundações urbanas. Mercê de sua experiência, ele expandiu o conceito globalmente por meio da abordagem ‘Planeta Esponja’, defendendo a restauração ecológica de pântanos, rios e zonas costeiras para recuperar e estabilizar o ciclo global da água — posicionando-o como uma solução abrangente baseada na natureza para mitigação e adaptação climática.
Ele veio para o Brasil para participar da 14ª Bienal de Arquitetura, atualmente situada na OCA, no Ibirapuera. Quis aproveitar esta viagem para realizar um documentário exatamente sobre a sua estratégia ecológica. Mas, infelizmente, morreu na queda do pequeno Cessna que caiu na área rural de Aquidauana.
Com isso, perde-se a oportunidade de se valer de sua expertise para a concretização de projetos aqui em São Paulo, assim como os por ele realizados e que evidenciam a excelência de seu trabalho. Deve-se a ele a restauração do rio Haikou Meishe, curso d’água degradado que foi transformado em via navegável dinâmica, atenuadora das cheias, além de melhorar a qualidade da água e integrar espaços verdes.
Também é obra sua o Parque da Praia de Haikou Jiangdong, verdadeira “parede respiratória”, uma defesa natural costeira, baseada na natureza e que atua contra a erosão.
Yu implementou o Parque Florestal Benjakitti de Bangkok, na Tailândia, realizou a belíssima orla do Lago Kazan, que mereceu o Prêmio Internacional de Excelência em Planejamento e o Grande Prêmio de Design Urbano da Associação Americana de Planejamento.
Inúmeros projetos seus foram premiados, como o Sanya Mangrove Park, Prêmio AZ de 2019, melhor arquitetura paisagística, Prêmio ASLA de 2020, o Parque Pantanal de Sanya Dong’an, em Hainan, na China, o Corredor do Rio Puyangjiang, cujo arrojo foi cognominado de construção de via verde, vencedor do Prêmio FuturArc de Liderança Verde, Parque Nanchang Fishtail, Nanchang, província de Jiangxi em 2021, além de muitos outros.
Yu era uma personalidade mundialmente respeitada e, tão acessível a todas as pessoas que queriam conhece-lo, que não se recusava a opinar, em verdadeira antecipação do que faria se viesse a responder por obras em qualquer cidade do planeta.
Aqui em São Paulo, reuniu-se com um de seus admiradores, o arquiteto Pedro Fernandes, Presidente da SP-Urbanismo, que é um discípulo fiel seguidor dos sonhos de Kingjian Yu e de quem se espera possa, em homenagem ao mestre, implementar alguns projetos na maior cidade do Brasil. Ele esteve no corredor verde da zona leste, o Parque Tiquatira, formado pelo plantador de árvores Hélio da Silva. Acreditava que em São Paulo as enchentes poderiam ser domadas e utilizadas para recarregar os lençóis freáticos, pois temos vales, ainda água – a ser redescoberta – e agora precisamos de coragem para devolver à natureza tudo o que subtraímos dela.
Que aprendamos com suas lições que a água é a solução holística para regular a temperatura, para trazer saúde e beleza para as pessoas. Yu: não esqueceremos você e sua contribuição para tornar o mundo melhor.